Diferentemente de Avraham e Sarah, que passaram por uma mudança de nome, Jacob não teve seu nome original alterado. Em vez disso, recebeu um novo nome, Israel, enquanto também manteve seu nome de nascimento, Jacob
A expressão “os atos dos pais são um sinal para os filhos” (Maaseh Avot Siman L’Banim) origina-se dos ensinamentos de Rabi Moshé ben Nachman, também conhecido como o Ramban ou Nachmânides – um cabalista medieval e um dos maiores Sábios da história judaica, que escreveu um comentário clássico sobre os Cinco Livros da Torá.
Segundo o Ramban e outros comentaristas da Torá, os eventos na vida dos Patriarcas do Povo Judeu – Avraham, Yitzhak e Yaacov – anteciparam as experiências de seus descendentes. Assim, as narrativas de suas vidas, provações e experiências documentadas na Torá transcendem a simples historicidade, servindo como prelúdios e lições para os Filhos de Israel ao longo dos milênios.
No artigo “Jacob e Israel - Os Dois Nomes de Nosso Patriarca”, publicado nesta edição, exploramos o significado de nosso Patriarca Jacob possuir dois nomes. Diferentemente de Avraham e Sarah, que passaram por uma mudança de nome, Jacob não teve seu nome original alterado. Em vez disso, recebeu um novo nome, Israel, enquanto também manteve seu nome de nascimento, Jacob.
Entre os três Patriarcas, Jacob é considerado o progenitor do Povo Judeu em um grau mais significativo do que seu pai, Yitzhak, e seu avô, Avraham. A distinção de Jacob em relação aos outros dois Patriarcas reside no fato de todos os seus filhos terem se tornado fundadores das Doze Tribos de Israel, que, em conjunto, constituem a nação judaica. Por outro lado, Avraham e Yitzhak geraram outros filhos que originaram diferentes nações. Assim, levando em conta que “os atos dos pais são um sinal para os filhos”, a vida de Jacob – mais do que a de Yitzhak e Avraham – exerceu um impacto profundo na trajetória do Povo Judeu que perdura até os dias atuais.
No artigo “Jacob e Israel - Os Dois Nomes de Nosso Patriarca”, exploramos o conceito – presente no Talmud, no Midrash e nas obras de Cabalá – de que o nome hebraico de uma pessoa desvenda sua identidade e influencia seu caráter e destino. Explicamos que o terceiro Patriarca recebeu o nome Yaacov porque nasceu segurando o calcanhar (em hebraico, akev) de seu irmão gêmeo, Esaú. O nome Yaacov espelha a essência de Jacob: seu comportamento era marcado pelo akev – o calcanhar – indicando que ele o usava para fugir de seus inimigos ou permitia que estes o pisoteassem.
Considerando que a Torá é a Palavra de D’us, um livro de autoria Divina – e não uma obra mitológica –, ela não idealiza a vida de seus protagonistas. Na Torá, Jacob é descrito como “homem íntegro, que habitava nas tendas” (Gênesis 25:27): um erudito que passa a maior parte do seu tempo estudando. Ele se destaca como um gigante espiritual e místico, que sonha com uma escada que se estende até os Céus, pela qual anjos ascendem e descem à Terra. Jacob também é um profeta, que recebe revelações de D’us em seus sonhos. Como um homem devoto, sagrado e sábio, Yaacov tem a missão de seguir os caminhos de seu pai, Yitzhak, e de seu avô, Avraham.
E ainda assim, Jacob – o homem de fé, paz e integridade – enfrenta numerosos sofrimentos ao longo da vida. Ele é retratado na Torá como o servo sofredor de D’us, uma vítima constante de tragédias sucessivas. Grande parte de seu sofrimento está vinculada à sua santidade e ingenuidade. Jacob buscava evitar, a todo custo, conflitos, confrontos diretos e, especialmente, o derramamento de sangue. Em vários aspectos, ele é o oposto de seu irmão gêmeo, Esaú, que é caracterizado pela violência e pelo hedonismo – um caçador e guerreiro. Sendo gêmeos, Jacob e Esaú provavelmente possuíam força física semelhante. De fato, a Torá nos oferece um vislumbre da notável força física de Jacob (Gênesis 29): Ao chegar em Haran e dirigir-se a um poço onde encontraria sua futura esposa, Raquel, Jacob se depara com uma grande pedra que o cobria – uma pedra que normalmente exigiria o esforço conjunto de vários pastores para ser removida, a fim de dar água ao rebanho. No entanto, ao avistar sua prima Raquel e apaixonar-se por ela à primeira vista, Jacob é tomado por tamanha força e determinação que, sozinho, consegue remover a pedra da abertura do poço. Esse ato, realizado sem a necessidade de assistência dos pastores, evidencia a excepcional força física de Jacob.
Portanto, é difícil compreender por que Jacob preferia o apaziguamento ao confronto, apesar de sua notável força espiritual e física. Ele consistentemente escolhe fugir em vez de enfrentar. Isso se evidencia na forma como ele lida com seus adversários. Quando Esaú ameaça matá-lo, em vez de confrontar seu irmão, Jacob segue o conselho de seus pais e foge de casa. Ele se dirige para a casa de seu tio materno, Lavan, que mora em Haran – localizada na atual Turquia.
Durante sua longa estadia em Haran, Jacob é constantemente enganado, explorado e humilhado por Lavan – seu tio materno e sogro, mas nunca reage. Lavan o engana repetidamente, porém Jacob continua trabalhando de forma leal e honesta como seu empregado. Contudo, quando os filhos de Lavan demonstram aberta hostilidade contra Jacob, movidos pela inveja de sua prosperidade e acusando-o de ter enriquecido às custas deles, Jacob decide fugir, pois Haran se tornara um ambiente hostil e perigoso.
Jacob deixa Haran sem informar Lavan, temendo a reação de seu sogro. A maneira como Jacob lida com a hostilidade de Lavan e seus filhos – assim como havia feito anos antes com Esaú – é por meio da fuga. Ele escolhe evitar o confronto – confiando em seu “calcanhar”, seu akev – em vez de enfrentar a situação diretamente. No entanto, retornar para casa significa reencontrar Esaú, que havia jurado matá-lo. Às vésperas de retornar à sua terra natal, Jacob fica apreensivo diante do confronto iminente.
A famosa luta de Jacob com o anjo ocorreu na noite anterior ao seu reencontro com Esaú. Diante da impossibilidade de fugir, Jacob se vê obrigado a lutar. Essa batalha representa uma luta por sua própria sobrevivência. Após um longo combate noturno, Jacob prevalece sobre o anjo. Como recompensa por sua vitória, ele recebe um novo nome. O anjo o abençoa, dizendo: “Não, Jacob não mais será teu nome, e sim Israel, pois lutaste com um anjo e com homens e prevaleceste.” (Gênesis 32:29). O novo nome, Israel, revela que Jacob passou por uma transformação profunda. Levando em conta que o nome hebraico de uma pessoa reflete sua essência, o terceiro Patriarca emergiu dessa luta transformado. Yaacov, antes associado ao akev – o calcanhar –, agora é reconhecido como um guerreiro.
No entanto, o novo nome, Israel, não substituiu o nome Jacob, mas sim acrescentou uma nova denominação. Ter dois nomes significava que o Patriarca agora possuía duas naturezas distintas. De fato, mesmo após ser abençoado com o nome Israel, o pai do Povo Judeu continuou exibindo as características de Jacob. Ao reencontrar seu irmão Esaú – e temendo um confronto fatal – ele optou por uma abordagem conciliadora: curvou-se diante de Esaú sete vezes, demonstrando submissão total. Ao dialogar com Esaú, Jacob se referiu a si mesmo como servo dele (Gênesis 33:5) e ainda o presenteou generosamente. No entanto, após receber o nome Israel, Jacob indubitavelmente se transformou. Esaú percebeu essa mudança ao reencontrar o irmão. Portanto, em vez de agir com hostilidade, Esaú o acolheu com um beijo, e ambos se comoveram. Independentemente da sinceridade desse gesto – sobre a qual os Sábios divergem – torna-se claro que Esaú encontrou um irmão muito diferente daquele que havia deixado para trás, há mais de duas décadas. Esaú sempre foi um guerreiro; agora, seu irmão também o era. Na última vez que se viram, o irmão de Esaú era conhecido como Yaacov; agora, ele também era Israel.
. Jacob e Israel: As duas identidades do Povo Judeu
O princípio de que “os atos dos pais são um sinal para os filhos” sugere uma interpretação da história judaica sob uma ótica teológica, especialmente por meio das narrativas da Torá sobre os Patriarcas, com um foco particular na vida de Jacob. Conhecido também como Israel, o terceiro Patriarca exibe uma dualidade de naturezas, simbolizada por seus dois nomes. Essa dualidade é refletida em seus descendentes, o Povo Judeu, que manifesta essas características em diferentes intensidades e contextos. A identidade que os judeus adotam – seja de Jacob ou Israel – é influenciada por vários fatores. De modo geral, quando se encontram em sua terra natal – seja na antiga Israel ou no moderno Estado de Israel – tendem a manifestar coletivamente a essência de seu Patriarca como Israel. Por outro lado, na Diáspora, tendem a personificar o Patriarca no estágio de sua vida em que era conhecido exclusivamente como Jacob.
O Tanach, especialmente nos livros dos Primeiros Profetas (Nevi’im Rishonim) –Yehoshua (Josué), Shoftim (Juízes), Shmuel (Samuel) e Melachim (Reis) – retrata os Filhos de Israel como guerreiros formidáveis. A proeza militar dos judeus na Terra de Israel era notável tanto durante o período de seu domínio soberano quanto nos séculos subsequentes, sob domínio estrangeiro, como no tempo do Segundo Templo Sagrado de Jerusalém. Mesmo sob ocupação, os judeus alcançaram uma vitória significativa contra o exército sírio-grego, na época considerado uma superpotência militar – um feito que é celebrado na festa de Chanucá. Apesar de o Império Romano ter eventualmente derrotado os judeus militarmente – devido a divisões internas e falhas espirituais entre o nosso povo –, a resistência judaica provou ser feroz e determinada. Os levantes judaicos, especialmente a Grande Revolta (66-73 E.C.), que resultou na destruição do Segundo Templo Sagrado, e a Revolta de Bar Kochba (132-136 E.C.), demonstraram a incansável luta dos judeus por independência e sua resistência contra a dominação romana. A coragem e a habilidade militar dos judeus deixaram uma impressão duradoura nos romanos, acostumados a suprimir rebeliões. Esse reconhecimento por um dos impérios mais poderosos da história atesta o espírito indomável e o legado notável dos guerreiros judeus.
No entanto, apesar de seu poderio militar, os judeus acabaram sendo derrotados por Roma. De maneira semelhante à narrativa da Torá, na qual Jacob é forçado ao exílio ao fugir de seu irmão Esaú, que ameaçava matá-lo, os descendentes de Jacob foram expulsos de sua terra natal pelos descendentes de Esaú – o Império Romano. Essa expulsão marcou uma mudança fundamental para os Filhos de Israel. Anteriormente uma potência militar formidável, cujo nome – Israel – evoca a imagem de um guerreiro, eles voltaram a adotar as características de seu antepassado Jacob: um “homem íntegro que habitava em tendas”. Na Diáspora, o Povo Judeu deixou de atuar como guerreiros, dedicando-se novamente ao desenvolvimento espiritual e intelectual, tal como Jacob havia feito.
A fuga de Jacob para Haran e sua subsequente permanência lá por vinte anos prenunciaram e simbolizaram a vida do Povo Judeu fora da Terra de Israel por quase dois milênios. A experiência da Diáspora judaica variou consideravelmente, influenciada pelo período histórico, local de residência e circunstâncias vigentes. Houve momentos breves de paz e prosperidade, mas também longos períodos de intensa opressão e horrores indescritíveis. No entanto, uma constante se manteve: assim como Jacob em Haran, os judeus na Diáspora encontraram-se em exílio como uma minoria diminuta vivendo entre uma maioria frequentemente hostil, especialmente na Europa. Mesmo possuindo capacidades notáveis – tanto espirituais quanto intelectuais –, os judeus frequentemente se viram em situações de vulnerabilidade, incapazes de exercer plena autonomia ou de definir seus próprios destinos.
Assim como Jacob enfrentou perseguição e sofreu acusações infundadas por parte de seu irmão violento e seu tio desonesto, o Povo Judeu tem sido alvo de numerosas falsidades e alegações nefastas ao longo da história. A estadia de Jacob na casa de Lavan resultou em prosperidade e bênçãos. Contudo, assim que Jacob acumulou riquezas, foi acusado pelos filhos de Lavan de ter enriquecido às custas deles. Essa narrativa reflete uma experiência recorrente dos judeus ao longo das diversas diásporas: eles consistentemente contribuíram de forma significativa para as sociedades nas quais se estabeleceram, promovendo avanços notáveis em vários campos. No entanto, ao alcançarem sucesso, frequentemente enfrentaram ressentimentos e acusações por parte da população local. Essas acusações sugeriam que os judeus haviam acumulado riqueza e poder à custa dos outros, ecoando as acusações mentirosas e injustas dirigidas a Jacob.
Como detalhado no artigo “Jacob e Israel – Os Dois Nomes de Nosso Patriarca”, os dois maiores inimigos de Jacob – Esaú e Lavan – recorreram a mentiras e acusações infundadas para justificar sua hostilidade e suas intenções de violência contra nosso Patriarca. Da mesma forma que Jacob foi alvo de falsidades e calúnias, seus descendentes na Diáspora enfrentaram uma série de acusações infundadas, muitas das quais persistem até hoje. Os judeus foram alvo de alegações contraditórias: descritos ora como capitalistas controladores da riqueza mundial, ora como comunistas que cobiçavam o dinheiro alheio; considerados indivíduos preconceituosos que evitavam a assimilação, ou como assimiladores que rejeitavam sua própria religião e tradições; rotulados tanto como estrangeiros desleais ao país que os acolhia quanto como pessoas que se aculturavam demais, perdendo o senso de identidade nacional e sua origem. Todo tipo de mentiras, injúrias e difamações que a humanidade conseguiu conceber foram direcionadas contra o Povo de Israel. Entre as acusações mais nefastas contra os judeus na Europa estavam os libelos de sangue, que alegavam que eles sacrificavam crianças cristãs para utilizar seu sangue na preparação da Matzá para Pessach.
Essa campanha sustentada de demonização antissemita, que propagou mentiras atrozes por mais de dois mil anos, pavimentou o caminho para os horrores perpetrados pela Alemanha Nazista. Foram essas falsidades, acumuladas ao longo de quase dois milênios, que permitiram que os líderes do Partido Nazista mobilizassem sua população e inúmeros colaboradores para o genocídio dos judeus europeus, conhecido como Holocausto. Esse período sombrio da história, que resultou no extermínio de aproximadamente dois terços da população judaica da Europa – seis milhões de judeus – pelas mãos da Alemanha Nazista e seus aliados, não surgiu do nada. Foi o culminar de preconceitos antissemitas de longa data – uma combinação tóxica de falsidades teológicas, políticas, sociais e econômicas empregadas contra os judeus por quase dois mil anos. Os prelúdios do Holocausto já estavam estabelecidos muito antes da ascensão dos nazistas ao poder. O genocídio dos judeus europeus não foi um episódio isolado, mas sim, o ápice de um ódio antigo e profundamente arraigado. Considerar o Holocausto como uma anomalia – como uma aberração que nunca mais poderia ocorrer – é ignorar os padrões históricos de antissemitismo que prepararam o terreno para tal catástrofe. O Holocausto foi, de fato, uma tragédia anunciada, e vários líderes judeus, incluindo Ze’ev Jabotinsky, fundador do Sionismo Revisionista, já alertavam para essa possibilidade desde o início da década de 1930.
Vários estudiosos judeus, incluindo Elie Wiesel, interpretam a luta de Jacob com o anjo como uma alegoria profética do Holocausto. A narrativa descreve Jacob “sozinho à noite”, uma metáfora para o isolamento do Povo Judeu durante o Holocausto – um período em que se encontraram sozinhos, abandonados pela comunidade internacional. A escolha de Elie Wiesel do título “Noite” para seu livro mais marcante, que narra suas experiências em um campo de extermínio nazista, ressoa profundamente com a imagem da luta solitária de Jacob, na qual ele enfrenta um anjo durante toda a noite, lutando pela própria sobrevivência.
O desfecho da luta de Jacob com o anjo, que abençoa nosso Patriarca com o novo nome, Israel, prenuncia a criação do Estado de Israel. A narrativa de como nosso Patriarca lutou e venceu o anjo, culminando na transformação de Jacob em Israel, permite compreender como um povo que demonstrou vulnerabilidade ao longo de dois milênios se transformou em uma potência militar em apenas algumas décadas. Pouco tempo após o Holocausto, o Estado Judeu estabeleceu-se como uma das maiores potências militares do mundo. A explicação para tal feito reside no fato de que somos não apenas Jacob – o homem que utiliza o calcanhar para evitar o confronto –, mas também Israel, o guerreiro que enfrenta e supera aqueles que ameaçam sua existência.
De fato, o próprio nome dado ao recém-fundado Estado Judeu, Israel, antecipa a ascensão do país como uma potência militar formidável, honrando a implicação do nome que remete à luta e resistência. Esse arco narrativo, que vai da profunda vulnerabilidade ao empoderamento, encapsula a experiência judaica desde o Holocausto até a fundação do Estado de Israel, refletindo uma jornada de sobrevivência, renascimento e reafirmação da identidade do Povo Judeu.
É importante notar que, na narrativa da Torá, a transformação e o recebimento do nome Israel ocorreram exatamente quando o Patriarca estava a ponto de retornar à sua terra natal. Seu novo nome sinaliza uma mudança profunda em seu ser, preparando-o para enfrentar seu irmão Esaú e reivindicar sua herança ancestral. De forma análoga, durante o século 20 – nas décadas que antecederam e sucederam a fundação do Estado de Israel – o Povo Judeu vivenciou uma transformação significativa, passando de uma nação majoritariamente concentrada em questões religiosas e acadêmicas para assumir o papel de guerreiros. Essa metamorfose foi fundamental para reconquistarem sua terra ancestral e estabelecerem uma defesa sólida.
O nome “Estado de Israel” reflete sua identidade e essência, originando-se no nome do Patriarca do Povo Judeu e ressaltando especialmente seu papel de defensor e guerreiro. Portanto, as tentativas de dissociar o Estado de Israel de sua identidade judaica são fúteis e sem sentido. Não é possível ser contra o Estado Judeu sem ser contra o Povo Judeu. O nome do Estado Judeu, Israel, evidencia claramente a conexão intrínseca do Povo Judeu com sua terra ancestral, reforçando a identidade do Estado de Israel como inegavelmente judaica.
. O Estado de Israel e o Holocausto:
Muitas pessoas acreditam erroneamente que o Estado de Israel foi criado em resposta ao Holocausto. Embora seja indiscutível que o Holocausto tenha influenciado o apoio de alguns países à criação de um Estado Judeu, os fundamentos do Estado de Israel já haviam sido estabelecidos décadas antes do genocídio de seis milhões de judeus europeus.
O Sionismo moderno, um movimento político dedicado ao estabelecimento de um Estado nacional judeu na terra ancestral do Povo de Israel, começou a ganhar forma no final do século 19 entre as comunidades judaicas na Europa. Theodor Herzl deu um impulso significativo a esse movimento no cenário internacional, em 1896, com a publicação de “O Estado Judeu”. Neste trabalho, Herzl argumentou que a fundação de um Estado Judeu soberano era o remédio mais eficaz contra o antissemitismo sistêmico que prevalecia na Europa.
É, portanto, historicamente inegável que o Sionismo moderno precedeu os eventos cataclísmicos do Holocausto. No entanto, é indiscutível que o genocídio dos judeus da Europa teve uma influência crítica no ethos e nas políticas de defesa do Estado de Israel. O Holocausto serve como um lembrete permanente de que, sem defesa e soberania, os judeus são vulneráveis a perseguições, violência e genocídio. O Holocausto, que constitui o capítulo mais sombrio da nossa história, ensinou que não basta ao Povo Judeu somente encarnar os atributos religiosos, eruditos e pacíficos associados a Jacob, mas também a bravura e a força de Israel. Em um mundo marcado, há milênios, pela hostilidade contra os judeus, o Holocausto demonstrou peremptoriamente que a sobrevivência do Povo Judeu requer um equilíbrio entre essas duas identidades. Assim, o estabelecimento do Estado de Israel representa não apenas a soberania nacional e a independência para o Povo Judeu, mas também um compromisso profundo com a garantia de sua segurança e continuidade.
Um fator crucial que contribuiu para a escalada trágica do Holocausto foi a falta de um refúgio que abrigasse os judeus. Países que poderiam ter salvado muitos judeus europeus, incluindo os Estados Unidos, o Canadá, a Argentina e o Brasil, impuseram severas restrições ou negaram completamente a entrada de refugiados judeus, deixando-os à mercê do extermínio nazista. Em resposta a isso, o Estado de Israel estabeleceu a Lei do Retorno. Constituindo um dos pilares fundamentais do Estado Judeu, a Lei do Retorno assegura a qualquer pessoa de ascendência judaica o direito de imigrar para Israel. Esta lei evidencia o compromisso de Israel em atuar como um refúgio para judeus que enfrentem a perseguição ou ameaças em qualquer parte do mundo. A Lei do Retorno reflete uma lição profunda aprendida com o Holocausto: o Povo Judeu não pode depender de nenhuma outra nação, nem mesmo seus poderosos aliados e países amigos como os Estados Unidos, para oferecer um refúgio seguro em momentos de perigo.
O Holocausto influenciou profundamente o ethos de segurança nacional do Estado de Israel, ressaltando a necessidade de o Povo Judeu não apenas ter um Estado soberano, mas também garantir que este seja forte e capaz de defender os judeus, tanto dentro quanto fora de suas fronteiras. A inação da comunidade internacional durante o Holocausto, incluindo a recusa dos Aliados em bombardear as ferrovias que levavam milhões de judeus aos campos de extermínio, evidenciou de forma inequívoca que o Povo Judeu não pode depender de nenhuma outra nação para sua defesa. Assim, uma missão central do Estado de Israel é evitar que a história se repita, protegendo os judeus contra ameaças existenciais.
O Estado de Israel é uma fortaleza para o Povo Judeu, servindo como seu principal escudo contra o antissemitismo, especialmente em suas formas violentas. Consequentemente, o antissionismo – a oposição à existência do Estado de Israel – é, por natureza, antissemita. Algumas pessoas afirmam não nutrir sentimentos hostis em relação ao Povo Judeu, direcionando sua oposição somente ao Estado de Israel e defendendo a ideia de seu desmantelamento como um Estado Judeu. Essa tentativa de dissociar o Estado de Israel dos judeus constitui um método cínico de atacar o Povo Judeu sem ser categorizado como antissemita. Assim como Jacob e Israel são dois nomes da mesma pessoa – nosso Patriarca – tornando inviável atacar um sem atacar o outro, a distinção entre antissemitismo e antissionismo – entre judeus e Israel – é meramente semântica.
. Antissionismo e Antissemitismo:
Se o objetivo do Movimento Sionista moderno era oferecer aos judeus um país que servisse de refúgio e lhes garantisse soberania nacional, então podemos afirmar que tiveram sucesso. Contudo, se a meta do movimento era eliminar o antissemitismo mundialmente – acreditando que, uma vez que os judeus possuíssem um país próprio, seus inimigos deixariam de odiá-los – enganaram-se profundamente. Assim como sabemos que Jacob e Israel são dois nomes da mesma pessoa, nossos inimigos também o sabem. Uma mudança de nome não irá enganá-los. Os antissemitas desprezam Jacob porque conseguem pisoteá-lo e detestam Israel porque ele os impede de fazê-lo. Israel é o protetor de Jacob – e é por isso que muitos antissemitas nutrem um ódio fervoroso pelo Estado de Israel, desejando sua destruição ou, no mínimo, que deixe de ser um Estado Judeu. Um Israel militarmente robusto constitui a barreira que impede os antissemitas de aniquilar todos os judeus.
O verdadeiro objetivo dos antissionistas é tão pernicioso quanto o dos nazistas: a extinção do Povo Judeu. Os inimigos do Estado de Israel almejam sua destruição – o desmantelamento da fortaleza que assegura a proteção do Povo Judeu –, porque a ausência de um Estado Judeu é um caminho que inevitavelmente leva a Auschwitz. Como afirmou Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, “Sem Israel, nenhum judeu no mundo estaria seguro”.
Sem o Estado de Israel, o Povo Judeu reverteria a um estado de vulnerabilidade, simbolizado pela figura de Jacob – constantemente sob ameaças de figuras como Esaú e Lavan, que representam opressão, violência e ameaça existencial. Assim, a existência de Israel como um Estado Judeu transcende a questão de identidade e soberania nacionais, constituindo uma salvaguarda crucial para a segurança do Povo Judeu. É o Estado de Israel que evita que os judeus tenham de regressar à condição de serem meramente Jacob, vulneráveis aos desígnios de um mundo que repetidas vezes demonstrou hostilidade contra eles e que, conforme eventos recentes demonstram, aprendeu pouco ou nada com o Holocausto.
O Povo Judeu possui apenas um Estado – chamado Israel – um país que carrega o nome do pai de nosso povo. Nenhuma quantidade de sofismas, argumentação enganosa ou semântica sofisticada alterará o fato de que os inimigos do Estado de Israel são inimigos do Povo Judeu. Quem odeia Israel odeia os judeus, e vice-versa. Às vezes, a dupla identidade – Jacob e Israel – confunde alguns judeus e até possibilita que nossos inimigos utilizem sofismas para camuflar seu antissemitismo.
Desde a fundação do Estado de Israel, muitos inimigos do nosso povo têm tentado mascarar seu antissemitismo utilizando o termo “sionistas” em vez de “judeus”. Após os trágicos eventos de 7 de outubro de 2023 – Shabat Shemini Atseret/Simchat Torá –, a escalada do antissemitismo pelo mundo eliminou quaisquer dúvidas sobre a não distinção entre o Povo Judeu e o Estado de Israel. Nem deveríamos nós, os judeus, sermos enganados por antissemitas que alegam haver uma distinção entre o Povo Judeu e o Estado de Israel. Independentemente de vivermos em Israel ou na Diáspora, nós, os Filhos de Israel, constituímos um único povo: uma nação eterna, escolhida pelo eterno D’us de Israel para receber Sua eterna Torá e habitar na Terra de Israel – o lar eterno de todo judeu, em todas as gerações.
. Fonte:
Revista Morasha - Ed. 122 - Abril 2024
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