Descanso merecido: Como as mais antigas religiões reservam um dia especial da semana para prestar reverência a Deus e renovar as forças
O tempo voa. Sim, é verdade. Mas, se não tivermos a cada semana uma pausa, fica a sensação de que estamos numa roda-viva, sem parada. O lazer – com cinema, festa, agito – é uma possibilidade de sair da rotina. Nem sempre isso significa descansar e repor as energias para mais um período de trabalho. Porém, podemos aprender com as antigas religiões as formas de cultivar pausas sagradas.
Há os que se isolam de tudo e os que se reúnem ao redor da mesa farta ou do altar
Alguns acendem velas e incensos, bebem vinho, enquanto outros se abstêm do álcool e até de alimentos. Há os que se isolam de tudo e os que se reúnem ao redor da mesa farta ou do altar. Para muitos, deixar de trabalhar é fundamental, enquanto muitos se dedicam nesse dia ao voluntariado.
São vários os rituais, mas a idéia que permeia o dia dedicado à prática religiosa é mais ou menos a mesma: fechar um ciclo de trabalho com um dia ou momento especiais consagrados a Deus.
Despir-se do roteiro que repetimos a cada dia, mesmo nas folgas, e se voltar para si mesmo, para o próximo, com os olhos do coração, é uma atitude que repõe energias, reequilibra emoções e renova a fé – até mesmo quando não se é adepto de uma religião. “Reservar um dia à espiritualidade faz parte da própria concepção de qualquer cultura que tenha calendário. Quase todos os povos têm um momento de consagração a Deus, que sinaliza o fechamento de um ciclo e o início de outro”, diz o professor de teologia Fernando Altemeyer Júnior, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Hoje, somos escravos do relógio e não é difícil começar e terminar a semana sem ter tido nenhum instante para estar em contato com as emoções mais íntimas ou para rezar. Entretanto, é nesses momentos que a alma se nutre e assim, suavemente, descansamos e fazemos as pazes com o tempo. “O homem não é feito apenas para produzir, fabricar, trabalhar, mas para ser e descansar. Sua realização está também no repouso. No silêncio do coração, o homem relativiza suas competências e descobre que é capaz de inteligência, beleza e amor”, diz Jean-Yves Leloup, padre e filósofo francês, no livro A Arte da Atenção (ed. Versus).
Veja a seguir como cada uma das religiões cultiva esses rituais de descanso sagrado:
É o dia da semana em que Adão foi criado por Alá (Deus)
. Islamismo: Sexta-feira: Dia de descanso e oração:
Os muçulmanos consagram a Deus a sexta-feira. Nos países em que essa religião predomina (como a Arábia Saudita, berço do Islã), esse é o dia de descanso semanal. É o dia da semana em que Adão foi criado por Alá (Deus). Quem ensina é o sheik (sacerdote) Jihad Hassan Hammadeh, vice-presidente da Assembléia Mundial da Juventude Islâmica, sediada em São Paulo.
O islamismo surgiu com a revelação do livro sagrado, o Alcorão, ao profeta Muhammad (Maomé), por volta do ano 622. O Alcorão, que contém as leis relativas à vida religiosa e civil, ensina que há apenas um Deus, a quem o ser humano deve servir para ter direito ao céu e não ser castigado no inferno. Para tal, é preciso observar cinco fundamentos obrigatórios: testemunhar que apenas existe um Deus; rezar cinco vezes ao dia; dar 2,5% de seu lucro líqüido para as pessoas mais carentes; jejuar no mês de Ramadã (que é o nono, determinado a partir da contagem de nove fases completas da lua); fazer ao menos uma vez na vida a peregrinação a Meca, a cidade onde nasceu o profeta Maomé, na atual Arábia Saudita. Nos países em que o islamismo não é a religião dominante, os praticantes podem trabalhar na sexta-feira, mas devem parar todas as atividades durante 45 minutos, a partir do meio-dia e meia, quando tem início a reunião semanal na mesquita, na qual fazem orações em conjunto e ouvem o sermão do sheik. Quem estiver perto da mesquita tem a obrigação de participar. E quem estiver longe deve parar o que está fazendo e orar.
Além disso, segundas e quintas-feiras – dias em que o profeta Maomé deixava de comer – são reservadas para o jejum como forma de purificação do corpo, da mente e do espírito. Nessas ocasiões, do nascer ao pôr-do-sol, os adeptos do islamismo não podem ingerir nenhum alimento sólido ou líquido nem ter relações sexuais. “É uma maneira de deixar o mundo material de lado e se aproximar de Deus, renovando a fé e a fidelidade a Ele”, diz o sheik, “pois, de uma forma estritamente individual, apenas a própria pessoa e Deus sabem se o jejum foi cumprido.”
Para os judeus, o descanso tem um sentido profundo e está longe de ser sinônimo do conceito contemporâneo de lazer
. Judaísmo: Sábado: O ritual do cinco sentidos:
As origens do judaísmo remontam ao ano 2100 a.C., quando Abraão recebeu de Deus a missão de guiar seu povo. Mas a organização da religião só ocorreu muitos anos depois, no momento em que Deus transmitiu ao profeta Moisés os Dez Mandamentos, conjunto de leis que abrange aspectos sociais, os direitos sobre propriedades e etc. Os judeus seguem as leis do Antigo Testamento. Entre esses preceitos, está o respeito ao descanso no Shabat. “Deus abençoou o sétimo dia e o santificou porque, neste dia, Deus descansou de toda a obra da criação”, diz o texto.
Para os judeus, o descanso tem um sentido profundo e está longe de ser sinônimo do conceito contemporâneo de lazer. É dia de relaxar, ler, fazer caminhadas, dar um passeio tranqüilo com uma pessoa especial, rezar e se reunir com a família para uma refeição calma. Nada de agito e badalação – e, principalmente, trabalho. Os judeus não devem trabalhar e, de jeito nenhum, ter empregados servindo a eles. “Nesse dia, o judeu abandona todas as atividades dos dias da semana em que ganha seu sustento. E, como o calendário hebreu é lunar, o dia começa ao nascer da lua, ou seja, o Shabat vai do entardecer de sexta-feira ao entardecer do sábado”, explica Michel Schlesinger, assistente do rabinato da Congregação Israelita Paulista. Ao ser instituído como lei, há 3 mil anos, o Shabat teve importante função social, numa época em que o trabalho escravo não permitia a folga semanal, explica Michel.
O dia termina com a cerimônia chamada Havdalá (Separação, em hebraico). O significado dessa palavra é separação: simboliza a separação desse dia especial dos outros da semana. É um ritual em que a intenção é estimular os cinco sentidos: os participantes observam o fogo de uma vela, sentem seu calor, aspiram o odor de especiarias, provam vinho e ouvem, no final, o som da chama sendo apagada no vinho. Tudo isso porque, durante o Shabat, os judeus recebem uma nova alma, que se vai quando ele termina, deixando a pessoa com a necessidade dessa energização para encarar a semana que se inicia. Assim, eles marcam o fechamento de um ciclo e o começo de outro.
Jesus foi sepultado na sexta-feira e na manhã do terceiro dia, o domingo, ressuscitou para a vida eterna
. Cristianismo: Domingo: O dia do senhor:
Os católicos em todo o mundo guardam o domingo como o dia para a dedicação espiritual. Seguem os ensinamentos da Bíblia, inclusive do Novo Testamento (o relato dos apóstolos sobre a passagem de Jesus Cristo na Terra). A pausa dominical é uma ocasião tão importante que mereceu uma carta apostólica, chamada Dies Domine, escrita pelo Papa João Paulo II em maio de 1998. Foi dirigida aos bispos, ao clero e a todos os católicos, e o assunto era a importância de resgatar o significado original do domingo, que significa,em latim, dia do Senhor. Foi escolhido por ser o dia em que Jesus ressuscitou. “Esse é o fato histórico mais importante para nós, católicos, pois foi o momento em que Deus salvou a humanidade”, explica o padre Eduardo Coelho, coordenador doVicariato de Comunicação da Arquidiocesede São Paulo.
Em sua carta, o papa reafirma que esse deve ser um dia de muita alegria, pela ressurreição de Cristo, e uma ocasião para a confraternização com a família e com os praticantes que sereúnem na celebração da Santa Missa, que relembra episódios da saga de Cristo, reconta a história de seus sacrifícios e de sua ressurreição. Jesus foi sepultado na sexta-feira e na manhã do terceiro dia, o domingo, ressuscitou para a vida eterna.
Segundo a carta papal, os fiéis devem evitar trabalhar nesse dia, embora isso não seja proibido, como ocorre em outras religiões cristãs (algumas pentecostais, por exemplo). Para o papa, os católicos perderam um pouco do sentido original do domingo, dispersos entre os apelos da diversão ou imersos na profissão. Por isso, ele pede que recuperem a consagração a Deus, aproveitando os domingos inclusive para praticar a caridade, ou seja, o trabalho voluntário. Como descreve a Bíblia, o descanso de Deus após a criação é um momento de contemplação de sua obra, da qual o ser humano faz parte e à qual deve ser eternamente grato.
. Fontes:
Por Reportagem Maria Emília Kubrusly | Reportagem Fotográfica Ana Paula Wenzel | Fotos Valentino Fialdini access_time 20 dez 2016, 19h06 - Publicado em 12 abr 2013, 14h08
Link: https://casa.abril.com.br/bem-estar/os-dias-de-descanso-de-cristaos-muculmanos-e-judeus/
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