Para psicólogos, adoção "torta" pode
provocar traumas
Fonte: Diário Catarinense
Mônica Foltran, enviada
especial/Israel
Aos 15 anos de idade, Ron Yehezkel descobriu que não sabia nada
sobre sua origem. A crescente desconfiança de que era adotado foi confirmada
quando encontrou no quarto dos pais os papéis do registro em cartório
oficializando sua entrega por parte da mãe biológica para a família europeia. A
revelação caiu como uma bomba em sua vida. Seu passado de repente se tornou
obscuro. Passou a se sentir estranho e sozinho. Angustiado procurou seus pais
mas, eles apenas confirmaram a adoção e se negaram a falar sobre o assunto.
- Eu criei coragem para confrontar meus pais sobre esse assunto,
e eles admitiram que eu sou adotado. Mas, até hoje, não querem cooperar, contar
mais coisas - diz Yehezkel em sua casa em Haifa, Israel.
Com os documentos em mãos, começava então uma longa busca por
respostas. Ron procura pela família biológica no Brasil há 11 anos. Em Pelotas,
no Rio Grande do Sul onde nasceu, surgiu a primeira pista em março deste ano. A
moradora na cidade, Ceci Gomes da Silva, 68 anos, viu uma foto de Yehezkel em
um jornal local e o achou parecido com um filho seu, também adotado. Foram
enviadas para ele fotos de um suposto irmão, Giovane Gomes da Silva, 30 anos,
que trabalha como segurança na Capital.
- Vejo algo nos olhos dele que se parece com os meus. Gostaria
de fazer um teste de DNA e, caso positivo, estaria disposto a viajar ao Brasil
para conhecê-los - conta o futuro advogado.
Probabilidade de ser a
mãe biológica é pequena
A realização de um exame de DNA ainda não foi acertada. Em sua
casa, em Pelotas, Maria Amélia de Jesus, a suposta mãe biológica, conta que
realmente entregou um bebê para adoção em 1986.
- Eu não tinha condição de criar - conta Mária Amélia.
Maria Amélia virou evangélica e sofreu um derrame há pouco mais
de uma década. Diz não fazer questão de conhecer o possível filho por não saber
como ele reagiria. Os dados presentes nos documentos disponíveis, porém,
sugerem que a possibilidade de Yehekzel ter encontrado a mãe biológica é
pequena: o nome materno que consta nos papéis é Maria Lemos, e a data de adoção
do jovem aparece como 16 de setembro, enquanto Maria Amélia sustenta que deu à
luz em novembro de 1986.
Procurada pela reportagem da sucursal da RBS (Zero Hora) no Rio
Grande do Sul, a direção da Santa Casa de Pelotas não forneceu informações
sobre a possibilidade de Yehekzel ter nascido no local. Todas as pesquisas
feitas pelo Serviço de Arquivo Médico são realizadas somente via ação judicial,
que deve ser movida pelo próprio paciente.
A despeito das incertezas, Yehezkel diz ter orgulho de ser
brasileiro, está casado há cerca de um ano e pretende, em breve, ter um filho.
Ron Yehezkel, 26 anos
Nasceu em: 01.09.1986
Cidade: Pelotas, RS
Mãe biológica: Maria Lemos
Nasceu em: 01.09.1986
Cidade: Pelotas, RS
Mãe biológica: Maria Lemos
* Colaborou reportagem do Jornal Zero Hora do Rio Grande do
Sul
Adoção "torta" provoca traumas, dizem
psicólogos
Para psicólogos que lidam com adoções, traumas refletem consequências de uma adoção considerada "torta" – fora dos cuidados. Mentiras e a forma errada como contaram aos filhos geraram dores.
– É horrível a criança descobrir que foi adotada e, pior ainda, descobrir que mentiram para ela sobre suas raízes – observa a psicóloga Denise de Araújo Vosnika, de Curitiba, que lida com o tema.
O olhar e o tom de voz tristes revelam as incertezas que marcam a vida de Yael Stein. Bonita, "mas infeliz", como se audefine, aos 24 anos lembra como sua vida foi marcada por "tristeza e raiva". A revolta por ter sido entregue em condições ilegais resultou em inseguranças.
– O sonho é conhecer minha verdadeira família. Seus documentos, com duas datas de nascimento, são um atestado dessa confusão. Certidão e caderneta de saúde têm datas diferentes: 1º de fevereiro e 13 de março de 1988. A origem também é polêmica. Ela acredita ter nascido em Joinville, mas a certidão aponta Campo Largo, no Paraná. Ela reconhece que tem uma boa vida em Israel, mas isso não supera a dor do passado desconhecido.
– Não gosto de Israel. Quero morar no Brasil, porque acho ser o melhor lugar do mundo – diz Yael. Shiri Shinfouks vive uma confusão semelhante. Adotada com 12 dias de vida, tem documentos de Curitiba, mas a carteira de saúde aponta o nascimento na Maternidade Darcy Vargas, em Joinville. Da mãe adotiva, ouviu que teria sido entregue numa casa "próxima a Joinville".
Shiri, a dona do pezinho carimbado na caderneta de saúde acima, foi adotada em outubro de 1984 por um casal israelense tão decidido que permaneceu três meses negociando no Brasil, até retornar com a menina. Em Curitiba, teriam ficado sabendo "das facilidades" para adotar crianças e, por indicação, se hospedaram em um conhecido hotel daquela capital, que a Polícia Federal identificou, na época, como um ponto de atração do trafico de bebês.
Hoje Shiri ouve da mãe adotiva que ela se parece muito com a mãe biológica. E por isso vive na frente do espelho, olhando suas feições e se perguntando:
– Por que estou aqui. Por que ela me entregou – questiona a jovem de pele clara e traços europeus.
Em seus documentos constam o nome de Luciana Mara de Araújo como mãe. No lugar reservado ao nome do pai, o termo "ignorado".
Para psicólogos que lidam com adoções, traumas refletem consequências de uma adoção considerada "torta" – fora dos cuidados. Mentiras e a forma errada como contaram aos filhos geraram dores.
– É horrível a criança descobrir que foi adotada e, pior ainda, descobrir que mentiram para ela sobre suas raízes – observa a psicóloga Denise de Araújo Vosnika, de Curitiba, que lida com o tema.
O olhar e o tom de voz tristes revelam as incertezas que marcam a vida de Yael Stein. Bonita, "mas infeliz", como se audefine, aos 24 anos lembra como sua vida foi marcada por "tristeza e raiva". A revolta por ter sido entregue em condições ilegais resultou em inseguranças.
– O sonho é conhecer minha verdadeira família. Seus documentos, com duas datas de nascimento, são um atestado dessa confusão. Certidão e caderneta de saúde têm datas diferentes: 1º de fevereiro e 13 de março de 1988. A origem também é polêmica. Ela acredita ter nascido em Joinville, mas a certidão aponta Campo Largo, no Paraná. Ela reconhece que tem uma boa vida em Israel, mas isso não supera a dor do passado desconhecido.
– Não gosto de Israel. Quero morar no Brasil, porque acho ser o melhor lugar do mundo – diz Yael. Shiri Shinfouks vive uma confusão semelhante. Adotada com 12 dias de vida, tem documentos de Curitiba, mas a carteira de saúde aponta o nascimento na Maternidade Darcy Vargas, em Joinville. Da mãe adotiva, ouviu que teria sido entregue numa casa "próxima a Joinville".
Shiri, a dona do pezinho carimbado na caderneta de saúde acima, foi adotada em outubro de 1984 por um casal israelense tão decidido que permaneceu três meses negociando no Brasil, até retornar com a menina. Em Curitiba, teriam ficado sabendo "das facilidades" para adotar crianças e, por indicação, se hospedaram em um conhecido hotel daquela capital, que a Polícia Federal identificou, na época, como um ponto de atração do trafico de bebês.
Hoje Shiri ouve da mãe adotiva que ela se parece muito com a mãe biológica. E por isso vive na frente do espelho, olhando suas feições e se perguntando:
– Por que estou aqui. Por que ela me entregou – questiona a jovem de pele clara e traços europeus.
Em seus documentos constam o nome de Luciana Mara de Araújo como mãe. No lugar reservado ao nome do pai, o termo "ignorado".