O jornalista Leonardo Ferreira, natural do Rio de Janeiro (RJ), é formado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, pós-graduado em Gestão Comercial & Marketing Digital, pós-graduado em Transtorno do Espectro Autista: Inclusão Escolar & Social, além de membro do Templo Beth-El of Jersey City (www.betheljc.org). O templo foi fundado no estado de New Jersey (EUA), em 1864.
8 de outubro de 2008
O que é ser Judeu ?
Por Revista Caros Amigos 12/06/2002 às 18:09
Um judeu das arábias
Gershon Knispel
Sua família fugiu da Alemanha nazista para a Palestina em 1935, quando ele tinha 2 anos. Foi educado e cresceu entre os árabes palestinos, em Haifa, sem nunca se sentir um "estrangeiro". Viveu cinco guerras entre Israel e os vizinhos árabes, como testemunha e na qualidade de combatente.
Israelense, ama o seu país; humanista, acredita que a única saída possível é a paz baseada na compreensão e no diálogo entre palestinos e israelenses, e nesse sentido deplora as ações de Ariel Sharon, inspiradas na punição coletiva de todo um povo; comunista (amigo de Fidel Castro, de Oscar Niemeyer e de outras figuras históricas, algumas já mortas, como Che Guevara), sabe que as relações de poder têm de ser estabelecidas de forma realista, e por isso aprova, hoje, a fórmula "dois Estados para dois povos"; professor em universidades israelenses, sente ter uma responsabilidade para com os mais jovens, e por isso luta contra a barbárie representada por Sharon; artista plástico, coloca o seu talento e sensibilidade a serviço da paz.
Fernando do Valle - O que é, do seu ponto de vista, ser judeu?
Gershon Knispel - Determinar o que é ser judeu é muito difícil. Ser judeu é professar uma religião? Ou ser judeu é pertencer a uma nação? Se é religião, eu não sou judeu. Porque eu, realmente, não sou religioso. Se significa pertencer a uma nação, eu sou israelense, judeu israelense. Passei cinco guerras em Israel.
Maria Luísa Mendonça - Mas não existe uma cultura judaica que não significa, exatamente, nação e que também não significa, exatamente, religião?
Evidente. No início, chegaram à Palestina os judeus russos e poloneses. A gente sempre faz uma brincadeira, por analogia, para contar essa história. A gente sempre diz que o maior erro do mundo foi que o comunismo começou na Rússia. Isso é uma hipótese, mas é uma brincadeira, como quando a gente fala
que entende alguém ser comunista quando jovem, mas, quando ele fica velho e continua a ser comunista, daí deve ser louco. Então, continuando a brincadeira, acho que o maior erro foi que os judeus russos e poloneses foram os primeiros a chegar à Palestina e chegaram com suas limitações, uma visão de gueto ou de alguém que sempre viveu em uma aldeia pequena, com esse negócio de que "nós somos judeus, marcados, todo mundo quer acabar conosco, somos sempre vítimas de ameaças"... Está certo, eles realmente passaram por situações às vezes terríveis. Mas levaram tudo isso para a Palestina e se
isolaram de novo. Vêem com hostilidade qualquer tentativa de você manter relações com os árabes de Israel. Tenho muitos amigos árabes, esses judeus vindos da Europa Oriental não sabem o que significa ser palestino, o que é ser árabe. Daí alimentam um ódio coletivo. Não posso participar de um ódio coletivo. Como vou alimentar um ódio coletivo quando tenho amigos israelenses árabes de coração? Passei junto com eles quarenta, cinqüenta anos, desde a juventude.
Fernando do Valle - Mas quando eles se instalaram na Palestina será que já não existia esse ódio em relação aos árabes?
Não havia ódio algum. Com os palestinos foi o seguinte: no tempo colonial havia os efêndis (proprietários de feudos). Que eram os fazendeiros. Eles não moravam na Palestina. Queriam boa vida, moravam em Paris, Londres e Roma. No fim do século 19 e início do século 20, os Rothschild e o barão Hirsh, que tinham um poder econômico enorme, passaram a adquirir terras dos efêndis e para lá levaram os judeus, expulsando os falahim (camponeses árabes) das terras adquiridas e estes passaram a ser "sem-terras" - aí começou o conflito.
Carlos Tranjan - Como foi sua infância?
Eu nasci na Alemanha, no tempo em que Hitler subiu.
Enio Squeff - Democraticamente...
O que não significa que os alemães deveriam automaticamente apoiá-lo, e, no entanto, tenho sido atacado por me opor a um governo democraticamente eleito, em Israel. Eu nem queria tocar nesse assunto, mas, para falar a verdade, é assim mesmo. Meu pai tinha uma marcenaria com os irmãos, eram dez irmãos. Em 1932, quando começou o 3¼ Reich na Alemanha, havia judeus que achavam que aquele regime ia durar pouco, que não seria algo significativo e que, apesar do seu programa político, Hitler não chegaria onde chegou, que era preciso ter um pouco de paciência. Meu pai e mais um de seus irmãos decidiram ir para a Palestina, em 1935, três outros irmãos conseguiram entrada nos Estados Unidos. Os demais ficaram por lá porque não tiveram como sair. Foram exterminados.
Sérgio de Souza - A sua família foi para a Palestina na mesma ocasião?
Sim. Eu tinha 2 anos. Chegamos de navio - quando você vê de longe esse panorama de Haifa, as praias, é como uma pequena baía de Guanabara, uma maravilha. E ainda havia essas casas brancas, tal como as tinha encontrado Theodor Herzl, o criador do sionismo, que chegou da Áustria em 1896 e ficou muito impressionado com os palestinos e com a paisagem ainda virgem, preservada como no tempo da Bíblia. Os árabes sabem muito bem fazer essas casas maravilhosas, com pátios internos, integradas harmonicamente nas montanhas. Theodor Herzl sonhou o seguinte: viremos para cá, encontrar a velha nova pátria, mas não podemos ignorar o fato de que aqui permaneceram, já há mais de 2.000 anos, nossos primos que conseguiram sobreviver às situações e, por isso, a gente precisa aprender o jeito deles de viver, o jeito deles de construir casas. Eles usam o vento, as janelas, de maneira formidável. Nem precisam de ventiladores. Meus pais chegaram e ficaram, foi amor à primeira vista. E, como eles estavam quase sem dinheiro, foram viver na parte mais pobre de Haifa. E lá tinha muitos árabes. Meus vizinhos eram árabes.
Verena Glass - Seu pai comprou uma casa?
Não, alugou uma casa em Haifa.
Verena Glass - Havia apoio financeiro de algum governo ou instituição?
Nessa época não havia nenhum apoio. Mas ele conseguiu alugar a casa e arrumou emprego em um dos hospitais do Histadruth, a central sindical, uma coisa muito boa, muito socialista. E começou a fabricar carrinhos de bebê. Fui educado junto com as crianças árabes. Para mim, não tinha a menor diferença entre árabes e judeus. Foram aqueles imigrantes judeus russos e poloneses que chegaram com uma mentalidade separatista. O Ben Gurion, nessa época, tinha atitudes muito agressivas, usando fundos para comprar terras
sob o slogan "trabalho hebreu" e criar as fazendas coletivas, os kibutzim. Com isso os trabalhadores árabes da construção civil ficaram desempregados. Esse fato levou a aprofundamento dos conflitos e os colonialistas ingleses usaram a política de dividir para dominar a favor dos interesses do seu império.
Carlos Tranjan - O senhor se lembra do início do conflito?
Lembro bem. Em 1929 já havia violência de ambos os lados. Nós dizemos que os árabes começaram, eles dizem que nós começamos, e os ingleses, que eram os colonialistas, organizaram isso de uma maneira muito favorável aos interesses do seu império.
Maria Luísa Mendonça - Em termos de números, quantos judeus já estavam lá naquele período e qual era a população de palestinos?
Nos anos 1920/30, tinha mais ou menos 180.000, 220.000. À época da criação de Israel, em 1948, já eram 600.000 judeus e 1.300.000 palestinos. 1994. Iasser Arafat abraça Gershon, em Gaza, e diz "Welcome home"
Rafic Farah - Como eram as escolas? Separadas?
Eram separadas. Completamente. Nas escolas judaicas se falava exclusivamente hebraico, por uma questão de orgulho nacional. Não era tolerado o iídiche, tinha uma campanha maciça contra o iídiche.
Verena Glass - Porque era parecido com o alemão?
Não, porque eles queriam uma língua própria. Lembro que os russos, que chegaram lá antes de nós, em 1922/23, já falavam hebraico perfeitamente, e os poloneses também.
Maria Luísa Mendonça - Eles já vinham preparados ideologicamente?
Ideologicamente, todo mundo achava que estávamos construindo um Estado judeu socialista. O mundo tinha a impressão de que o sistema de kibutz, a força dos sindicatos, que eram donos das grandes empresas de construção e metalurgia construindo casas padronizadas, tudo dava a impressão de que a maioria era socialista e que a minoria tinha fábricas pequenas, indústrias modestas e outras propriedades.
Rafic Farah - O senhor fala árabe?
Falo, mas esqueci muito. É que estudamos árabe literário e com ele você quase não pode fazer nada. Meus amigos árabes já falavam um hebraico tão bom que não me deixavam falar árabe. Gostaria de aprender de uma vez essa língua, de maneira que pudesse me expressar, entender as coisas melhor, mas nunca tive a oportunidade. Então, aquele foi o início. Dos judeus alemães que chegaram em 1935, muitos eram intelectuais. Muitos eram progressistas, e assimilados no sentido da ideologia, que deixaram a Alemanha e foram para os Estados Unidos e a Palestina. Alguns que já eram muito famosos queriam viver em Israel, como Gershom Scholem, cabalista, Martin Buber, grande pensador, Yeoshua Leibovich, pessoas de alto nível com raízes intelectuais muito fortes na Alemanha. Eles queriam se juntar com os palestinos e fazer um
pacto de paz, para, todos juntos, lutarem contra o colonialismo inglês, no espírito daquilo que Herzl propunha. Herzl dizia: "Vamos ser irmãos. Vamos assimilar a cultura deles, no sentido de preservar a relação com o meio ambiente. Em troca, vamos dar a eles o conhecimento industrial". Essa seria a fórmula para a cooperação e crescer.
Enio Squeff - Quando o Ben Gurion chegou?
Acho que no final de 1908. Quase no fim da segunda imigração russa.
Enio Squeff - Ele chegou a pensar nessa possibilidade de cooperação mútua?
Não, ele era contra. Quando os judeus alemães chegaram, com posições políticas mais favoráveis ao diálogo com os palestinos, encontraram já posições políticas contrárias. Por isso o dialogo não floresceu. Foi sufocado.
Maria Luísa Mendonça - Qual era a base econômica dos palestinos na época?
Agricultura e comércio pequeno. Não tinham indústria. A guerra de 1948 foi um erro. No Partido Trabalhista havia divergências sobre a relação com os palestinos. Moshe Scharet, ministro das Relações Exteriores de Israel, era favorável à aproximação com o povo palestino e os países árabes vizinhos, ainda que isso implicasse um certo afastamento do Ocidente. Em 1948, o quadro era assim: a Jordânia e o Egito eram um protetorado britânico; e Farouk promovia uma administração corrupta, e a Síria era dominada pelos franceses. O Exército egípcio, por causa da corrupção, era terrível, muito mal equipado. O melhor exército era o da Jordânia, muito bem treinado, e deu muito trabalho na guerra de 1948. A guerra não teria existido se houvesse prevalecido a linha dos judeus alemães. Mas prevaleceu a dos poloneses e russos, uma linha nacionalista, uma "linha dura", que provocou essa guerra, vencida pelos israelenses. Nós chamávamos os grupos dos palestinos de terroristas e eles chamavam nossos grupos de terroristas. Na verdade, todos
lutávamos pela independência. Quando se declarou o cessar-fogo, foram estabelecidas, de maneira espontânea, as fronteiras que iriam perdurar até 1967. Israel havia ampliado muito o seu território, em comparação com as fronteiras decididas pela ONU. E, lentamente, nos países árabes evoluiu a luta anticolonial. No Egito, por exemplo, em 1952 Nagib e Nasser promoveram o golpe contra Farouk, representante dos interesses ingleses, e imediatamente começaram a procurar entendimento com Israel. O ministro Scaret queria começar as conversações. Ben Gurion foi totalmente contra. A União Soviética, por razões táticas, foi a primeira a reconhecer Israel. Isso Israel não quer mais lembrar. O representante da URSS na ONU, Andrei Gromiko, foi o primeiro que conseguiu ganhar a maioria da ONU para essa
perspectiva. Os americanos estavam em dúvida. É evidente que os judeus dos Estados Unidos fizeram uma pressão enorme pelo reconhecimento de Israel. Mas Stálin foi o único que mandou armas para Israel, via Tchecoslováquia. Os Estados Unidos promoveram um embargo, junto com a Europa. As pessoas não
sabem disso. Stálin, com todas as críticas que podem fazer, salvou duas vezes os judeus. Na primeira, salvou quase 5 milhões de judeus - se Hitler tivesse conquistado Stalingrado, iria acabar com os judeus da Rússia e da Polônia; Stálin criou um território para os judeus, Birobdjian, uma região na Sibéria que funcionou como uma espécie de Estado judeu dentro da União Soviética. Ninguém lembra disso. E Stálin apoiou a criação de Israel. Dois partidos de Israel adotavam a fórmula "um Estado, duas nações", que seria o ideal. Eram o Mapam, partido socialista sionista, que organizava os kibutzim, e o Partido Comunista, que era contra a divisão e propunha a união dos povos irmãos. Mas, no momento em que Gromiko defendeu a posição da União Soviética de criar dois Estados, é evidente que o Mapam e o PC mudaram. Mas não é só isso. A gente esquece quantos comunistas árabes foram enforcados em Bagdá por estar a favor do Estado de Israel.
Rafic Farah - Como a vida do senhor mudou depois de 1948? Como era antes e como ficou? Essa tolerância toda que tinha com os árabes...
Vou contar uma história que mudou minha visão política completamente. Eu freqüentei, desde 1943, com 11 anos de idade, um kibutz do Shomer Hatsair, movimento político da esquerda sionista que se chama Sarid no norte de Israel. Lá, o sistema de educação era muito aberto e sempre analisavam todos os problemas segundo várias visões e perspectivas. Foi uma coisa ótima para mim. Quando se falava da Grécia, então falava da ágora, de Homero e temas de história e literatura de uma maneira única. Tinha também uma matéria que se chamava "nossos vizinhos árabes". Como parte desses estudos, nós - crianças de 11, 12 anos - éramos levados para as aldeias que ficavam a 2 ou 3 quilômetros do kibutz. As famílias viviam nessas aldeias em casas feitas de barro - o forro do telhado era feito de esterco de cabra. Lembro que o cheiro era forte, era muito bom, e que fizeram café para nós. Eram umas vinte pessoas dentro de uma choupana. E eu falei: "Por que a gente não os convida para visitarem o kibutz também?" No kibutz, a gente comia numa sala
enorme, todos juntos - hoje já não é assim - e eu falei: "Vamos convidá-los, já sabemos como eles vivem, e eles podem saber como nós vivemos". Me disseram: "Não queremos que eles fiquem constrangidos, vendo que a gente usa garfo e faca e eles usam o pita (pão sírio) para comer". Não entendi, e disse que eles tinham o jeito deles e nós o nosso. Mas foi rejeitada a idéia, mesmo reconhecendo que tínhamos uma relação boa, éramos bons vizinhos, fazíamos muita coisa juntos, ainda no espírito de um Estado e duas nações. Eu esqueci tudo isso. Anos depois, em 1953, um amigo me convidou para visitar Nazaré. Chegamos - ainda não existia essa igreja fantástica que os italianos construíram lá - e tinha um hotel para os peregrinos. Quando entrei nele, fiquei chocado: um cheiro horrível, todo mundo amontoado, os corredores cheios de varais de roupas, cheiro de urina, cada quarto com duas, três famílias e um colchão só, crianças em condições terríveis. Eu nem sabia daquilo. Ele me disse: "Você está vendo. Essas pessoas foram tiradas
de suas aldeias e amontoadas aqui e ficam esperando, até cinco anos". O hotel tinha virado um campo de refugiados. Alguns eram exatamente da aldeia árabe que eu tinha visitado. Perguntei: "O que vocês estão fazendo aqui?" "Estamos esperando. Em 1948 o pessoal do kibutz Sarid chegou em nossa aldeia
Mujadil e falou que os combatentes palestinos do líder Kauqdji estavam agindo na região e que a guerra chegaria até a nossa casa. Disseram que queriam salvar as nossas vidas e que nos deixariam vivendo em segurança aqui em Nazaré de três a quatro semanas até que a situação se acalmasse, e que depois nos devolveriam as terras. Já tinham se passado cinco anos ! Fiquei louco da vida. Sarid é o kibutz que eu freqüentei. A família que me adotou lá - sempre é assim quando uma criança chega de fora - é a família de Shlome Rosen, que foi nomeado pelo partido Mapam ministro da Imigração de Israel.
Então fui até ele: "Shlome, o que aconteceu? Estive em Nazaré e encontrei nossos vizinhos de Mujadi que me disseram estar esperando há cinco anos uma autorização de vocês para voltar para casa. É verdade?" Ele falou: "Você conhece Ben Gurion. A gente quer devolver a terra, mas ele não deixa". Eu disse que as terras dos palestinos já estavam dando frutos, que já havíamos ocupado a terra, já tinha sido anexada pelo kibutz. E perguntei: "Por que você participa de um governo que faz isso?" Ele respondeu que era uma
questão "tática", e que era mais fácil mudar de dentro do que de fora. É a velha conversa. Eles estão grudados nas cadeiras do governo com "durepóxi". Foi aí que decidi sair do partido Mapam e ingressar no Partido Comunista. Hoje são mais de mil oficiais israelenses que se recusam a obedecer ordens,
por não aceitar a humilhação imposta a outro povo
José Arbex Jr. - Me parece que você tem uma visão ainda romântica de Ben Gurion. A nova geração de historiadores israelense mostra que ele sabia das atividades terroristas para expulsar os palestinos de suas terras, que ele não só era conivente como estimulava o terror.
Não usei romantismo nenhum. Ao contrário. A visão dele era fechada, de gueto. Ele foi um ativista. Havia cinco movimentos clandestinos em Israel: o grupo de Iair Stern; um movimento muito louco que dizia que para derrubar os ingleses os judeus tinham de se juntar aos alemães; tinha o Irgun Tzvai Leumi - organização militar nacional, de Menachem Begin; e o movimento Lechi - combatentes da liberação de Israel - encabeçado por Itzchak Shamir, primeiro-ministro entre 1982 e 1992; e tinha a Haganah e a Palmah,
organizações paramilitares dos partidos sionistas da esquerda que eram a mesma coisa, só que a Palmah era formada por jovens socialistas organizados pelos kibtuzim e a Haganah era de jovens de núcleos urbanos. Os ingleses tinham muito mais contato com a Haganah, do mesmo jeito que, quando houve os Acordos de Oslo, as relações de Israel eram mais intensas com Arafat, cuja facção era mais moderada e aceitava a possibilidade de uma solução política. Daí que Ben Gurion e os seus seguidores não só sabiam de todos os ataques contra os palestinos, como armaram duas grandes tentativas de provocação, chamadas A Parasha - O Delicto. Ninguém podia falar disso, mas desde 1977 os documentos começaram a aparecer: em 1954, o governo israelense enviou agentes a Bagdá e ao Cairo para organizar atentados a bomba dentro de
cinemas, e na embaixada americana no Cairo. O objetivo era causar tensão entre os Estados Unidos e o Egito e gerar pânico entre os habitantes. Atenção: isso foi na época da deposição de Farouk e da revolução liderada por Nagib e Nasser, quando eles tentavam fazer contatos com Israel para encontrar uma saída negociada. O complô foi descoberto, dois agentes foram enforcados e três foram presos e libertados em 1979, depois de assinada a paz com o Egito. Eles queriam estimular um clima de anti-semitismo no Egito,
de forma a provocar a saída de judeus egípcios para Israel. Sempre a população da classe média prefere França, Itália, Estados Unidos, e poucos egípcios iam para Israel. A melhor imigração judaica do Oriente Médio para Israel, a mais politizada, era oriunda de Bagdá. Tinha muitos comunistas judeus de Bagdá. Então, em 1956, a aliança entre Israel e o mundo ocidental foi sedimentada, com a declaração da guerra de Suez. Eu participei dessa guerra, e digo que foi uma guerra desnecessária. Ninguém tinha ameaçado
Israel. Foi a primeira guerra sem necessidade promovida por Israel, o objetivo era desmoralizar o governo que queria nacionalizar o canal de Suez. Israel atacou do norte do Egito e a França e a Inglaterra atacaram do sul. Foram derrotados, porque os Estados Unidos, junto com a União Soviética, dois poderes mundiais, ambos interessados em ganhar a simpatia de Nasser, fizeram pressão. Mas o que aconteceu nesse período, em 1956? Na véspera do ataque, chegou a ordem de que as aldeias árabes perto da fronteira da
Cisjordania seriam cercadas e submetidas ao estado de sítio. O cerco começaria às 5 horas, e não deixaria a população sair. Quando os soldados chegaram até Kafr Qasem (isso tudo aconteceu bem depois do massacre da aldeia de Deir Yasin, em abril de 1948), os camponeses já haviam saído, às 4 horas da madrugada, para trabalhar fora, nas plantações. E, quando eles voltavam, os soldados atiraram neles, simplesmente, sem avisar, sem nada. Atiraram em 49 cidadãos, mulheres, crianças e velhos. Assim! Quando saiu a notícia, ninguém acreditava. Eu não acreditei. Fiquei chocado. Assumi a tarefa de ir até Jerusalém para falar com todos os conhecidos e pedir adesão a um abaixo-assinado exigindo uma investigação. Martin Buber estava resfriado. Encontrei-o de cama, com aquela barba branca, como um profeta, lindo. Apresentei o abaixo-assinado e ele me pediu que lesse para ele, não estava enxergando. Quando acabei de ler, ele começou a chorar. Então me abraçou e disse: "Minha esperança é que existem jovens como você". Naquele
dia consegui 23 assinaturas dos mais importantes professores de Jerusalém, outros amigos conseguiram não sei quantas, e no fim conseguimos que fosse instaurado um processo judicial. Mas o julgamento pelos 49 assassinatos foi uma coisa terrível. Os maiores culpados pelo massacre, os comandantes Melinki e Schadmi, foram julgados e punidos com alguns meses de cadeia, e um outro comandante recebeu uma multa de 20 centavos...
José Arbex Jr. - Vinte centavos de multa?
Tudo isso foi um choque. As pessoas não estavam preparadas para uma coisa dessas, não agüentaram. E Ben Gurion não aceitava as negociações com os egípcios.
Verena Glass - Quando você fala do abaixo-assinado, fala em "nós". Você se filiou a algum grupo, de algum partido?
"Nós" éramos vários grupos, em parte formados por sionistas da esquerda liberais e comunistas. Entrei no Partido Comunista depois que percebi que o Mapam ignorava todos aqueles que não fossem sionistas. Na ocasião da visita a Jerusalém em abril último, junto com a delegação de deputados e jornalistas brasileiros, perguntei a Dan Bitan, um dos líderes do Paz Agora, por que não existe uma aliança, um pacto orgânico entre os quinze grupos que querem uma paz justa. Ele respondeu que há "certas divergências". Era disso
que ele estava falando. Achava melhor fazer atividades similares e, quando houvesse condições, organizar ações conjuntas. Quando fiz meu primeiro relatório sobre a atual situação em Israel, eu estava muito pessimista. Achei que depois da primeira manifestação de 500.000 pessoas contra o massacre de Sabra e Chatilla, em Tel Aviv, em 1982 - 500.000 pessoas é algo que nem podemos imaginar num país pequeno, significa quase 20 por cento da população.
Enio Squeff - Desculpe interromper. A questão de Sabra e Chatilla: comprovadamente, qual foi a atuação de Sharon?
Primeiro, ele tinha um plano na gaveta. Ele sempre tem planos na gaveta. Queria estabelecer uma "nova ordem" no Oriente Médio, mudar a estrutura geopolítica regional. Como fazer isso? Ele tinha de provocar uma situação propícia. E fez isso. Provocou os movimentos palestinos que estavam no sul do Líbano, mas não conseguiu, então como pretexto usou o atentado ao embaixador de Israel em Londres, e começou sua aventura no sul do Líbano. Anunciou no Parlamento que seriam necessários apenas dois dias para "limpar
o terreno", só que ele sabia que iria durar muito mais. Ninguém conhecia esse plano. Ele foi pressionado no Parlamento. Perguntavam: "Quanto tempo vai demorar isso? Você falou em três dias e parece que vai durar uma semana". Foi então que todos perceberam que ele estava subindo para Beirute. Havia dois generais - um era o general Gheva, da artilharia, e o outro o general Mitzna, comandante da região norte, atualmente prefeito da cidade de Haifa - que se recusaram a continuar até Beirute. Não é fácil um general se recusar
a continuar a batalha. Foi um fenômeno parecido com isso que está acontecendo agora, e que é muito perigoso. Hoje já são mais de mil oficiais que se recusam a obedecer ordens, porque não aceitam a humilhação imposta a um outro povo. Isso é um racha no exército. É muito perigoso, e Sharon é o culpado desse racha.
Enio Squeff - Mas conte sobre Sabra e Chatilla.
Em 1982, Sharon fez um acordo com o líder da Falange (extrema-direita cristã) de lá, Bashir Gemaiel, que era o presidente do Líbano. O acordo era que os falangistas liquidariam os palestinos que viviam por lá e
reconheceriam o Estado de Israel. Em troca, Israel reconheceria o Líbano. Uma coisa louca. Sharon é muito conhecido por arquitetar aventuras como essa. Ben Gurion sempre convocava Sharon para fazer o serviço sujo, pequenas "ações" que, orquestradas pelo seu comando, em 1955 a unidade 101, faziam dezenas de vítimas nos campos de refugiados de Kibia e Kissalim. Ben Gurion referia-se a Sharon como "o mentiroso crônico". A gente precisa saber uma coisa. Pouco a pouco, vai se estabelecendo em Israel uma junta militar, mas de maneira muito democrática. É importante ter uma visão completa desse quadro, mas ninguém fala a respeito. Depois da geração dos genarais Moshe Dayan, Yitzhak Rabin, de Yigal Alon, depois dos pioneiros que criaram o Estado de Israel, surgiu uma nova geração de oficiais carreiristas. Esses
oficiais carreiristas chegam até a idade de 43, 45, 46 anos e deixam o serviço militar. Quando atingem a idade de 43 anos, faz-se uma escolha entre os três melhores e um deles será o chefe do estado-maior. Quando Sharon e alguns outros generais perceberam que não seriam nomeados, ficaram muito
contrariados. Foi aí que eles entraram nos partidos da direita e passaram a ter papéis de liderança e de ministros no governo. E hoje 60 por cento dos ministros são generais da reserva. Assim aconteceu um governo militar sem golpe. A maioria dos oficiais sempre foi de esquerda. Os partidos trabalhistas do centro e esquerda, que tinham muita influência, não deixavam que a direita dominasse o Exército. Mas eles tinham um medo terrível de Sharon. Porque sempre, em qualquer atuação, ele tomava a liberdade de fazer
coisas que ninguém aprovava. E foi o que aconteceu no sul do Líbano. Ele fez esse acordo secreto com Bashir Gemaiel, que foi assassinado, e Amin, o irmão de Bashir, assumiu a presidência. Aí aconteceu o massacre de Sabra e Chatilla, com o apoio do Exército israelense. Mas, para Sharon, o acordo - aquele reconhecimento mútuo - tinha perdido o efeito. Ele já tinha um novo plano de gaveta. Mas houve a manifestação dos 500.000 em Tel Aviv e Sharon foi submetido a um inquérito nacional, encabeçado pelos juizes do Superior Tribunal de Israel que determinou que ele tinha indiretamente culpa pelo massacre. Sharon deixou que os falangistas terminassem o "trabalho", sabendo o que aconteceria, enquanto o Exército de Israel cercava os campos e não deixava ninguém sair. Uma coisa louca. E não tinha outro jeito: ele foi
mandado embora, sob uma decisão de que nunca mais poderia exercer cargo de ministro de Defesa ou de Relações Exteriores, ou de chefe de governo.
Maria Luísa Mendonça - E as táticas são as mesmas hoje em dia, não é?
Isso mesmo. Esse espírito criado entre certos oficiais do Exército chega a tal ponto que eles esquecem, às vezes, que estão em torno da mesa do governo. Acham que podem tomar decisões como se estivessem no Estado-Maior das Forças Armadas. As decisões de governo acabam assumindo caráter militar.
Eles acham que a solução é militar. Já é hábito. E isso é muito perigoso. São coisas que todo mundo sabe. Mas muitos me criticam. Dizem que, se são decisões de um governo eleito democraticamente, então temos de apoiar. Eu não concordo.
José Arbex Jr. - É a tal história: Hitler foi eleito.
Não mencione Hitler, por favor... Depois vão falar que estou comparando o governo israelense atual com Hitler...
Enio Squeff - Um amigo meu que é judeu e vive em um kibutz há muitos anos disse que existe a possibilidade de uma guerra civil em Israel. Essa ruptura que está havendo dentro do Exército é uma coisa muito grave?
Não acho. Vejo uma coisa bem pior - Yafa Yarkoni, uma das melhores cantoras israelenses, parece uma jovem, ainda que já tenha passado dos 70 anos. Realmente bonita. Ela nunca deu uma declaração política. A primeira canção dela que acompanhou os soldados em 1948 foi "Bab Lvad", fala de um vale no qual houve muitas vítimas. Fica em torno de Jerusalém. Em 1948, quando houve a batalha pelo controle dessa região, Israel nem tinha tanques. O Exército usava caminhões com estrutura de ferro. A canção é dedicada aos que lutaram e morreram nessa batalha. É um clássico. Ela sempre foi festejada, há três anos ganhou o Prêmio Israel, uma homenagem raramente dedicada a artistas. Na véspera do Dia da Independência, eu estava assistindo ao canal oficial da televisão em Israel, ela apareceu para cantar e falou, com lágrimas nos
olhos, que não conseguiria cantar, mas que também não conseguiria ficar quieta, que não conseguia ver os soldados, e disse: "Meus queridos, fazendo isso com o povo palestino, humilhando eles barbaramente que está numa situação tão terrível! Eu não agüento". Foi um choque nacional enorme. No dia seguinte tinha artigos contra ela nos jornais, apresentações em homenagem a ela foram canceladas e começaram ameaças de morte. Em resposta, agora em maio, ela cantou na praça Rabin, diante de 60.000 pessoas que se
manifestavam pela paz. Quer dizer, é o terrorismo interno, como o que eles fizeram com Rabin. O assassinato de Rabin foi um ato estimulado pela atmosfera de linchamento moral, dos fanáticos.
Enio Squeff - Você acha que Sharon está envolvido?
Indiretamente.
Mas como foi arquitetado?
Os pequenos partidos religiosos funcionam como o fiel da balança na disputa entre os partidos grandes, o
Trabalhista e o Likud. Os dois partidos dependem dos religiosos para conseguir a maioria necessária para dirigir a coligação. Muito bem, os rabinos emitiram uma sentença de morte contra qualquer pessoa acusada de violação da mais importante ordem bíblica, isto é, devolver terras que pertencem aos judeus. Imediatamente depois disso, um grupo da direita começou a fazer cartazes com a cara de Rabin usando a kefieh (xale tradicional árabe) de Arafat, acusando-o de "criminoso", "traidor" - o mesmo que, agora, estão falando a meu respeito. Criaram um clima propício ao assassinato. Estimulavam os radicais. Foi tudo preparado. E o Shimon Peres que assumiu o papel de Rabin como primeiro-ministro, depois que foi
assassinado três meses antes das eleições, em 18 de abril 1996, abriu fogo de canhões contra o campo de refugiados palestinos de Kafer Kana no sul do Líbano, matou 107 cidadãos e feriu muitos, crianças e mulheres. Estava programada para aquele mesmo dia uma exposição de meus quadros em Brasília,
eu tinha até convidado o embaixador palestino, Musa Odeh. Antes, fui para o hotel com a minha mulher para ver o Jornal Nacional, pois me falaram que dariam uma reportagem sobre a exposição. Então, passaram a reportagem sobre o ataque e, de repente, vi que meus quadros sobre massacres viraram
ilustração daquilo que tinha acabado de acontecer. Reagi com horror. Pensei em não ir, não poderia participar de uma exposição dedicada a cinqüenta anos do Holocausto que estava sendo apoiada pela embaixada de Israel. Mas acabei indo, e resolvi fazer uma homenagem de um minuto de silêncio às vítimas do massacre. Encontrei lá o Mussa Odeh. Ele comentou que Shimon Peres tinha promovido o bombardeio para mostrar que os trabalhistas também sabiam reagir contra os palestinos, já que logo haveria eleições em Israel. Eu falei: "Mussa, ele hoje perdeu as eleições". Ele perguntou: "Você tem certeza?" Eu disse: "Absoluta, ele perdeu as eleições para Bibi Netanyahu" e nem a esquerda que apoiava o Rabin, iria continuar nessas condições apoiando Peres. O que tinha acontecido? Esses atentados com homens-bomba praticados hoje ocorreram também em 1993 e 1994, nos mesmos lugares. Tudo a mesma coisa. Rabin dizia, então, que seria impossível garantir o fim de todos os atentados. Mas Israel não poderia se curvar à chantagem, quer dizer, deixar de fazer um acordo de paz por causa dos atentados. Se os terroristas queriam
o fim dos Acordos de Oslo, nossa tarefa seria trabalhar junto com a Autoridade Palestina, contra os terroristas. E o serviço secreto palestino, encabeçado pelo Rajub nesse tempo, estava trabalhando com o serviço secreto de Israel para eliminar os bombas suicidas, porque eles sabiam muito bem que
as provocações levariam para a situação que ocorre hoje. Barak, na época, era assessor dele para a segurança e falou que, se fosse palestino, se revoltaria da mesma forma. Na hora em que venceu as eleições, Bibi Netanyahu declarou que não iria dar prosseguimento aos Acordos de Oslo naquelas condições. Quando estive lá, no fim dos cem primeiros dias em que ele governou, vi na televisão o repórter perguntar a Bibi: passados os cem primeiros dias, o que ele tinha conseguido fazer? "O que eu fiz? Nenhum
homem-bomba apareceu até hoje!" Falei para a minha mulher: "Ele está provocando de novo um homem bomba". Dito e feito. No dia seguinte, fui a Jerusalém encontrar a ex-attachée cultural de Israel em São Paulo no seu escritório no ministério das relações exteriores, a 200 metros do Machane Yeuda, que é uma feira permanente dos judeus iemenitas, um lugar muito gostoso. Sentamos lá, e às 10 horas, pontualmente, estourou uma bomba que provocou dezenas de mortos e feridos. É assim que a coisa acontece. Agora,
ninguém vai me dizer que isso tudo não se torna rotina.
José Arbex Jr. - Vou fazer uma provocação. Acho que você é completamente iludido em relação aos Acordos de Oslo. Porque justamente depois deles, 1993, é que começou a ser implantado o sistema de check points; o PIB caiu 50 por cento na Autoridade Palestina; começaram também as exigências absurdas: o palestino que quiser trabalhar em Israel tem de ter 35 anos de idade, família, filhos, carta de licença fornecida por intermédio de um empregador israelense. O rendimento da família caiu para um oitavo. Oslo piorou a situação dos palestinos. Você enaltece os Acordos de Oslo como se tivessem sido algo positivo, quando na verdade não passam de uma farsa.
Vou dizer o seguinte: sou um velho combatente pela paz. Eu tinha, desde 1950, junto com meus amigos, um sonho: que os árabes e os palestinos aceitassem Israel. Pensávamos num Israel de fronteiras mais reduzidas, com uma Jerusalém bem reduzida. Eu, pessoalmente, gostava bem mais daquele tempo do que agora. É um gosto pessoal. Vou contar uma história. Em 1978 fui convidado para realizar uma exposição em Havana, durante o Festival da Juventude. Tenho um amigo de infância que virou o maior poeta palestino do nosso tempo, Mahmud Darwish. Ele fez parte da minha célula do PC, em Haifa, e em 1973 foi para Moscou. E decidiu entrar para a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), não mais voltar para Israel. O Partido Comunista achou que ele era um traidor: "Nós o enviamos para Moscou e ele nos abandonou". Em Havana recebi um telefonema de Mahmoud. Ele me perguntava se queria encontrá-lo ou se eu ainda estava aborrecido. Respondi que não havia ficado aborrecido, e que iria encontrá-lo. Encontrei-o no hotel Havana
e começamos a conversar. Então eu disse que a declaração da OLP continha um grave erro político, que era propor a destruição de Israel: "Enquanto vocês tratarem Israel como um corpo estranho no Oriente Médio, não terei como defender a causa palestina, nem diante dos meus filhos, nem dos meus amigos, nem dos meus vizinhos, nem de ninguém". Aí, percebi que alguém se sentou ao meu lado, de uniforme e kafiah. Era Iasser Arafat. Ele me disse que eu era um grande artista, mas que, politicamente, era um zero à esquerda. Me contou que três dias antes tinha mandado um assessor dele, Sartawi, a Lisboa para manter um encontro secreto com Shimon Peres. Sartawi foi assassinado por Abu Nidal, palestino extremista contrário à paz e que atua na Síria. E acrescentou: "Você acha que não estamos fazendo esforço para ter
paz com vocês? Deus sabe o tanto que estou lutando para isso. Mas, se eu for levar esse assunto para a Assembléia Palestina hoje, vou receber 18 por cento de apoio. Vão me chutar para escanteio, e não poderei fazer mais nada.
Quem fará paz com vocês? Só eu posso fazer isso. Mobilizamos nossos professores, sociólogos e cientistas políticos para fazer uma simulação das conversações de paz. Sabe qual foi o resultado? Se formos dar as mãos para o chefe do gabinete do Partido Trabalhista, ele não vai aceitar; o chefe do Likud tampouco. Sabe por quê? Por duas razões. Primeiro, Israel conta com uma imensa ajuda no mundo, que o vê cercado por milhões de inimigos árabes. Quando houver a paz, toda essa ajuda será reduzida. Além disso, dentro de
Israel vocês têm muitos grupos oriundos de várias partes do mundo: do Oriente Médio, da Inglaterra, da Europa Oriental. Um quer arrancar os olhos e os cabelos do outro. A única coisa que une todo mundo, dentro de Israel, é a questão da segurança. Cada vez que as tensões internas aumentam, vocês abrem fogo contra os palestinos. Toda a economia de vocês está baseada na guerra. Enquanto essa situação perdurar, não haverá chances reais de paz".
Eu respondi: "Faça a prova. Se você conseguir aumentar a porcentagem de apoio para a paz com os palestinos, também poderemos fazer a nossa parte. Não tenho certeza de que você esteja certo, mas vamos tentar. E, se tudo der certo, seja bem-vindo ao lar!" Conversamos mais um pouco, trocamos um aperto
de mão e ele foi embora. Dez anos depois disso, em 1998, Arafat foi convidado para participar da Assembléia Geral da ONU que se realizou em Genebra. Os Estados Unidos não permitiam sua entrada em Nova York, por considerá-lo "terrorista". Foi nessa assembléia, em Genebra, que ele ofereceu um ramo de oliveira aos "primos israelenses", em nome da paz. Todo mundo aplaudiu, mas, no outro dia, mesmo o Haaretz, o mais liberal jornal de Israel, deu apenas uma nota e em tom irônico, dizendo ser "estranho" que
Arafat, de um lado, segurava o ramo de oliveira e, do outro lado, tinha um revólver. Mandei uma carta para o Haaretz, publicada dois dias depois, para observar que, se ele tinha o revólver, nós tínhamos a bomba atômica. É essa, mais ou menos, a assimetria de forças. Sadat costumava dizer que era necessário criar um momentum para quebrar o preconceito terrível entre os dois povos. Os Acordos de Oslo foram um desses momentos, com todas as dificuldades implícitas. É preciso criar o momentum. O importante é criar esse clima. Oslo é ruim, mas é a primeira etapa para conhecer as possibilidades de os dois povos ficarem juntos. Depois de Golda Meir chegar a proclamar que não existe o povo palestino, já foi um grande passo aceitar
a existência do povo palestino, assim como eles aceitarem o povo de Israel.
Sérgio de Souza - Como se dá a discussão, na comunidade israelita brasileira, a respeito da situação atual? Quem está pró, quem está contra?
Foram formados dois movimentos importantes, o grupo Taba, do qual participo, e o Shalom Salam Paz, com a participação de uma minoria bem pequena da comunidade judaica brasileira. Tenho a impressão de que agora começamos a entrar em uma nova etapa, depois da proclamação do Congresso do Likud contra
a criação do Estado palestino. Há um ano e meio, fui convidado para o movimento Shalom Salam Paz, para tentar esclarecer um pouco a comunidade judaica sobre os acontecimentos desde a morte de Rabin. A liderança da comunidade judaica brasileira optou por tomar a atitude de apoiar qualquer ato do governo israelense. Nós falamos "não". Existem situações em que os governos erram. Nem é necessário recuar 55 anos na história, basta lembrar a ação dos Estados Unidos no Vietnã...
Verena Glass - Quem é a liderança?
Nathan Berger, Berel Eisenstein e outros que me criticaram da forma mais baixa possível, negando minha origem judaica. O que é ser judeu? Não resolveram isso em Israel, e não vão resolver aqui. O que é isso? Onde estamos? Como eles podem dizer que são melhores judeus do que eu? Alguns deles falam que os judeus são os melhores, e os ruins são os árabes. Brincadeira! Esse negócio de imputar uma culpa coletiva a todo um povo... Quem mais sofreu com isso foram os judeus! Eu, para manter a minha integridade psicológica, precisava tomar alguma posição, não acredito no que está acontecendo. Penso que vou enlouquecer cada vez que me olho no espelho. Não posso aceitar aquilo que eles dizem, que existe uma verdade para dentro de Israel e outra para cá, fora de Israel. Podem falar isso lá, mas aqui não... Por que? Você quer mentir, blefar, enganar a comunidade daqui? Os judeus não podem atacar o governo de Israel? Mas os americanos não atacaram o governo dos Estados Unidos no tempo do Vietnã? E daí? Foram por isso antiamericanos? Não, ao contrário! Antiamericanos foram aqueles que promoveram a Guerra do Vietnã. E aqueles que criticaram a atuação da França na Argélia? Sartre, Simone de Beauvoir, Camus - todos eles são traidores da França? Se ser traidor significa fazer parte do mesmo tipo de movimento,
como Sartre e como aqueles que se opuseram à Guerra do Vietnã, então estou orgulhoso de ser "traidor". Todos esses ataques contra mim não foram sobre nada do que escrevi, ninguém falou que errei, porque eles sabem que eu era justo no que estava escrevendo. Então, qual o problema? A comunidade aqui não gosta de ouvir a verdade. Há pouco estive na Inglaterra e li no Guardian uma pesquisa séria sobre o pensamento da população européia a respeito de Israel - o resultado foi uma opinião muito desfavorável sobre o tratamento dado aos palestinos. Não sou grande político, mas, como humanista, acho uma vergonha aceitar essa linha do Likud - e esse é o novo dado da conjuntura -, que há pouco realizou um congresso no qual, por maioria absoluta, decidiu rejeitar por toda a eternidade a possibilidade de criação de um Estado
palestino com base em um território que vai do mar até o rio Jordão. Sabe o que isso significa, se essa linha for aceita pelo Estado? Vai ter uma guerra para a eternidade, até que um povo elimine o outro.
Enio Squeff - Podem aprovar essa resolução no Parlamento, os deputados do Likud mais os da direita religiosa?
O Likud aproveita a situação para mostrar uma posição de força. Pretende atrair a admiração e o apoio de uma parte da população, do mesmo jeito que, num lugar que nem vou mencionar, um sujeito conseguiu convencer a população de seu país sobre a necessidade e a legitimidade de anexar as áreas de outros países...
Maria Luísa Mendonça - Você disse que para Israel não interessa a paz. O que você acha da posição do governo dos Estados Unidos?
Não que o governo de Israel não queira a paz, o que ele não quer é o Estado palestino. Se pudéssemos arrumar a paz sem o Estado palestino... Quanto ao governo dos Estados Unidos, logo depois do atentado de 11 de setembro, dia do meu aniversário, pensei na hipótese de que George Bush sabia bem antes o
que ia acontecer. Hoje, ele está sendo publicamente acusado disso. Não quero ficar especulando, mas é bom lembrar que eles sacrificaram John Kennedy e mataram todas as testemunhas diretas do seu assassinato. Acho que não é necessário falar mais nada.
José Arbex Jr. - Você começou a dizer algo sobre a comunidade judaica, uma nova fase do trabalho após o congresso do Likud, e acho que não concluiu o pensamento...
Acredito que a resolução do congresso do Likud contra um Estado palestino introduziu algo completamente novo na conjuntura: contribuiu para esclarecer a questão. Hoje existem os que são contra o Estado palestino e os que aceitam a fórmula "dois Estados para dois povos". Acredito que mais de 60 por cento da população de Israel esteja a favor da criação do Estado palestino. Então, é diante dessa questão que todos têm de se posicionar. Os grupos Taba e o Shalom Salam Paz já cumpriram as suas tarefas, que era de
esclarecimento sobre o que estava em jogo. Agora está tudo muito claro. Acho que temos de formar um novo movimento, que poderia se chamar Dois Estados para Dois Povos. Nossa proposta é reunir poetas, artistas plásticos, fotógrafos, filósofos e acadêmicos dos dois lados para promover intercâmbio de cultura, de livros, tradução de poetas israelenses para o árabe e para o português, traduzir os árabes também, fazer exposições e lançar uma nova possibilidade de aprofundar o entendimento dentro dos dois povos.
Sérgio de Souza - O que Henry Sobel pensa disso tudo?
Ele é um dos melhores líderes que conheci, mas, assim como não posso renunciar à minha identidade israelense, ele não pode ignorar o fato de que é um representante da comunidade judaica. Ele mostra uma grande coragem ao afirmar abertamente que apoiar o Estado de Israel não significa apoiar Ariel Sharon, e que não apóia Sharon. Se você comparar a posição dele com a de outros líderes da comunidade, verá que ele é incomparavelmente superior. Mas um líder como ele não pode apoiar qualquer coisa. Repito: não é verdade que qualquer alemão que vivesse fora da Alemanha deveria apoiar o 3o Reich só por Adolf Hitler ter sido eleito democraticamente. Volto sempre a essa questão, porque na Alemanha os judeus sentiram o que é sofrer um processo de condenação coletiva, a mesma coisa que Israel está impondo aos palestinos.
Verena Glass - Por que você veio para o Brasil?
Venci um concurso promovido pela TV Tupi, em 1959. Vim executar o trabalho. Trabalhei com o Pietro Bardi, com o Guarnieri, Juca de Oliveira, Augusto Boal e fiquei emocionado com os brasileiros.
Enio Squeff - Todos os comunistas...
Depois encontrei o Mário Schenberg, o Villanova Artigas. Participei da mesma célula do Partido Comunista com todos eles. Um grande amigo foi o Oscar Niemeyer. Fiquei apaixonado pelos brasileiros. O Arbex vai falar que sou louco, mas eu digo que aqui não tem problema racial, tem problemas mais de situação econômica. Ninguém vai começar a te xingar porque você é japonês... Tem uma mistura na população que inviabiliza o racismo. O problema é econômico e social.
Verena Glass - Conta como você fugiu do Brasil, após o golpe de 1964.
Eu era membro de uma célula do Partido Comunista (PCB), com o Mário Schenberg, Artigas e mais três ou quatro. No dia 30 de março de 1964 o Artigas recebeu um telefonema do Luís Carlos Prestes dizendo que a gente deveria queimar todos os documentos que tivesse, para a polícia não encontrar nada, pois ia ter um golpe naquele mesmo dia. Quando ouvi aquilo, fui correndo para a minha casa, na Vila Mariana, onde tinha o ateliê, com um forno de cerâmica. A última coisa que fiz nesse ateliê foi um painel em cerâmica para o Hospital Santa Casa de Campinas, está lá até hoje. Aí peguei todos os documentos do partido, todos os panfletos e joguei no forno de cerâmica, fiz uma fogueira. Tinha também uma garagem fechada, onde eu
colocava o meu carro. Aí, a Zuleima, do grupo de dança do Solano Trindade, do Embu das Artes, que fica a 20 quilômetros de São Paulo, chegou em casa e disse que estava fugindo, o Exército tinha cercado o Embu. De repente, vi por uma fresta da janela que três homens estacionaram um camburão diante de
casa. Eles perguntaram aos vizinhos onde estava o "alemão com óculos". Os vizinhos salvaram as nossas vidas: disseram que eu estava fora. Os policiais ficaram por lá, esperando. Peguei minhas coisas, fiquei preparado para fugir, até que a Zuleima disse: "Eles saíram, acho que foram tomar café".
Era o momento de fugir. Coloquei a Zuleima no porta-malas e fui embora. Fiquei escondido na casa de amigos meus, meu nome saiu numa lista imensa de "procurados", publicada no Estadão. O amigo me disse: "Olha, você corre muito perigo. Eles estão querendo mostrar que vieram estrangeiros para o Brasil, para virar a nossa cabeça. Pegaram chineses, muitos estrangeiros". Então eu não podia sair por aeroporto ou estação rodoviária. Me ajeitei no banco de trás do carro dele e ele jogou uísque em cima de mim - se alguém nos parasse, ia dizer que eu era seu amigo e que tinha bebido demais, estava passando mal e ele estava me levando para casa. Fomos para o Rio de Janeiro. Só que era a sexta-feira do Purim, o carnaval judeu. Liguei para a embaixada israelense, que ainda era no Rio, e me responderam que era feriado, não
poderiam me atender, e que eu esperasse até segunda-feira. Respondi que não poderia esperar, que iria imediatamente. Consegui forçar a entrada na embaixada. Fui conduzido a uma biblioteca, onde um funcionário me interrogou. Expliquei que era ligado ao Niemeyer e à turma que estava sendo procurada pelos militares. "Mas quem mandou você se ligar a esse pessoal?"
Fiquei irritado com o autoritarismo do rapaz. Eu disse: "Olha, aí atrás de você estou vendo que tem uma enciclopédia de Israel. Faça uma pesquisa nos verbetes e vai encontrar o meu nome". Pronto. Foi o suficiente para ele se dispor a colaborar. Arrumaram um vôo da Lufthansa para a Suíça, que sairia
do Rio na segunda-feira. E me disseram: "Você vai sozinho, de táxi, e nós vamos atrás". Arrumaram duas malas cheias de tranqueiras, pois seria muito suspeito viajar sem bagagem, e fomos para o aeroporto. De repente, no aeroporto, a Polícia Federal me chamou. Queriam saber se eu tinha comprovante do pagamento do imposto de renda. Respondi que estava saindo às pressas do Brasil, que meu pai estava quase morrendo, mas iria voltar logo. Disseram que iriam consultar São Paulo. Ainda bem que a burocracia de São Paulo não queria saber de problemas, e deixaram que eu embarcasse. Quando cheguei no hotel Dan, de Tel Aviv, encontrei o Oscar Niemeyer. Ele estava trabalhando em um projeto do governo israelense. Viajou para Israel de navio, nunca viaja de avião. Ele me perguntou: "Mas o que é isso? O que está
acontecendo no Brasil?" Respondi que a coisa era séria. "Ah, mas, se eles vierem me investigar, vou responder que já sou bem velho e que é tarde demais para mudar minhas idéias." Há três anos, quando eu estava no Rio de Janeiro, recebi um telefonema do Oscar: "Você está no Rio? Venha ao meu escritório, que tenho uma surpresa para você". Fui. Eram umas 4 da tarde, quando entraram dois gigantes; atrás deles vinha um homem e atrás outros dois gigantes. O homem no meio era o Fidel, que estava visitando o Oscar.
Daí ele abraçou nós dois. Se eu já me sinto muito pequeno perto do Fidel, imagine o Oscar. Batia na sua cintura! Aí Fidel disse: "Sabe qual é a minha impressão? Nós somos os três últimos comunistas do mundo!" E Oscar acrescentou: "Aos 90 anos não tenho condições de mudar minha visão política". Então lembrei que trinta anos atrás, quando nos encontramos em Tel Aviv, ele disse a mesma coisa...
José Arbex Jr. - Voltando a Israel: o que você acha que vai acontecer?
Apesar de tudo, as perspectivas estão melhores agora do que há algum tempo. É preciso levar em conta o impacto na democracia provocado pelas mudanças demográficas em Israel. Os russos, que começaram a chegar em grande quantidade a partir dos anos 90 - e o Haaretz diz que a maioria deles nem é formada por judeus -, já chegam com a cabeça feita. Para eles, os terroristas, os tchetchenos, os palestinos, a KGB (antiga polícia política soviética), os funcionários do PCUS (antigo Partido Comunista da União
Soviética) são todos a mesma coisa. Chegam a Israel sem preparação nenhuma.
Só que as leis israelenses garantem a todos os imigrantes judeus o direito de participar imediatamente da vida política do país, sem passar por qualquer período prévio de vivência, pelo menos o suficiente para entender o que está acontecendo. Acho que é o único país do mundo onde acontece isso. É inacreditável o que acontece em Israel. Existem dois partidos extremistas de direita russos! Imagine se nos Estados Unidos alguém pode criar um partido russo, ou japonês, ou sei lá. A cena que me deixou mais irritado aconteceu
quando cheguei em minha cidade. Caminhando pela rua principal, vi que só se falava russo. Eu me sentia em Moscou. Alguém me pediu uma informação em russo e, como eu não falava o idioma, o sujeito ficou irritado. Até aí, tudo bem, isso não me atrapalhava em nada. O problema é que vi um cartaz pedindo
a morte de Arafat; ao lado, outro cartaz qualificava Rabin e os outros que participaram dos Acordos de Oslo como "criminosos". Passavam um abaixo-assinado pedindo ao governo que mandasse os palestinos para a Jordânia. E quem estava fazendo isso eram os alunos da escola mais importante de Israel, colégio Reali, onde Rabin estudou, uma escola que tem mais de oitenta anos. Eu mesmo dei aula nessa escola, de 1972 a 1980. Esses alunos, jovens de 17, 18 anos, já estão quase prontos para servir o Exército. Fiquei louco. Eu disse aos jovens: "Esse pessoal não sabe o que está fazendo. Eles quase não falam o hebraico. Não entendem nada. Será que vão ensinar para vocês aquilo que é melhor para Israel?" Me mandaram embora!
Fui acusado de "arafatista"! E o pior é que existe um clima de medo entre aqueles que pensam diferente. Amigos meus que têm posição semelhante à minha preferem ficar quietos, para não ser perseguidos. Muitos se afastaram de mim. Fui criticado por eles por ter acompanhado uma delegação de deputados brasileiros, em abril último. Tudo isso é provocado pelo medo de externar uma posição contrária ao senso comum.
José Arbex Jr. - Conta a história do teu amigo professor universitário que está sendo perseguido.
O professor Ilan Pepe, da universidade de Haifa... Ele formou a geração dos novos historiadores israelenses. São conhecidos como "os revisionistas". Eles estão levantando documentos que estão mudando a historiografia oficial. Muita coisa nova está vindo à tona. Versões consagradas de nossa história estão sendo questionadas. É uma geração de historiadores muito importante. O que está acontecendo é inédito. Estão fazendo um processo contra Pepe, para afastá-lo da universidade. O seu "crime" é o de apoiar os alunos que estão fazendo o levantamento dos massacres praticados pelo Exército de Israel na aldeia árabe de Tantura. É uma coisa bem pesada. E acho que os mais novos números levantados pelas pesquisas de opinião pública indicam que 63 por cento dos israelenses apóiam a fórmula "dois Estados para dois povos". Além disso, as coisas se tornaram mais claras. Não é mais necessário explicar o que é a ocupação ilegal dos territórios ou essa coisa toda complicada que a gente tem de explicar e que muitas vezes ninguém acredita. Agora, você tem de, simplesmente, tomar posição sobre uma questão clara: você é contrário ou favorável ao direito de os palestinos terem o seu Estado? Todos aqueles que me mandaram mensagens dizendo que sou um "inimigo de Israel" esqueceram duas palavrinhas: Grande Israel. Sou um israelense orgulhoso da minha pátria e um grande inimigo do Grande Israel. O palestino que apóia a idéia dos dois Estados soberanos é meu parceiro. O palestino que luta pela Grande Palestina é meu inimigo. Primeiro, vou tentar convencê-lo. Se for impossível, vou tentar combatê-lo, de todas as maneiras possíveis. Isso precisa ficar bem claro. O mesmo se aplica ao israelense que apóia o Grande Israel. Estamos aqui falando de uma coisa muito séria, do destino de dois povos maravilhosos. Eu me sinto mais "estrangeiro" quando converso com israelenses que têm uma posição perigosa, de defesa do Grande Israel, do que entre meus grandes amigos árabes que aceitam a idéia dos dois Estados soberanos. Acho que Theodor Herzl queria um Estado em que os judeus vivessem como pessoas normais, como trabalhadores, operários, gente comum. Não acho que Herzl queria uma situação em que, para Israel existir, tem de impor a um trabalhador palestino uma situação em que, para manter o seu emprego em Israel, tem de sair de casa, do campo de refugiados de Gibaliah, em Gaza, às 3 horas da manhã, para chegar até o checkpoint "Erez" dois, enfrentar uma fila enorme no checkpoint , e só conseguir chegar às 10 horas da manhã no seu local de trabalho; e aí ele só pode ficar até as 2 da tarde, pois terá de voltar para casa porque não pode ficar em Israel após o pôr-do-sol... É uma tortura diária! E quanto ele leva de dinheiro para casa? Não, não foi o sonho de Herzl que os israelenses construam suas casas e sua economia graças à exploração do trabalho palestino, graças à tortura. Vou falar uma coisa muito importante agora. Em 1983 eu era presidente do Conselho dos Artistas Plásticos de Israel. Um dia, o pintor palestino Suleiman Mansur - cuja exposição está aqui, na Bienal, o que me deixa muito orgulhoso - marcou uma visita, à minha casa, junto com os artistas plásticos palestinos Issam Bader e Anani . Convidei também outros membros do conselho. Aí eles me disseram que estavam impedidos de promover exposições em Jerusalém, Ramallah, Gaza. "O regime militar não deixa!" Pedi para ver os quadros que eles queriam expor. Fui com dois amigos para Ramallah. Mansur recolheu obras de dez ou quinze ateliês. Vi que se tratava de natureza morta, paisagens, evidentemente algumas obras de conteúdo político. Decidimos que as Casas dos Artistas de Israel, em Haifa, Jerusalém e Tel Aviv, abririam suas portas a essa exposição. Foi uma bomba! Sofremos pressões dos prefeitos, dos partidos. Mas conseguimos. Até que, um dia, o vice-presidente do Parlamento, membro do Likud, quebrou um quadro exposto. Eu sabia que isso poderia
acontecer, e já tinha alertado a polícia. Ele foi detido! No quadro, identificou a cara dele mesmo. Por isso ficou com tanta raiva. Aproveitamos a situação para abrir uma discussão no Parlamento. Com isso, começou a ser estabelecida uma relação de confiança entre nós e os palestinos. Aí começaram os encontros e os debates. Levei meus amigos - o poeta Nathan Zach e os escritores A.B. Yeoshua e Amos Oz entre outros. Foi desse processo que saiu um manifesto, em 1988, assinado por artistas israelenses e palestinos.
Você não imagina o que significou esse manifesto. Em Israel, só o Haaretz o publicou. Essa foi a base de Oslo. Sem isso, não haveria Oslo. Só esse tipo de intercâmbio pode mostrar que os palestinos não são demônios, são pessoas como nós. Três anos antes, em 1980, recebi um telefonema do presidente da
Casa dos Artistas Plásticos de Jerusalém, Chedva Shemesh, que é da UNESCO, dizendo que, em Gaza, Fathi Raban, um artista palestino, tinha sido preso pelo governo de Israel por ter pintado um cavalo subindo em um muro com as cores da bandeira palestina. Condenado a seis meses de prisão! Eu disse que não acreditava naquilo. Enchemos um ônibus em Jerusalém e outro em Haifa, e fomos para Gaza. Ele estava preso, mas a mulher dele estava em casa. Vivia com seis filhos, estava no fim de mais uma gravidez, em um pequeno cubículo. Ela tinha 24 anos e ele 26 anos. Uma pobreza extrema. O quadro tinha sido confiscado. Vimos, depois, que realmente era um cavalo subindo no muro com as cores da Palestina. Aí eu pintei uma melancia partida. Eram as cores da bandeira da Palestina! Quando chegaram os oficiais, perguntaram o que eu estava fazendo. Disse: "Estou pintando as cores da bandeira palestina. Será que vou para a prisão?" Ele respondeu que as leis não se aplicavam a mim, que havia leis para "nós" e para "eles". O famoso apresentador da televisão oficial Amos Arbel filmou tudo. Na mesma noite, a notícia estava circulando
por todo o país. As autoridades resolveram libertar o rapaz, a pretexto de um "perdão" concedido por ser dia santo. Foram coisas assim que permitiram os Acordos de Oslo. Acho que temos de insistir nisso. Vamos lançar o movimento Portas Abertas: dois Estados para dois Povos.
Sérgio de Souza - E existe uma comunidade palestina no Brasil?
Existe, vocês deveriam entrevistar algum representante deles. Agora, vou ser sincero. Há alguns problemas quando tentamos unir israelenses e palestinos. Por exemplo, a questão do direito de retorno de todos para a terra deles. Do ponto de vista humano, esse direito é inquestionável. Não há como negar. Entretanto, bater nessa tecla, hoje, é criar um problema insolúvel. É uma receita para o desastre. Acho muito duro ter de dizer isso a um palestino, mas essa é a verdade. Assim como eu disse para Arafat, há duas décadas, que a Carta de Fundação da OLP criava um problema intransponível ao tratar Israel como um corpo estranho no Oriente Médio - e agora o governo Sharon está fazendo o possível e o impossível para permanecer como "corpo estranho" . Olha, em 1994, quando fomos visitar Arafat em Gaza, ele estava na mesa, levantou, chamou-me ao seu lado, abraçou-me e disse: "Bem-vindo ao lar". A mesma frase que eu havia dito em Havana, em 1979.
Carlos Tranjan - Falando em que língua?
Em inglês. Ele me levou para o meio da sala, me abraçou e falou: "Welcome home". Então eu disse: "Você ainda se lembra disso?" "Como não? Why not?", ele respondeu. "Foi em Havana." E lembrei o que ele havia dito em 1979. "Tem dois israelis que me impressionaram: o primeiro foi você, que falou "Welcome home" quando a gente ia aceitar o Estado de Israel; o segundo foi Urainev, em Beirute, em 1982, em 1982, quando entrou dentro do meu bunker e falou a mesma coisa.
José Arbex Jr. - Você estava falando que o direito de retorno dos palestinos, hoje, é inviável...
Já foi discutido isso no Taba, antes que Barak pusesse em andamento uma solução. A gente propunha isso em etapas, dando oportunidade primeiro para os grupos que ainda têm familiares lá. Mas isso não é uma coisa principal. Se fizer disso o principal, você vai causar problemas. É uma coisa que a gente precisa, com bom senso, resolver, na medida em que realmente os dois lados vão querer. Mas com o governo atual não dá.
Maria Luísa Mendonça - O senhor falou da dificuldade de negociar o retorno dos refugiados palestinos. Qual é a sua opinião sobre os colonos judeus instalados em território palestino?
Sobre os assentamentos, minha posição é clara: deveriam desmontar todos os assentamentos israelenses que estão nos territórios palestinos, do contrário não haverá paz. A paz depende de cada um estar em seu território.
Principais obras, exposições e prêmios:
1954 Diplomado pela Academia de Arte Bezalel, Jerusalém.
1955 Exposições individuais no museu de Tel Aviv.
1956 Exposição no museu de Haifa, Israel.
1957 Medalha de ouro e prêmio de aquisição das gravuras da Exposição
Internacional, Moscou. Exposição no Stedelÿk Museum, Amsterdã.
1958 Assistente na Academia de Belas-Artes, Munique.
1959-1964 São Paulo, Brasil. Mosaico para as fachadas da TV Tupi (hoje MTV),
bairro do Sumaré. Vitrais para a sinagoga da Congregação Israelita Paulista.
Fachada do Estádio do Palmeiras. Murais, afrescos, mosaicos e pinturas em 26
edifícios residenciais de São Paulo.
1962 Litogravuras para o poema "Cruzada das Crianças", de Bertolt Brecht,
Editora Brasiliense. Exposição de litogravuras na Galeria Ambiente, curadora
Radha Abramo. 1963 Prêmio da Bienal de São Paulo, categoria Artes Gráficas,
com as ilustrações para "Cruzada das Crianças".
1965-1985 Conselheiro de arte da prefeitura de Haifa, Israel. Professor da
Academia de Arte Bezalel, Jerusalém, e Technion de Haifa.
1966 Exposição individual no Museu Pushkin, Moscou.
1972 Exposição na Galeria Simplizisimus, Munique, Alemanha.
1973 Monumento aos Refugiados no Museu dos Refugiados.
1974-1975 Monumento aos Soldados Mortos, praça do Hospital Hacarmel, Haifa.
1977 Monumento do Dia da Terra para as aldeias árabes na Galiléia. Prêmio de
pintura, Exposição Internacional em Havana, Cuba.
1980 Prêmio de gravura da Bienal de Artes Gráficas de Berlim.
1983 Primeiro prêmio no concurso para monumento dedicado à derrota do 3o
Reich. 1985 Monumento do "Hagar", marco de referência da primeira refugiada
palestina.
1988 Primeiro prêmio para baixo-relevo do 70° aniversário da Histadrut,
Central Sindical Nacional Israelense.
1989 Exposição de Metamorfoses, dedicada à orquestra dos campos de
extermínio, Museu de Arte Moderna de Haifa.
1988-1992 Execução do monumento dedicado à derrota do 3o Reich.
1995 Exposição Vestígio, no Paço das Artes, São Paulo.
1996 Exposição Vestígio, Pinacoteca, Santos.
1997 Exposição Vestígio, Funarte-Museu de Belas-Artes, Rio de Janeiro.
Galeria permanente de gravuras dedicada ao Holocausto no Palácio do Governo
do Estado de São Paulo.
1998 Exposição Social/Realismo, Museu de Arte Moderna de Haifa, Israel.
Escultura para a praça Cinqüentenário de Israel, São Paulo.
2000 Exposição "Quando os Canhões Trovejam as Musas não se Calam", no
edifício do antigo DOPS.
http://www.ecomm.com.br/carosamigos/da_revista/edicoes/ed63/entrevista.asp
URL:: http://
Um judeu das arábias
Gershon Knispel
Sua família fugiu da Alemanha nazista para a Palestina em 1935, quando ele tinha 2 anos. Foi educado e cresceu entre os árabes palestinos, em Haifa, sem nunca se sentir um "estrangeiro". Viveu cinco guerras entre Israel e os vizinhos árabes, como testemunha e na qualidade de combatente.
Israelense, ama o seu país; humanista, acredita que a única saída possível é a paz baseada na compreensão e no diálogo entre palestinos e israelenses, e nesse sentido deplora as ações de Ariel Sharon, inspiradas na punição coletiva de todo um povo; comunista (amigo de Fidel Castro, de Oscar Niemeyer e de outras figuras históricas, algumas já mortas, como Che Guevara), sabe que as relações de poder têm de ser estabelecidas de forma realista, e por isso aprova, hoje, a fórmula "dois Estados para dois povos"; professor em universidades israelenses, sente ter uma responsabilidade para com os mais jovens, e por isso luta contra a barbárie representada por Sharon; artista plástico, coloca o seu talento e sensibilidade a serviço da paz.
Fernando do Valle - O que é, do seu ponto de vista, ser judeu?
Gershon Knispel - Determinar o que é ser judeu é muito difícil. Ser judeu é professar uma religião? Ou ser judeu é pertencer a uma nação? Se é religião, eu não sou judeu. Porque eu, realmente, não sou religioso. Se significa pertencer a uma nação, eu sou israelense, judeu israelense. Passei cinco guerras em Israel.
Maria Luísa Mendonça - Mas não existe uma cultura judaica que não significa, exatamente, nação e que também não significa, exatamente, religião?
Evidente. No início, chegaram à Palestina os judeus russos e poloneses. A gente sempre faz uma brincadeira, por analogia, para contar essa história. A gente sempre diz que o maior erro do mundo foi que o comunismo começou na Rússia. Isso é uma hipótese, mas é uma brincadeira, como quando a gente fala
que entende alguém ser comunista quando jovem, mas, quando ele fica velho e continua a ser comunista, daí deve ser louco. Então, continuando a brincadeira, acho que o maior erro foi que os judeus russos e poloneses foram os primeiros a chegar à Palestina e chegaram com suas limitações, uma visão de gueto ou de alguém que sempre viveu em uma aldeia pequena, com esse negócio de que "nós somos judeus, marcados, todo mundo quer acabar conosco, somos sempre vítimas de ameaças"... Está certo, eles realmente passaram por situações às vezes terríveis. Mas levaram tudo isso para a Palestina e se
isolaram de novo. Vêem com hostilidade qualquer tentativa de você manter relações com os árabes de Israel. Tenho muitos amigos árabes, esses judeus vindos da Europa Oriental não sabem o que significa ser palestino, o que é ser árabe. Daí alimentam um ódio coletivo. Não posso participar de um ódio coletivo. Como vou alimentar um ódio coletivo quando tenho amigos israelenses árabes de coração? Passei junto com eles quarenta, cinqüenta anos, desde a juventude.
Fernando do Valle - Mas quando eles se instalaram na Palestina será que já não existia esse ódio em relação aos árabes?
Não havia ódio algum. Com os palestinos foi o seguinte: no tempo colonial havia os efêndis (proprietários de feudos). Que eram os fazendeiros. Eles não moravam na Palestina. Queriam boa vida, moravam em Paris, Londres e Roma. No fim do século 19 e início do século 20, os Rothschild e o barão Hirsh, que tinham um poder econômico enorme, passaram a adquirir terras dos efêndis e para lá levaram os judeus, expulsando os falahim (camponeses árabes) das terras adquiridas e estes passaram a ser "sem-terras" - aí começou o conflito.
Carlos Tranjan - Como foi sua infância?
Eu nasci na Alemanha, no tempo em que Hitler subiu.
Enio Squeff - Democraticamente...
O que não significa que os alemães deveriam automaticamente apoiá-lo, e, no entanto, tenho sido atacado por me opor a um governo democraticamente eleito, em Israel. Eu nem queria tocar nesse assunto, mas, para falar a verdade, é assim mesmo. Meu pai tinha uma marcenaria com os irmãos, eram dez irmãos. Em 1932, quando começou o 3¼ Reich na Alemanha, havia judeus que achavam que aquele regime ia durar pouco, que não seria algo significativo e que, apesar do seu programa político, Hitler não chegaria onde chegou, que era preciso ter um pouco de paciência. Meu pai e mais um de seus irmãos decidiram ir para a Palestina, em 1935, três outros irmãos conseguiram entrada nos Estados Unidos. Os demais ficaram por lá porque não tiveram como sair. Foram exterminados.
Sérgio de Souza - A sua família foi para a Palestina na mesma ocasião?
Sim. Eu tinha 2 anos. Chegamos de navio - quando você vê de longe esse panorama de Haifa, as praias, é como uma pequena baía de Guanabara, uma maravilha. E ainda havia essas casas brancas, tal como as tinha encontrado Theodor Herzl, o criador do sionismo, que chegou da Áustria em 1896 e ficou muito impressionado com os palestinos e com a paisagem ainda virgem, preservada como no tempo da Bíblia. Os árabes sabem muito bem fazer essas casas maravilhosas, com pátios internos, integradas harmonicamente nas montanhas. Theodor Herzl sonhou o seguinte: viremos para cá, encontrar a velha nova pátria, mas não podemos ignorar o fato de que aqui permaneceram, já há mais de 2.000 anos, nossos primos que conseguiram sobreviver às situações e, por isso, a gente precisa aprender o jeito deles de viver, o jeito deles de construir casas. Eles usam o vento, as janelas, de maneira formidável. Nem precisam de ventiladores. Meus pais chegaram e ficaram, foi amor à primeira vista. E, como eles estavam quase sem dinheiro, foram viver na parte mais pobre de Haifa. E lá tinha muitos árabes. Meus vizinhos eram árabes.
Verena Glass - Seu pai comprou uma casa?
Não, alugou uma casa em Haifa.
Verena Glass - Havia apoio financeiro de algum governo ou instituição?
Nessa época não havia nenhum apoio. Mas ele conseguiu alugar a casa e arrumou emprego em um dos hospitais do Histadruth, a central sindical, uma coisa muito boa, muito socialista. E começou a fabricar carrinhos de bebê. Fui educado junto com as crianças árabes. Para mim, não tinha a menor diferença entre árabes e judeus. Foram aqueles imigrantes judeus russos e poloneses que chegaram com uma mentalidade separatista. O Ben Gurion, nessa época, tinha atitudes muito agressivas, usando fundos para comprar terras
sob o slogan "trabalho hebreu" e criar as fazendas coletivas, os kibutzim. Com isso os trabalhadores árabes da construção civil ficaram desempregados. Esse fato levou a aprofundamento dos conflitos e os colonialistas ingleses usaram a política de dividir para dominar a favor dos interesses do seu império.
Carlos Tranjan - O senhor se lembra do início do conflito?
Lembro bem. Em 1929 já havia violência de ambos os lados. Nós dizemos que os árabes começaram, eles dizem que nós começamos, e os ingleses, que eram os colonialistas, organizaram isso de uma maneira muito favorável aos interesses do seu império.
Maria Luísa Mendonça - Em termos de números, quantos judeus já estavam lá naquele período e qual era a população de palestinos?
Nos anos 1920/30, tinha mais ou menos 180.000, 220.000. À época da criação de Israel, em 1948, já eram 600.000 judeus e 1.300.000 palestinos. 1994. Iasser Arafat abraça Gershon, em Gaza, e diz "Welcome home"
Rafic Farah - Como eram as escolas? Separadas?
Eram separadas. Completamente. Nas escolas judaicas se falava exclusivamente hebraico, por uma questão de orgulho nacional. Não era tolerado o iídiche, tinha uma campanha maciça contra o iídiche.
Verena Glass - Porque era parecido com o alemão?
Não, porque eles queriam uma língua própria. Lembro que os russos, que chegaram lá antes de nós, em 1922/23, já falavam hebraico perfeitamente, e os poloneses também.
Maria Luísa Mendonça - Eles já vinham preparados ideologicamente?
Ideologicamente, todo mundo achava que estávamos construindo um Estado judeu socialista. O mundo tinha a impressão de que o sistema de kibutz, a força dos sindicatos, que eram donos das grandes empresas de construção e metalurgia construindo casas padronizadas, tudo dava a impressão de que a maioria era socialista e que a minoria tinha fábricas pequenas, indústrias modestas e outras propriedades.
Rafic Farah - O senhor fala árabe?
Falo, mas esqueci muito. É que estudamos árabe literário e com ele você quase não pode fazer nada. Meus amigos árabes já falavam um hebraico tão bom que não me deixavam falar árabe. Gostaria de aprender de uma vez essa língua, de maneira que pudesse me expressar, entender as coisas melhor, mas nunca tive a oportunidade. Então, aquele foi o início. Dos judeus alemães que chegaram em 1935, muitos eram intelectuais. Muitos eram progressistas, e assimilados no sentido da ideologia, que deixaram a Alemanha e foram para os Estados Unidos e a Palestina. Alguns que já eram muito famosos queriam viver em Israel, como Gershom Scholem, cabalista, Martin Buber, grande pensador, Yeoshua Leibovich, pessoas de alto nível com raízes intelectuais muito fortes na Alemanha. Eles queriam se juntar com os palestinos e fazer um
pacto de paz, para, todos juntos, lutarem contra o colonialismo inglês, no espírito daquilo que Herzl propunha. Herzl dizia: "Vamos ser irmãos. Vamos assimilar a cultura deles, no sentido de preservar a relação com o meio ambiente. Em troca, vamos dar a eles o conhecimento industrial". Essa seria a fórmula para a cooperação e crescer.
Enio Squeff - Quando o Ben Gurion chegou?
Acho que no final de 1908. Quase no fim da segunda imigração russa.
Enio Squeff - Ele chegou a pensar nessa possibilidade de cooperação mútua?
Não, ele era contra. Quando os judeus alemães chegaram, com posições políticas mais favoráveis ao diálogo com os palestinos, encontraram já posições políticas contrárias. Por isso o dialogo não floresceu. Foi sufocado.
Maria Luísa Mendonça - Qual era a base econômica dos palestinos na época?
Agricultura e comércio pequeno. Não tinham indústria. A guerra de 1948 foi um erro. No Partido Trabalhista havia divergências sobre a relação com os palestinos. Moshe Scharet, ministro das Relações Exteriores de Israel, era favorável à aproximação com o povo palestino e os países árabes vizinhos, ainda que isso implicasse um certo afastamento do Ocidente. Em 1948, o quadro era assim: a Jordânia e o Egito eram um protetorado britânico; e Farouk promovia uma administração corrupta, e a Síria era dominada pelos franceses. O Exército egípcio, por causa da corrupção, era terrível, muito mal equipado. O melhor exército era o da Jordânia, muito bem treinado, e deu muito trabalho na guerra de 1948. A guerra não teria existido se houvesse prevalecido a linha dos judeus alemães. Mas prevaleceu a dos poloneses e russos, uma linha nacionalista, uma "linha dura", que provocou essa guerra, vencida pelos israelenses. Nós chamávamos os grupos dos palestinos de terroristas e eles chamavam nossos grupos de terroristas. Na verdade, todos
lutávamos pela independência. Quando se declarou o cessar-fogo, foram estabelecidas, de maneira espontânea, as fronteiras que iriam perdurar até 1967. Israel havia ampliado muito o seu território, em comparação com as fronteiras decididas pela ONU. E, lentamente, nos países árabes evoluiu a luta anticolonial. No Egito, por exemplo, em 1952 Nagib e Nasser promoveram o golpe contra Farouk, representante dos interesses ingleses, e imediatamente começaram a procurar entendimento com Israel. O ministro Scaret queria começar as conversações. Ben Gurion foi totalmente contra. A União Soviética, por razões táticas, foi a primeira a reconhecer Israel. Isso Israel não quer mais lembrar. O representante da URSS na ONU, Andrei Gromiko, foi o primeiro que conseguiu ganhar a maioria da ONU para essa
perspectiva. Os americanos estavam em dúvida. É evidente que os judeus dos Estados Unidos fizeram uma pressão enorme pelo reconhecimento de Israel. Mas Stálin foi o único que mandou armas para Israel, via Tchecoslováquia. Os Estados Unidos promoveram um embargo, junto com a Europa. As pessoas não
sabem disso. Stálin, com todas as críticas que podem fazer, salvou duas vezes os judeus. Na primeira, salvou quase 5 milhões de judeus - se Hitler tivesse conquistado Stalingrado, iria acabar com os judeus da Rússia e da Polônia; Stálin criou um território para os judeus, Birobdjian, uma região na Sibéria que funcionou como uma espécie de Estado judeu dentro da União Soviética. Ninguém lembra disso. E Stálin apoiou a criação de Israel. Dois partidos de Israel adotavam a fórmula "um Estado, duas nações", que seria o ideal. Eram o Mapam, partido socialista sionista, que organizava os kibutzim, e o Partido Comunista, que era contra a divisão e propunha a união dos povos irmãos. Mas, no momento em que Gromiko defendeu a posição da União Soviética de criar dois Estados, é evidente que o Mapam e o PC mudaram. Mas não é só isso. A gente esquece quantos comunistas árabes foram enforcados em Bagdá por estar a favor do Estado de Israel.
Rafic Farah - Como a vida do senhor mudou depois de 1948? Como era antes e como ficou? Essa tolerância toda que tinha com os árabes...
Vou contar uma história que mudou minha visão política completamente. Eu freqüentei, desde 1943, com 11 anos de idade, um kibutz do Shomer Hatsair, movimento político da esquerda sionista que se chama Sarid no norte de Israel. Lá, o sistema de educação era muito aberto e sempre analisavam todos os problemas segundo várias visões e perspectivas. Foi uma coisa ótima para mim. Quando se falava da Grécia, então falava da ágora, de Homero e temas de história e literatura de uma maneira única. Tinha também uma matéria que se chamava "nossos vizinhos árabes". Como parte desses estudos, nós - crianças de 11, 12 anos - éramos levados para as aldeias que ficavam a 2 ou 3 quilômetros do kibutz. As famílias viviam nessas aldeias em casas feitas de barro - o forro do telhado era feito de esterco de cabra. Lembro que o cheiro era forte, era muito bom, e que fizeram café para nós. Eram umas vinte pessoas dentro de uma choupana. E eu falei: "Por que a gente não os convida para visitarem o kibutz também?" No kibutz, a gente comia numa sala
enorme, todos juntos - hoje já não é assim - e eu falei: "Vamos convidá-los, já sabemos como eles vivem, e eles podem saber como nós vivemos". Me disseram: "Não queremos que eles fiquem constrangidos, vendo que a gente usa garfo e faca e eles usam o pita (pão sírio) para comer". Não entendi, e disse que eles tinham o jeito deles e nós o nosso. Mas foi rejeitada a idéia, mesmo reconhecendo que tínhamos uma relação boa, éramos bons vizinhos, fazíamos muita coisa juntos, ainda no espírito de um Estado e duas nações. Eu esqueci tudo isso. Anos depois, em 1953, um amigo me convidou para visitar Nazaré. Chegamos - ainda não existia essa igreja fantástica que os italianos construíram lá - e tinha um hotel para os peregrinos. Quando entrei nele, fiquei chocado: um cheiro horrível, todo mundo amontoado, os corredores cheios de varais de roupas, cheiro de urina, cada quarto com duas, três famílias e um colchão só, crianças em condições terríveis. Eu nem sabia daquilo. Ele me disse: "Você está vendo. Essas pessoas foram tiradas
de suas aldeias e amontoadas aqui e ficam esperando, até cinco anos". O hotel tinha virado um campo de refugiados. Alguns eram exatamente da aldeia árabe que eu tinha visitado. Perguntei: "O que vocês estão fazendo aqui?" "Estamos esperando. Em 1948 o pessoal do kibutz Sarid chegou em nossa aldeia
Mujadil e falou que os combatentes palestinos do líder Kauqdji estavam agindo na região e que a guerra chegaria até a nossa casa. Disseram que queriam salvar as nossas vidas e que nos deixariam vivendo em segurança aqui em Nazaré de três a quatro semanas até que a situação se acalmasse, e que depois nos devolveriam as terras. Já tinham se passado cinco anos ! Fiquei louco da vida. Sarid é o kibutz que eu freqüentei. A família que me adotou lá - sempre é assim quando uma criança chega de fora - é a família de Shlome Rosen, que foi nomeado pelo partido Mapam ministro da Imigração de Israel.
Então fui até ele: "Shlome, o que aconteceu? Estive em Nazaré e encontrei nossos vizinhos de Mujadi que me disseram estar esperando há cinco anos uma autorização de vocês para voltar para casa. É verdade?" Ele falou: "Você conhece Ben Gurion. A gente quer devolver a terra, mas ele não deixa". Eu disse que as terras dos palestinos já estavam dando frutos, que já havíamos ocupado a terra, já tinha sido anexada pelo kibutz. E perguntei: "Por que você participa de um governo que faz isso?" Ele respondeu que era uma
questão "tática", e que era mais fácil mudar de dentro do que de fora. É a velha conversa. Eles estão grudados nas cadeiras do governo com "durepóxi". Foi aí que decidi sair do partido Mapam e ingressar no Partido Comunista. Hoje são mais de mil oficiais israelenses que se recusam a obedecer ordens,
por não aceitar a humilhação imposta a outro povo
José Arbex Jr. - Me parece que você tem uma visão ainda romântica de Ben Gurion. A nova geração de historiadores israelense mostra que ele sabia das atividades terroristas para expulsar os palestinos de suas terras, que ele não só era conivente como estimulava o terror.
Não usei romantismo nenhum. Ao contrário. A visão dele era fechada, de gueto. Ele foi um ativista. Havia cinco movimentos clandestinos em Israel: o grupo de Iair Stern; um movimento muito louco que dizia que para derrubar os ingleses os judeus tinham de se juntar aos alemães; tinha o Irgun Tzvai Leumi - organização militar nacional, de Menachem Begin; e o movimento Lechi - combatentes da liberação de Israel - encabeçado por Itzchak Shamir, primeiro-ministro entre 1982 e 1992; e tinha a Haganah e a Palmah,
organizações paramilitares dos partidos sionistas da esquerda que eram a mesma coisa, só que a Palmah era formada por jovens socialistas organizados pelos kibtuzim e a Haganah era de jovens de núcleos urbanos. Os ingleses tinham muito mais contato com a Haganah, do mesmo jeito que, quando houve os Acordos de Oslo, as relações de Israel eram mais intensas com Arafat, cuja facção era mais moderada e aceitava a possibilidade de uma solução política. Daí que Ben Gurion e os seus seguidores não só sabiam de todos os ataques contra os palestinos, como armaram duas grandes tentativas de provocação, chamadas A Parasha - O Delicto. Ninguém podia falar disso, mas desde 1977 os documentos começaram a aparecer: em 1954, o governo israelense enviou agentes a Bagdá e ao Cairo para organizar atentados a bomba dentro de
cinemas, e na embaixada americana no Cairo. O objetivo era causar tensão entre os Estados Unidos e o Egito e gerar pânico entre os habitantes. Atenção: isso foi na época da deposição de Farouk e da revolução liderada por Nagib e Nasser, quando eles tentavam fazer contatos com Israel para encontrar uma saída negociada. O complô foi descoberto, dois agentes foram enforcados e três foram presos e libertados em 1979, depois de assinada a paz com o Egito. Eles queriam estimular um clima de anti-semitismo no Egito,
de forma a provocar a saída de judeus egípcios para Israel. Sempre a população da classe média prefere França, Itália, Estados Unidos, e poucos egípcios iam para Israel. A melhor imigração judaica do Oriente Médio para Israel, a mais politizada, era oriunda de Bagdá. Tinha muitos comunistas judeus de Bagdá. Então, em 1956, a aliança entre Israel e o mundo ocidental foi sedimentada, com a declaração da guerra de Suez. Eu participei dessa guerra, e digo que foi uma guerra desnecessária. Ninguém tinha ameaçado
Israel. Foi a primeira guerra sem necessidade promovida por Israel, o objetivo era desmoralizar o governo que queria nacionalizar o canal de Suez. Israel atacou do norte do Egito e a França e a Inglaterra atacaram do sul. Foram derrotados, porque os Estados Unidos, junto com a União Soviética, dois poderes mundiais, ambos interessados em ganhar a simpatia de Nasser, fizeram pressão. Mas o que aconteceu nesse período, em 1956? Na véspera do ataque, chegou a ordem de que as aldeias árabes perto da fronteira da
Cisjordania seriam cercadas e submetidas ao estado de sítio. O cerco começaria às 5 horas, e não deixaria a população sair. Quando os soldados chegaram até Kafr Qasem (isso tudo aconteceu bem depois do massacre da aldeia de Deir Yasin, em abril de 1948), os camponeses já haviam saído, às 4 horas da madrugada, para trabalhar fora, nas plantações. E, quando eles voltavam, os soldados atiraram neles, simplesmente, sem avisar, sem nada. Atiraram em 49 cidadãos, mulheres, crianças e velhos. Assim! Quando saiu a notícia, ninguém acreditava. Eu não acreditei. Fiquei chocado. Assumi a tarefa de ir até Jerusalém para falar com todos os conhecidos e pedir adesão a um abaixo-assinado exigindo uma investigação. Martin Buber estava resfriado. Encontrei-o de cama, com aquela barba branca, como um profeta, lindo. Apresentei o abaixo-assinado e ele me pediu que lesse para ele, não estava enxergando. Quando acabei de ler, ele começou a chorar. Então me abraçou e disse: "Minha esperança é que existem jovens como você". Naquele
dia consegui 23 assinaturas dos mais importantes professores de Jerusalém, outros amigos conseguiram não sei quantas, e no fim conseguimos que fosse instaurado um processo judicial. Mas o julgamento pelos 49 assassinatos foi uma coisa terrível. Os maiores culpados pelo massacre, os comandantes Melinki e Schadmi, foram julgados e punidos com alguns meses de cadeia, e um outro comandante recebeu uma multa de 20 centavos...
José Arbex Jr. - Vinte centavos de multa?
Tudo isso foi um choque. As pessoas não estavam preparadas para uma coisa dessas, não agüentaram. E Ben Gurion não aceitava as negociações com os egípcios.
Verena Glass - Quando você fala do abaixo-assinado, fala em "nós". Você se filiou a algum grupo, de algum partido?
"Nós" éramos vários grupos, em parte formados por sionistas da esquerda liberais e comunistas. Entrei no Partido Comunista depois que percebi que o Mapam ignorava todos aqueles que não fossem sionistas. Na ocasião da visita a Jerusalém em abril último, junto com a delegação de deputados e jornalistas brasileiros, perguntei a Dan Bitan, um dos líderes do Paz Agora, por que não existe uma aliança, um pacto orgânico entre os quinze grupos que querem uma paz justa. Ele respondeu que há "certas divergências". Era disso
que ele estava falando. Achava melhor fazer atividades similares e, quando houvesse condições, organizar ações conjuntas. Quando fiz meu primeiro relatório sobre a atual situação em Israel, eu estava muito pessimista. Achei que depois da primeira manifestação de 500.000 pessoas contra o massacre de Sabra e Chatilla, em Tel Aviv, em 1982 - 500.000 pessoas é algo que nem podemos imaginar num país pequeno, significa quase 20 por cento da população.
Enio Squeff - Desculpe interromper. A questão de Sabra e Chatilla: comprovadamente, qual foi a atuação de Sharon?
Primeiro, ele tinha um plano na gaveta. Ele sempre tem planos na gaveta. Queria estabelecer uma "nova ordem" no Oriente Médio, mudar a estrutura geopolítica regional. Como fazer isso? Ele tinha de provocar uma situação propícia. E fez isso. Provocou os movimentos palestinos que estavam no sul do Líbano, mas não conseguiu, então como pretexto usou o atentado ao embaixador de Israel em Londres, e começou sua aventura no sul do Líbano. Anunciou no Parlamento que seriam necessários apenas dois dias para "limpar
o terreno", só que ele sabia que iria durar muito mais. Ninguém conhecia esse plano. Ele foi pressionado no Parlamento. Perguntavam: "Quanto tempo vai demorar isso? Você falou em três dias e parece que vai durar uma semana". Foi então que todos perceberam que ele estava subindo para Beirute. Havia dois generais - um era o general Gheva, da artilharia, e o outro o general Mitzna, comandante da região norte, atualmente prefeito da cidade de Haifa - que se recusaram a continuar até Beirute. Não é fácil um general se recusar
a continuar a batalha. Foi um fenômeno parecido com isso que está acontecendo agora, e que é muito perigoso. Hoje já são mais de mil oficiais que se recusam a obedecer ordens, porque não aceitam a humilhação imposta a um outro povo. Isso é um racha no exército. É muito perigoso, e Sharon é o culpado desse racha.
Enio Squeff - Mas conte sobre Sabra e Chatilla.
Em 1982, Sharon fez um acordo com o líder da Falange (extrema-direita cristã) de lá, Bashir Gemaiel, que era o presidente do Líbano. O acordo era que os falangistas liquidariam os palestinos que viviam por lá e
reconheceriam o Estado de Israel. Em troca, Israel reconheceria o Líbano. Uma coisa louca. Sharon é muito conhecido por arquitetar aventuras como essa. Ben Gurion sempre convocava Sharon para fazer o serviço sujo, pequenas "ações" que, orquestradas pelo seu comando, em 1955 a unidade 101, faziam dezenas de vítimas nos campos de refugiados de Kibia e Kissalim. Ben Gurion referia-se a Sharon como "o mentiroso crônico". A gente precisa saber uma coisa. Pouco a pouco, vai se estabelecendo em Israel uma junta militar, mas de maneira muito democrática. É importante ter uma visão completa desse quadro, mas ninguém fala a respeito. Depois da geração dos genarais Moshe Dayan, Yitzhak Rabin, de Yigal Alon, depois dos pioneiros que criaram o Estado de Israel, surgiu uma nova geração de oficiais carreiristas. Esses
oficiais carreiristas chegam até a idade de 43, 45, 46 anos e deixam o serviço militar. Quando atingem a idade de 43 anos, faz-se uma escolha entre os três melhores e um deles será o chefe do estado-maior. Quando Sharon e alguns outros generais perceberam que não seriam nomeados, ficaram muito
contrariados. Foi aí que eles entraram nos partidos da direita e passaram a ter papéis de liderança e de ministros no governo. E hoje 60 por cento dos ministros são generais da reserva. Assim aconteceu um governo militar sem golpe. A maioria dos oficiais sempre foi de esquerda. Os partidos trabalhistas do centro e esquerda, que tinham muita influência, não deixavam que a direita dominasse o Exército. Mas eles tinham um medo terrível de Sharon. Porque sempre, em qualquer atuação, ele tomava a liberdade de fazer
coisas que ninguém aprovava. E foi o que aconteceu no sul do Líbano. Ele fez esse acordo secreto com Bashir Gemaiel, que foi assassinado, e Amin, o irmão de Bashir, assumiu a presidência. Aí aconteceu o massacre de Sabra e Chatilla, com o apoio do Exército israelense. Mas, para Sharon, o acordo - aquele reconhecimento mútuo - tinha perdido o efeito. Ele já tinha um novo plano de gaveta. Mas houve a manifestação dos 500.000 em Tel Aviv e Sharon foi submetido a um inquérito nacional, encabeçado pelos juizes do Superior Tribunal de Israel que determinou que ele tinha indiretamente culpa pelo massacre. Sharon deixou que os falangistas terminassem o "trabalho", sabendo o que aconteceria, enquanto o Exército de Israel cercava os campos e não deixava ninguém sair. Uma coisa louca. E não tinha outro jeito: ele foi
mandado embora, sob uma decisão de que nunca mais poderia exercer cargo de ministro de Defesa ou de Relações Exteriores, ou de chefe de governo.
Maria Luísa Mendonça - E as táticas são as mesmas hoje em dia, não é?
Isso mesmo. Esse espírito criado entre certos oficiais do Exército chega a tal ponto que eles esquecem, às vezes, que estão em torno da mesa do governo. Acham que podem tomar decisões como se estivessem no Estado-Maior das Forças Armadas. As decisões de governo acabam assumindo caráter militar.
Eles acham que a solução é militar. Já é hábito. E isso é muito perigoso. São coisas que todo mundo sabe. Mas muitos me criticam. Dizem que, se são decisões de um governo eleito democraticamente, então temos de apoiar. Eu não concordo.
José Arbex Jr. - É a tal história: Hitler foi eleito.
Não mencione Hitler, por favor... Depois vão falar que estou comparando o governo israelense atual com Hitler...
Enio Squeff - Um amigo meu que é judeu e vive em um kibutz há muitos anos disse que existe a possibilidade de uma guerra civil em Israel. Essa ruptura que está havendo dentro do Exército é uma coisa muito grave?
Não acho. Vejo uma coisa bem pior - Yafa Yarkoni, uma das melhores cantoras israelenses, parece uma jovem, ainda que já tenha passado dos 70 anos. Realmente bonita. Ela nunca deu uma declaração política. A primeira canção dela que acompanhou os soldados em 1948 foi "Bab Lvad", fala de um vale no qual houve muitas vítimas. Fica em torno de Jerusalém. Em 1948, quando houve a batalha pelo controle dessa região, Israel nem tinha tanques. O Exército usava caminhões com estrutura de ferro. A canção é dedicada aos que lutaram e morreram nessa batalha. É um clássico. Ela sempre foi festejada, há três anos ganhou o Prêmio Israel, uma homenagem raramente dedicada a artistas. Na véspera do Dia da Independência, eu estava assistindo ao canal oficial da televisão em Israel, ela apareceu para cantar e falou, com lágrimas nos
olhos, que não conseguiria cantar, mas que também não conseguiria ficar quieta, que não conseguia ver os soldados, e disse: "Meus queridos, fazendo isso com o povo palestino, humilhando eles barbaramente que está numa situação tão terrível! Eu não agüento". Foi um choque nacional enorme. No dia seguinte tinha artigos contra ela nos jornais, apresentações em homenagem a ela foram canceladas e começaram ameaças de morte. Em resposta, agora em maio, ela cantou na praça Rabin, diante de 60.000 pessoas que se
manifestavam pela paz. Quer dizer, é o terrorismo interno, como o que eles fizeram com Rabin. O assassinato de Rabin foi um ato estimulado pela atmosfera de linchamento moral, dos fanáticos.
Enio Squeff - Você acha que Sharon está envolvido?
Indiretamente.
Mas como foi arquitetado?
Os pequenos partidos religiosos funcionam como o fiel da balança na disputa entre os partidos grandes, o
Trabalhista e o Likud. Os dois partidos dependem dos religiosos para conseguir a maioria necessária para dirigir a coligação. Muito bem, os rabinos emitiram uma sentença de morte contra qualquer pessoa acusada de violação da mais importante ordem bíblica, isto é, devolver terras que pertencem aos judeus. Imediatamente depois disso, um grupo da direita começou a fazer cartazes com a cara de Rabin usando a kefieh (xale tradicional árabe) de Arafat, acusando-o de "criminoso", "traidor" - o mesmo que, agora, estão falando a meu respeito. Criaram um clima propício ao assassinato. Estimulavam os radicais. Foi tudo preparado. E o Shimon Peres que assumiu o papel de Rabin como primeiro-ministro, depois que foi
assassinado três meses antes das eleições, em 18 de abril 1996, abriu fogo de canhões contra o campo de refugiados palestinos de Kafer Kana no sul do Líbano, matou 107 cidadãos e feriu muitos, crianças e mulheres. Estava programada para aquele mesmo dia uma exposição de meus quadros em Brasília,
eu tinha até convidado o embaixador palestino, Musa Odeh. Antes, fui para o hotel com a minha mulher para ver o Jornal Nacional, pois me falaram que dariam uma reportagem sobre a exposição. Então, passaram a reportagem sobre o ataque e, de repente, vi que meus quadros sobre massacres viraram
ilustração daquilo que tinha acabado de acontecer. Reagi com horror. Pensei em não ir, não poderia participar de uma exposição dedicada a cinqüenta anos do Holocausto que estava sendo apoiada pela embaixada de Israel. Mas acabei indo, e resolvi fazer uma homenagem de um minuto de silêncio às vítimas do massacre. Encontrei lá o Mussa Odeh. Ele comentou que Shimon Peres tinha promovido o bombardeio para mostrar que os trabalhistas também sabiam reagir contra os palestinos, já que logo haveria eleições em Israel. Eu falei: "Mussa, ele hoje perdeu as eleições". Ele perguntou: "Você tem certeza?" Eu disse: "Absoluta, ele perdeu as eleições para Bibi Netanyahu" e nem a esquerda que apoiava o Rabin, iria continuar nessas condições apoiando Peres. O que tinha acontecido? Esses atentados com homens-bomba praticados hoje ocorreram também em 1993 e 1994, nos mesmos lugares. Tudo a mesma coisa. Rabin dizia, então, que seria impossível garantir o fim de todos os atentados. Mas Israel não poderia se curvar à chantagem, quer dizer, deixar de fazer um acordo de paz por causa dos atentados. Se os terroristas queriam
o fim dos Acordos de Oslo, nossa tarefa seria trabalhar junto com a Autoridade Palestina, contra os terroristas. E o serviço secreto palestino, encabeçado pelo Rajub nesse tempo, estava trabalhando com o serviço secreto de Israel para eliminar os bombas suicidas, porque eles sabiam muito bem que
as provocações levariam para a situação que ocorre hoje. Barak, na época, era assessor dele para a segurança e falou que, se fosse palestino, se revoltaria da mesma forma. Na hora em que venceu as eleições, Bibi Netanyahu declarou que não iria dar prosseguimento aos Acordos de Oslo naquelas condições. Quando estive lá, no fim dos cem primeiros dias em que ele governou, vi na televisão o repórter perguntar a Bibi: passados os cem primeiros dias, o que ele tinha conseguido fazer? "O que eu fiz? Nenhum
homem-bomba apareceu até hoje!" Falei para a minha mulher: "Ele está provocando de novo um homem bomba". Dito e feito. No dia seguinte, fui a Jerusalém encontrar a ex-attachée cultural de Israel em São Paulo no seu escritório no ministério das relações exteriores, a 200 metros do Machane Yeuda, que é uma feira permanente dos judeus iemenitas, um lugar muito gostoso. Sentamos lá, e às 10 horas, pontualmente, estourou uma bomba que provocou dezenas de mortos e feridos. É assim que a coisa acontece. Agora,
ninguém vai me dizer que isso tudo não se torna rotina.
José Arbex Jr. - Vou fazer uma provocação. Acho que você é completamente iludido em relação aos Acordos de Oslo. Porque justamente depois deles, 1993, é que começou a ser implantado o sistema de check points; o PIB caiu 50 por cento na Autoridade Palestina; começaram também as exigências absurdas: o palestino que quiser trabalhar em Israel tem de ter 35 anos de idade, família, filhos, carta de licença fornecida por intermédio de um empregador israelense. O rendimento da família caiu para um oitavo. Oslo piorou a situação dos palestinos. Você enaltece os Acordos de Oslo como se tivessem sido algo positivo, quando na verdade não passam de uma farsa.
Vou dizer o seguinte: sou um velho combatente pela paz. Eu tinha, desde 1950, junto com meus amigos, um sonho: que os árabes e os palestinos aceitassem Israel. Pensávamos num Israel de fronteiras mais reduzidas, com uma Jerusalém bem reduzida. Eu, pessoalmente, gostava bem mais daquele tempo do que agora. É um gosto pessoal. Vou contar uma história. Em 1978 fui convidado para realizar uma exposição em Havana, durante o Festival da Juventude. Tenho um amigo de infância que virou o maior poeta palestino do nosso tempo, Mahmud Darwish. Ele fez parte da minha célula do PC, em Haifa, e em 1973 foi para Moscou. E decidiu entrar para a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), não mais voltar para Israel. O Partido Comunista achou que ele era um traidor: "Nós o enviamos para Moscou e ele nos abandonou". Em Havana recebi um telefonema de Mahmoud. Ele me perguntava se queria encontrá-lo ou se eu ainda estava aborrecido. Respondi que não havia ficado aborrecido, e que iria encontrá-lo. Encontrei-o no hotel Havana
e começamos a conversar. Então eu disse que a declaração da OLP continha um grave erro político, que era propor a destruição de Israel: "Enquanto vocês tratarem Israel como um corpo estranho no Oriente Médio, não terei como defender a causa palestina, nem diante dos meus filhos, nem dos meus amigos, nem dos meus vizinhos, nem de ninguém". Aí, percebi que alguém se sentou ao meu lado, de uniforme e kafiah. Era Iasser Arafat. Ele me disse que eu era um grande artista, mas que, politicamente, era um zero à esquerda. Me contou que três dias antes tinha mandado um assessor dele, Sartawi, a Lisboa para manter um encontro secreto com Shimon Peres. Sartawi foi assassinado por Abu Nidal, palestino extremista contrário à paz e que atua na Síria. E acrescentou: "Você acha que não estamos fazendo esforço para ter
paz com vocês? Deus sabe o tanto que estou lutando para isso. Mas, se eu for levar esse assunto para a Assembléia Palestina hoje, vou receber 18 por cento de apoio. Vão me chutar para escanteio, e não poderei fazer mais nada.
Quem fará paz com vocês? Só eu posso fazer isso. Mobilizamos nossos professores, sociólogos e cientistas políticos para fazer uma simulação das conversações de paz. Sabe qual foi o resultado? Se formos dar as mãos para o chefe do gabinete do Partido Trabalhista, ele não vai aceitar; o chefe do Likud tampouco. Sabe por quê? Por duas razões. Primeiro, Israel conta com uma imensa ajuda no mundo, que o vê cercado por milhões de inimigos árabes. Quando houver a paz, toda essa ajuda será reduzida. Além disso, dentro de
Israel vocês têm muitos grupos oriundos de várias partes do mundo: do Oriente Médio, da Inglaterra, da Europa Oriental. Um quer arrancar os olhos e os cabelos do outro. A única coisa que une todo mundo, dentro de Israel, é a questão da segurança. Cada vez que as tensões internas aumentam, vocês abrem fogo contra os palestinos. Toda a economia de vocês está baseada na guerra. Enquanto essa situação perdurar, não haverá chances reais de paz".
Eu respondi: "Faça a prova. Se você conseguir aumentar a porcentagem de apoio para a paz com os palestinos, também poderemos fazer a nossa parte. Não tenho certeza de que você esteja certo, mas vamos tentar. E, se tudo der certo, seja bem-vindo ao lar!" Conversamos mais um pouco, trocamos um aperto
de mão e ele foi embora. Dez anos depois disso, em 1998, Arafat foi convidado para participar da Assembléia Geral da ONU que se realizou em Genebra. Os Estados Unidos não permitiam sua entrada em Nova York, por considerá-lo "terrorista". Foi nessa assembléia, em Genebra, que ele ofereceu um ramo de oliveira aos "primos israelenses", em nome da paz. Todo mundo aplaudiu, mas, no outro dia, mesmo o Haaretz, o mais liberal jornal de Israel, deu apenas uma nota e em tom irônico, dizendo ser "estranho" que
Arafat, de um lado, segurava o ramo de oliveira e, do outro lado, tinha um revólver. Mandei uma carta para o Haaretz, publicada dois dias depois, para observar que, se ele tinha o revólver, nós tínhamos a bomba atômica. É essa, mais ou menos, a assimetria de forças. Sadat costumava dizer que era necessário criar um momentum para quebrar o preconceito terrível entre os dois povos. Os Acordos de Oslo foram um desses momentos, com todas as dificuldades implícitas. É preciso criar o momentum. O importante é criar esse clima. Oslo é ruim, mas é a primeira etapa para conhecer as possibilidades de os dois povos ficarem juntos. Depois de Golda Meir chegar a proclamar que não existe o povo palestino, já foi um grande passo aceitar
a existência do povo palestino, assim como eles aceitarem o povo de Israel.
Sérgio de Souza - Como se dá a discussão, na comunidade israelita brasileira, a respeito da situação atual? Quem está pró, quem está contra?
Foram formados dois movimentos importantes, o grupo Taba, do qual participo, e o Shalom Salam Paz, com a participação de uma minoria bem pequena da comunidade judaica brasileira. Tenho a impressão de que agora começamos a entrar em uma nova etapa, depois da proclamação do Congresso do Likud contra
a criação do Estado palestino. Há um ano e meio, fui convidado para o movimento Shalom Salam Paz, para tentar esclarecer um pouco a comunidade judaica sobre os acontecimentos desde a morte de Rabin. A liderança da comunidade judaica brasileira optou por tomar a atitude de apoiar qualquer ato do governo israelense. Nós falamos "não". Existem situações em que os governos erram. Nem é necessário recuar 55 anos na história, basta lembrar a ação dos Estados Unidos no Vietnã...
Verena Glass - Quem é a liderança?
Nathan Berger, Berel Eisenstein e outros que me criticaram da forma mais baixa possível, negando minha origem judaica. O que é ser judeu? Não resolveram isso em Israel, e não vão resolver aqui. O que é isso? Onde estamos? Como eles podem dizer que são melhores judeus do que eu? Alguns deles falam que os judeus são os melhores, e os ruins são os árabes. Brincadeira! Esse negócio de imputar uma culpa coletiva a todo um povo... Quem mais sofreu com isso foram os judeus! Eu, para manter a minha integridade psicológica, precisava tomar alguma posição, não acredito no que está acontecendo. Penso que vou enlouquecer cada vez que me olho no espelho. Não posso aceitar aquilo que eles dizem, que existe uma verdade para dentro de Israel e outra para cá, fora de Israel. Podem falar isso lá, mas aqui não... Por que? Você quer mentir, blefar, enganar a comunidade daqui? Os judeus não podem atacar o governo de Israel? Mas os americanos não atacaram o governo dos Estados Unidos no tempo do Vietnã? E daí? Foram por isso antiamericanos? Não, ao contrário! Antiamericanos foram aqueles que promoveram a Guerra do Vietnã. E aqueles que criticaram a atuação da França na Argélia? Sartre, Simone de Beauvoir, Camus - todos eles são traidores da França? Se ser traidor significa fazer parte do mesmo tipo de movimento,
como Sartre e como aqueles que se opuseram à Guerra do Vietnã, então estou orgulhoso de ser "traidor". Todos esses ataques contra mim não foram sobre nada do que escrevi, ninguém falou que errei, porque eles sabem que eu era justo no que estava escrevendo. Então, qual o problema? A comunidade aqui não gosta de ouvir a verdade. Há pouco estive na Inglaterra e li no Guardian uma pesquisa séria sobre o pensamento da população européia a respeito de Israel - o resultado foi uma opinião muito desfavorável sobre o tratamento dado aos palestinos. Não sou grande político, mas, como humanista, acho uma vergonha aceitar essa linha do Likud - e esse é o novo dado da conjuntura -, que há pouco realizou um congresso no qual, por maioria absoluta, decidiu rejeitar por toda a eternidade a possibilidade de criação de um Estado
palestino com base em um território que vai do mar até o rio Jordão. Sabe o que isso significa, se essa linha for aceita pelo Estado? Vai ter uma guerra para a eternidade, até que um povo elimine o outro.
Enio Squeff - Podem aprovar essa resolução no Parlamento, os deputados do Likud mais os da direita religiosa?
O Likud aproveita a situação para mostrar uma posição de força. Pretende atrair a admiração e o apoio de uma parte da população, do mesmo jeito que, num lugar que nem vou mencionar, um sujeito conseguiu convencer a população de seu país sobre a necessidade e a legitimidade de anexar as áreas de outros países...
Maria Luísa Mendonça - Você disse que para Israel não interessa a paz. O que você acha da posição do governo dos Estados Unidos?
Não que o governo de Israel não queira a paz, o que ele não quer é o Estado palestino. Se pudéssemos arrumar a paz sem o Estado palestino... Quanto ao governo dos Estados Unidos, logo depois do atentado de 11 de setembro, dia do meu aniversário, pensei na hipótese de que George Bush sabia bem antes o
que ia acontecer. Hoje, ele está sendo publicamente acusado disso. Não quero ficar especulando, mas é bom lembrar que eles sacrificaram John Kennedy e mataram todas as testemunhas diretas do seu assassinato. Acho que não é necessário falar mais nada.
José Arbex Jr. - Você começou a dizer algo sobre a comunidade judaica, uma nova fase do trabalho após o congresso do Likud, e acho que não concluiu o pensamento...
Acredito que a resolução do congresso do Likud contra um Estado palestino introduziu algo completamente novo na conjuntura: contribuiu para esclarecer a questão. Hoje existem os que são contra o Estado palestino e os que aceitam a fórmula "dois Estados para dois povos". Acredito que mais de 60 por cento da população de Israel esteja a favor da criação do Estado palestino. Então, é diante dessa questão que todos têm de se posicionar. Os grupos Taba e o Shalom Salam Paz já cumpriram as suas tarefas, que era de
esclarecimento sobre o que estava em jogo. Agora está tudo muito claro. Acho que temos de formar um novo movimento, que poderia se chamar Dois Estados para Dois Povos. Nossa proposta é reunir poetas, artistas plásticos, fotógrafos, filósofos e acadêmicos dos dois lados para promover intercâmbio de cultura, de livros, tradução de poetas israelenses para o árabe e para o português, traduzir os árabes também, fazer exposições e lançar uma nova possibilidade de aprofundar o entendimento dentro dos dois povos.
Sérgio de Souza - O que Henry Sobel pensa disso tudo?
Ele é um dos melhores líderes que conheci, mas, assim como não posso renunciar à minha identidade israelense, ele não pode ignorar o fato de que é um representante da comunidade judaica. Ele mostra uma grande coragem ao afirmar abertamente que apoiar o Estado de Israel não significa apoiar Ariel Sharon, e que não apóia Sharon. Se você comparar a posição dele com a de outros líderes da comunidade, verá que ele é incomparavelmente superior. Mas um líder como ele não pode apoiar qualquer coisa. Repito: não é verdade que qualquer alemão que vivesse fora da Alemanha deveria apoiar o 3o Reich só por Adolf Hitler ter sido eleito democraticamente. Volto sempre a essa questão, porque na Alemanha os judeus sentiram o que é sofrer um processo de condenação coletiva, a mesma coisa que Israel está impondo aos palestinos.
Verena Glass - Por que você veio para o Brasil?
Venci um concurso promovido pela TV Tupi, em 1959. Vim executar o trabalho. Trabalhei com o Pietro Bardi, com o Guarnieri, Juca de Oliveira, Augusto Boal e fiquei emocionado com os brasileiros.
Enio Squeff - Todos os comunistas...
Depois encontrei o Mário Schenberg, o Villanova Artigas. Participei da mesma célula do Partido Comunista com todos eles. Um grande amigo foi o Oscar Niemeyer. Fiquei apaixonado pelos brasileiros. O Arbex vai falar que sou louco, mas eu digo que aqui não tem problema racial, tem problemas mais de situação econômica. Ninguém vai começar a te xingar porque você é japonês... Tem uma mistura na população que inviabiliza o racismo. O problema é econômico e social.
Verena Glass - Conta como você fugiu do Brasil, após o golpe de 1964.
Eu era membro de uma célula do Partido Comunista (PCB), com o Mário Schenberg, Artigas e mais três ou quatro. No dia 30 de março de 1964 o Artigas recebeu um telefonema do Luís Carlos Prestes dizendo que a gente deveria queimar todos os documentos que tivesse, para a polícia não encontrar nada, pois ia ter um golpe naquele mesmo dia. Quando ouvi aquilo, fui correndo para a minha casa, na Vila Mariana, onde tinha o ateliê, com um forno de cerâmica. A última coisa que fiz nesse ateliê foi um painel em cerâmica para o Hospital Santa Casa de Campinas, está lá até hoje. Aí peguei todos os documentos do partido, todos os panfletos e joguei no forno de cerâmica, fiz uma fogueira. Tinha também uma garagem fechada, onde eu
colocava o meu carro. Aí, a Zuleima, do grupo de dança do Solano Trindade, do Embu das Artes, que fica a 20 quilômetros de São Paulo, chegou em casa e disse que estava fugindo, o Exército tinha cercado o Embu. De repente, vi por uma fresta da janela que três homens estacionaram um camburão diante de
casa. Eles perguntaram aos vizinhos onde estava o "alemão com óculos". Os vizinhos salvaram as nossas vidas: disseram que eu estava fora. Os policiais ficaram por lá, esperando. Peguei minhas coisas, fiquei preparado para fugir, até que a Zuleima disse: "Eles saíram, acho que foram tomar café".
Era o momento de fugir. Coloquei a Zuleima no porta-malas e fui embora. Fiquei escondido na casa de amigos meus, meu nome saiu numa lista imensa de "procurados", publicada no Estadão. O amigo me disse: "Olha, você corre muito perigo. Eles estão querendo mostrar que vieram estrangeiros para o Brasil, para virar a nossa cabeça. Pegaram chineses, muitos estrangeiros". Então eu não podia sair por aeroporto ou estação rodoviária. Me ajeitei no banco de trás do carro dele e ele jogou uísque em cima de mim - se alguém nos parasse, ia dizer que eu era seu amigo e que tinha bebido demais, estava passando mal e ele estava me levando para casa. Fomos para o Rio de Janeiro. Só que era a sexta-feira do Purim, o carnaval judeu. Liguei para a embaixada israelense, que ainda era no Rio, e me responderam que era feriado, não
poderiam me atender, e que eu esperasse até segunda-feira. Respondi que não poderia esperar, que iria imediatamente. Consegui forçar a entrada na embaixada. Fui conduzido a uma biblioteca, onde um funcionário me interrogou. Expliquei que era ligado ao Niemeyer e à turma que estava sendo procurada pelos militares. "Mas quem mandou você se ligar a esse pessoal?"
Fiquei irritado com o autoritarismo do rapaz. Eu disse: "Olha, aí atrás de você estou vendo que tem uma enciclopédia de Israel. Faça uma pesquisa nos verbetes e vai encontrar o meu nome". Pronto. Foi o suficiente para ele se dispor a colaborar. Arrumaram um vôo da Lufthansa para a Suíça, que sairia
do Rio na segunda-feira. E me disseram: "Você vai sozinho, de táxi, e nós vamos atrás". Arrumaram duas malas cheias de tranqueiras, pois seria muito suspeito viajar sem bagagem, e fomos para o aeroporto. De repente, no aeroporto, a Polícia Federal me chamou. Queriam saber se eu tinha comprovante do pagamento do imposto de renda. Respondi que estava saindo às pressas do Brasil, que meu pai estava quase morrendo, mas iria voltar logo. Disseram que iriam consultar São Paulo. Ainda bem que a burocracia de São Paulo não queria saber de problemas, e deixaram que eu embarcasse. Quando cheguei no hotel Dan, de Tel Aviv, encontrei o Oscar Niemeyer. Ele estava trabalhando em um projeto do governo israelense. Viajou para Israel de navio, nunca viaja de avião. Ele me perguntou: "Mas o que é isso? O que está
acontecendo no Brasil?" Respondi que a coisa era séria. "Ah, mas, se eles vierem me investigar, vou responder que já sou bem velho e que é tarde demais para mudar minhas idéias." Há três anos, quando eu estava no Rio de Janeiro, recebi um telefonema do Oscar: "Você está no Rio? Venha ao meu escritório, que tenho uma surpresa para você". Fui. Eram umas 4 da tarde, quando entraram dois gigantes; atrás deles vinha um homem e atrás outros dois gigantes. O homem no meio era o Fidel, que estava visitando o Oscar.
Daí ele abraçou nós dois. Se eu já me sinto muito pequeno perto do Fidel, imagine o Oscar. Batia na sua cintura! Aí Fidel disse: "Sabe qual é a minha impressão? Nós somos os três últimos comunistas do mundo!" E Oscar acrescentou: "Aos 90 anos não tenho condições de mudar minha visão política". Então lembrei que trinta anos atrás, quando nos encontramos em Tel Aviv, ele disse a mesma coisa...
José Arbex Jr. - Voltando a Israel: o que você acha que vai acontecer?
Apesar de tudo, as perspectivas estão melhores agora do que há algum tempo. É preciso levar em conta o impacto na democracia provocado pelas mudanças demográficas em Israel. Os russos, que começaram a chegar em grande quantidade a partir dos anos 90 - e o Haaretz diz que a maioria deles nem é formada por judeus -, já chegam com a cabeça feita. Para eles, os terroristas, os tchetchenos, os palestinos, a KGB (antiga polícia política soviética), os funcionários do PCUS (antigo Partido Comunista da União
Soviética) são todos a mesma coisa. Chegam a Israel sem preparação nenhuma.
Só que as leis israelenses garantem a todos os imigrantes judeus o direito de participar imediatamente da vida política do país, sem passar por qualquer período prévio de vivência, pelo menos o suficiente para entender o que está acontecendo. Acho que é o único país do mundo onde acontece isso. É inacreditável o que acontece em Israel. Existem dois partidos extremistas de direita russos! Imagine se nos Estados Unidos alguém pode criar um partido russo, ou japonês, ou sei lá. A cena que me deixou mais irritado aconteceu
quando cheguei em minha cidade. Caminhando pela rua principal, vi que só se falava russo. Eu me sentia em Moscou. Alguém me pediu uma informação em russo e, como eu não falava o idioma, o sujeito ficou irritado. Até aí, tudo bem, isso não me atrapalhava em nada. O problema é que vi um cartaz pedindo
a morte de Arafat; ao lado, outro cartaz qualificava Rabin e os outros que participaram dos Acordos de Oslo como "criminosos". Passavam um abaixo-assinado pedindo ao governo que mandasse os palestinos para a Jordânia. E quem estava fazendo isso eram os alunos da escola mais importante de Israel, colégio Reali, onde Rabin estudou, uma escola que tem mais de oitenta anos. Eu mesmo dei aula nessa escola, de 1972 a 1980. Esses alunos, jovens de 17, 18 anos, já estão quase prontos para servir o Exército. Fiquei louco. Eu disse aos jovens: "Esse pessoal não sabe o que está fazendo. Eles quase não falam o hebraico. Não entendem nada. Será que vão ensinar para vocês aquilo que é melhor para Israel?" Me mandaram embora!
Fui acusado de "arafatista"! E o pior é que existe um clima de medo entre aqueles que pensam diferente. Amigos meus que têm posição semelhante à minha preferem ficar quietos, para não ser perseguidos. Muitos se afastaram de mim. Fui criticado por eles por ter acompanhado uma delegação de deputados brasileiros, em abril último. Tudo isso é provocado pelo medo de externar uma posição contrária ao senso comum.
José Arbex Jr. - Conta a história do teu amigo professor universitário que está sendo perseguido.
O professor Ilan Pepe, da universidade de Haifa... Ele formou a geração dos novos historiadores israelenses. São conhecidos como "os revisionistas". Eles estão levantando documentos que estão mudando a historiografia oficial. Muita coisa nova está vindo à tona. Versões consagradas de nossa história estão sendo questionadas. É uma geração de historiadores muito importante. O que está acontecendo é inédito. Estão fazendo um processo contra Pepe, para afastá-lo da universidade. O seu "crime" é o de apoiar os alunos que estão fazendo o levantamento dos massacres praticados pelo Exército de Israel na aldeia árabe de Tantura. É uma coisa bem pesada. E acho que os mais novos números levantados pelas pesquisas de opinião pública indicam que 63 por cento dos israelenses apóiam a fórmula "dois Estados para dois povos". Além disso, as coisas se tornaram mais claras. Não é mais necessário explicar o que é a ocupação ilegal dos territórios ou essa coisa toda complicada que a gente tem de explicar e que muitas vezes ninguém acredita. Agora, você tem de, simplesmente, tomar posição sobre uma questão clara: você é contrário ou favorável ao direito de os palestinos terem o seu Estado? Todos aqueles que me mandaram mensagens dizendo que sou um "inimigo de Israel" esqueceram duas palavrinhas: Grande Israel. Sou um israelense orgulhoso da minha pátria e um grande inimigo do Grande Israel. O palestino que apóia a idéia dos dois Estados soberanos é meu parceiro. O palestino que luta pela Grande Palestina é meu inimigo. Primeiro, vou tentar convencê-lo. Se for impossível, vou tentar combatê-lo, de todas as maneiras possíveis. Isso precisa ficar bem claro. O mesmo se aplica ao israelense que apóia o Grande Israel. Estamos aqui falando de uma coisa muito séria, do destino de dois povos maravilhosos. Eu me sinto mais "estrangeiro" quando converso com israelenses que têm uma posição perigosa, de defesa do Grande Israel, do que entre meus grandes amigos árabes que aceitam a idéia dos dois Estados soberanos. Acho que Theodor Herzl queria um Estado em que os judeus vivessem como pessoas normais, como trabalhadores, operários, gente comum. Não acho que Herzl queria uma situação em que, para Israel existir, tem de impor a um trabalhador palestino uma situação em que, para manter o seu emprego em Israel, tem de sair de casa, do campo de refugiados de Gibaliah, em Gaza, às 3 horas da manhã, para chegar até o checkpoint "Erez" dois, enfrentar uma fila enorme no checkpoint , e só conseguir chegar às 10 horas da manhã no seu local de trabalho; e aí ele só pode ficar até as 2 da tarde, pois terá de voltar para casa porque não pode ficar em Israel após o pôr-do-sol... É uma tortura diária! E quanto ele leva de dinheiro para casa? Não, não foi o sonho de Herzl que os israelenses construam suas casas e sua economia graças à exploração do trabalho palestino, graças à tortura. Vou falar uma coisa muito importante agora. Em 1983 eu era presidente do Conselho dos Artistas Plásticos de Israel. Um dia, o pintor palestino Suleiman Mansur - cuja exposição está aqui, na Bienal, o que me deixa muito orgulhoso - marcou uma visita, à minha casa, junto com os artistas plásticos palestinos Issam Bader e Anani . Convidei também outros membros do conselho. Aí eles me disseram que estavam impedidos de promover exposições em Jerusalém, Ramallah, Gaza. "O regime militar não deixa!" Pedi para ver os quadros que eles queriam expor. Fui com dois amigos para Ramallah. Mansur recolheu obras de dez ou quinze ateliês. Vi que se tratava de natureza morta, paisagens, evidentemente algumas obras de conteúdo político. Decidimos que as Casas dos Artistas de Israel, em Haifa, Jerusalém e Tel Aviv, abririam suas portas a essa exposição. Foi uma bomba! Sofremos pressões dos prefeitos, dos partidos. Mas conseguimos. Até que, um dia, o vice-presidente do Parlamento, membro do Likud, quebrou um quadro exposto. Eu sabia que isso poderia
acontecer, e já tinha alertado a polícia. Ele foi detido! No quadro, identificou a cara dele mesmo. Por isso ficou com tanta raiva. Aproveitamos a situação para abrir uma discussão no Parlamento. Com isso, começou a ser estabelecida uma relação de confiança entre nós e os palestinos. Aí começaram os encontros e os debates. Levei meus amigos - o poeta Nathan Zach e os escritores A.B. Yeoshua e Amos Oz entre outros. Foi desse processo que saiu um manifesto, em 1988, assinado por artistas israelenses e palestinos.
Você não imagina o que significou esse manifesto. Em Israel, só o Haaretz o publicou. Essa foi a base de Oslo. Sem isso, não haveria Oslo. Só esse tipo de intercâmbio pode mostrar que os palestinos não são demônios, são pessoas como nós. Três anos antes, em 1980, recebi um telefonema do presidente da
Casa dos Artistas Plásticos de Jerusalém, Chedva Shemesh, que é da UNESCO, dizendo que, em Gaza, Fathi Raban, um artista palestino, tinha sido preso pelo governo de Israel por ter pintado um cavalo subindo em um muro com as cores da bandeira palestina. Condenado a seis meses de prisão! Eu disse que não acreditava naquilo. Enchemos um ônibus em Jerusalém e outro em Haifa, e fomos para Gaza. Ele estava preso, mas a mulher dele estava em casa. Vivia com seis filhos, estava no fim de mais uma gravidez, em um pequeno cubículo. Ela tinha 24 anos e ele 26 anos. Uma pobreza extrema. O quadro tinha sido confiscado. Vimos, depois, que realmente era um cavalo subindo no muro com as cores da Palestina. Aí eu pintei uma melancia partida. Eram as cores da bandeira da Palestina! Quando chegaram os oficiais, perguntaram o que eu estava fazendo. Disse: "Estou pintando as cores da bandeira palestina. Será que vou para a prisão?" Ele respondeu que as leis não se aplicavam a mim, que havia leis para "nós" e para "eles". O famoso apresentador da televisão oficial Amos Arbel filmou tudo. Na mesma noite, a notícia estava circulando
por todo o país. As autoridades resolveram libertar o rapaz, a pretexto de um "perdão" concedido por ser dia santo. Foram coisas assim que permitiram os Acordos de Oslo. Acho que temos de insistir nisso. Vamos lançar o movimento Portas Abertas: dois Estados para dois Povos.
Sérgio de Souza - E existe uma comunidade palestina no Brasil?
Existe, vocês deveriam entrevistar algum representante deles. Agora, vou ser sincero. Há alguns problemas quando tentamos unir israelenses e palestinos. Por exemplo, a questão do direito de retorno de todos para a terra deles. Do ponto de vista humano, esse direito é inquestionável. Não há como negar. Entretanto, bater nessa tecla, hoje, é criar um problema insolúvel. É uma receita para o desastre. Acho muito duro ter de dizer isso a um palestino, mas essa é a verdade. Assim como eu disse para Arafat, há duas décadas, que a Carta de Fundação da OLP criava um problema intransponível ao tratar Israel como um corpo estranho no Oriente Médio - e agora o governo Sharon está fazendo o possível e o impossível para permanecer como "corpo estranho" . Olha, em 1994, quando fomos visitar Arafat em Gaza, ele estava na mesa, levantou, chamou-me ao seu lado, abraçou-me e disse: "Bem-vindo ao lar". A mesma frase que eu havia dito em Havana, em 1979.
Carlos Tranjan - Falando em que língua?
Em inglês. Ele me levou para o meio da sala, me abraçou e falou: "Welcome home". Então eu disse: "Você ainda se lembra disso?" "Como não? Why not?", ele respondeu. "Foi em Havana." E lembrei o que ele havia dito em 1979. "Tem dois israelis que me impressionaram: o primeiro foi você, que falou "Welcome home" quando a gente ia aceitar o Estado de Israel; o segundo foi Urainev, em Beirute, em 1982, em 1982, quando entrou dentro do meu bunker e falou a mesma coisa.
José Arbex Jr. - Você estava falando que o direito de retorno dos palestinos, hoje, é inviável...
Já foi discutido isso no Taba, antes que Barak pusesse em andamento uma solução. A gente propunha isso em etapas, dando oportunidade primeiro para os grupos que ainda têm familiares lá. Mas isso não é uma coisa principal. Se fizer disso o principal, você vai causar problemas. É uma coisa que a gente precisa, com bom senso, resolver, na medida em que realmente os dois lados vão querer. Mas com o governo atual não dá.
Maria Luísa Mendonça - O senhor falou da dificuldade de negociar o retorno dos refugiados palestinos. Qual é a sua opinião sobre os colonos judeus instalados em território palestino?
Sobre os assentamentos, minha posição é clara: deveriam desmontar todos os assentamentos israelenses que estão nos territórios palestinos, do contrário não haverá paz. A paz depende de cada um estar em seu território.
Principais obras, exposições e prêmios:
1954 Diplomado pela Academia de Arte Bezalel, Jerusalém.
1955 Exposições individuais no museu de Tel Aviv.
1956 Exposição no museu de Haifa, Israel.
1957 Medalha de ouro e prêmio de aquisição das gravuras da Exposição
Internacional, Moscou. Exposição no Stedelÿk Museum, Amsterdã.
1958 Assistente na Academia de Belas-Artes, Munique.
1959-1964 São Paulo, Brasil. Mosaico para as fachadas da TV Tupi (hoje MTV),
bairro do Sumaré. Vitrais para a sinagoga da Congregação Israelita Paulista.
Fachada do Estádio do Palmeiras. Murais, afrescos, mosaicos e pinturas em 26
edifícios residenciais de São Paulo.
1962 Litogravuras para o poema "Cruzada das Crianças", de Bertolt Brecht,
Editora Brasiliense. Exposição de litogravuras na Galeria Ambiente, curadora
Radha Abramo. 1963 Prêmio da Bienal de São Paulo, categoria Artes Gráficas,
com as ilustrações para "Cruzada das Crianças".
1965-1985 Conselheiro de arte da prefeitura de Haifa, Israel. Professor da
Academia de Arte Bezalel, Jerusalém, e Technion de Haifa.
1966 Exposição individual no Museu Pushkin, Moscou.
1972 Exposição na Galeria Simplizisimus, Munique, Alemanha.
1973 Monumento aos Refugiados no Museu dos Refugiados.
1974-1975 Monumento aos Soldados Mortos, praça do Hospital Hacarmel, Haifa.
1977 Monumento do Dia da Terra para as aldeias árabes na Galiléia. Prêmio de
pintura, Exposição Internacional em Havana, Cuba.
1980 Prêmio de gravura da Bienal de Artes Gráficas de Berlim.
1983 Primeiro prêmio no concurso para monumento dedicado à derrota do 3o
Reich. 1985 Monumento do "Hagar", marco de referência da primeira refugiada
palestina.
1988 Primeiro prêmio para baixo-relevo do 70° aniversário da Histadrut,
Central Sindical Nacional Israelense.
1989 Exposição de Metamorfoses, dedicada à orquestra dos campos de
extermínio, Museu de Arte Moderna de Haifa.
1988-1992 Execução do monumento dedicado à derrota do 3o Reich.
1995 Exposição Vestígio, no Paço das Artes, São Paulo.
1996 Exposição Vestígio, Pinacoteca, Santos.
1997 Exposição Vestígio, Funarte-Museu de Belas-Artes, Rio de Janeiro.
Galeria permanente de gravuras dedicada ao Holocausto no Palácio do Governo
do Estado de São Paulo.
1998 Exposição Social/Realismo, Museu de Arte Moderna de Haifa, Israel.
Escultura para a praça Cinqüentenário de Israel, São Paulo.
2000 Exposição "Quando os Canhões Trovejam as Musas não se Calam", no
edifício do antigo DOPS.
http://www.ecomm.com.br/carosamigos/da_revista/edicoes/ed63/entrevista.asp
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