10 de janeiro de 2013

BRASILEIRO CRIADO EM ISRAEL DESCOBRIU POR ACASO QUE FOI ADOTADO DE FORMA ILEGAL

Para psicólogos, adoção "torta" pode provocar traumas

Fonte: Diário Catarinense
Mônica Foltran, enviada especial/Israel

Aos 15 anos de idade, Ron Yehezkel descobriu que não sabia nada sobre sua origem. A crescente desconfiança de que era adotado foi confirmada quando encontrou no quarto dos pais os papéis do registro em cartório oficializando sua entrega por parte da mãe biológica para a família europeia. A revelação caiu como uma bomba em sua vida. Seu passado de repente se tornou obscuro. Passou a se sentir estranho e sozinho. Angustiado procurou seus pais mas, eles apenas confirmaram a adoção e se negaram a falar sobre o assunto.
- Eu criei coragem para confrontar meus pais sobre esse assunto, e eles admitiram que eu sou adotado. Mas, até hoje, não querem cooperar, contar mais coisas - diz Yehezkel em sua casa em Haifa, Israel.
Com os documentos em mãos, começava então uma longa busca por respostas. Ron procura pela família biológica no Brasil há 11 anos. Em Pelotas, no Rio Grande do Sul onde nasceu, surgiu a primeira pista em março deste ano. A moradora na cidade, Ceci Gomes da Silva, 68 anos, viu uma foto de Yehezkel em um jornal local e o achou parecido com um filho seu, também adotado. Foram enviadas para ele fotos de um suposto irmão, Giovane Gomes da Silva, 30 anos, que trabalha como segurança na Capital.
- Vejo algo nos olhos dele que se parece com os meus. Gostaria de fazer um teste de DNA e, caso positivo, estaria disposto a viajar ao Brasil para conhecê-los - conta o futuro advogado.
Probabilidade de ser a mãe biológica é pequena

A realização de um exame de DNA ainda não foi acertada. Em sua casa, em Pelotas, Maria Amélia de Jesus, a suposta mãe biológica, conta que realmente entregou um bebê para adoção em 1986.
- Eu não tinha condição de criar - conta Mária Amélia.
Maria Amélia virou evangélica e sofreu um derrame há pouco mais de uma década. Diz não fazer questão de conhecer o possível filho por não saber como ele reagiria. Os dados presentes nos documentos disponíveis, porém, sugerem que a possibilidade de Yehekzel ter encontrado a mãe biológica é pequena: o nome materno que consta nos papéis é Maria Lemos, e a data de adoção do jovem aparece como 16 de setembro, enquanto Maria Amélia sustenta que deu à luz em novembro de 1986.
Procurada pela reportagem da sucursal da RBS (Zero Hora) no Rio Grande do Sul, a direção da Santa Casa de Pelotas não forneceu informações sobre a possibilidade de Yehekzel ter nascido no local. Todas as pesquisas feitas pelo Serviço de Arquivo Médico são realizadas somente via ação judicial, que deve ser movida pelo próprio paciente.
A despeito das incertezas, Yehezkel diz ter orgulho de ser brasileiro, está casado há cerca de um ano e pretende, em breve, ter um filho.
Ron Yehezkel, 26 anos
Nasceu em: 01.09.1986
Cidade: Pelotas, RS
Mãe biológica: Maria Lemos
* Colaborou reportagem do Jornal Zero Hora do Rio Grande do Sul
Adoção "torta" provoca traumas, dizem psicólogos

Para psicólogos que lidam com adoções, traumas refletem consequências de uma adoção considerada "torta" – fora dos cuidados. Mentiras e a forma errada como contaram aos filhos geraram dores.

– É horrível a criança descobrir que foi adotada e, pior ainda, descobrir que mentiram para ela sobre suas raízes – observa a psicóloga Denise de Araújo Vosnika, de Curitiba, que lida com o tema.

O olhar e o tom de voz tristes revelam as incertezas que marcam a vida de Yael Stein. Bonita, "mas infeliz", como se audefine, aos 24 anos lembra como sua vida foi marcada por "tristeza e raiva". A revolta por ter sido entregue em condições ilegais resultou em inseguranças.

– O sonho é conhecer minha verdadeira família. Seus documentos, com duas datas de nascimento, são um atestado dessa confusão. Certidão e caderneta de saúde têm datas diferentes: 1º de fevereiro e 13 de março de 1988. A origem também é polêmica. Ela acredita ter nascido em Joinville, mas a certidão aponta Campo Largo, no Paraná. Ela reconhece que tem uma boa vida em Israel, mas isso não supera a dor do passado desconhecido.

– Não gosto de Israel. Quero morar no Brasil, porque acho ser o melhor lugar do mundo – diz Yael. Shiri Shinfouks vive uma confusão semelhante. Adotada com 12 dias de vida, tem documentos de Curitiba, mas a carteira de saúde aponta o nascimento na Maternidade Darcy Vargas, em Joinville. Da mãe adotiva, ouviu que teria sido entregue numa casa "próxima a Joinville".

Shiri, a dona do pezinho carimbado na caderneta de saúde acima, foi adotada em outubro de 1984 por um casal israelense tão decidido que permaneceu três meses negociando no Brasil, até retornar com a menina. Em Curitiba, teriam ficado sabendo "das facilidades" para adotar crianças e, por indicação, se hospedaram em um conhecido hotel daquela capital, que a Polícia Federal identificou, na época, como um ponto de atração do trafico de bebês.

Hoje Shiri ouve da mãe adotiva que ela se parece muito com a mãe biológica. E por isso vive na frente do espelho, olhando suas feições e se perguntando:

– Por que estou aqui. Por que ela me entregou – questiona a jovem de pele clara e traços europeus.

Em seus documentos constam o nome de Luciana Mara de Araújo como mãe. No lugar reservado ao nome do pai, o termo "ignorado".

SITE NO BRASIL AJUDARÁ NA LOCALIZAÇÃO DE ENVOLVIDOS NO TRÁFICO INTERNACIONAL DE BEBÊS PARA ISRAEL E EUROPA OCORRIDO NA DÉCADA DE 80

Na página Órfãos do Brasil, o internauta encontra as ferramentas para fazer a sua procura
Fonte: Diário Catarinense
Órfãos do Brasil10/08/2012 | 07h48

Janaína Cavalli

Em sua busca, Lior Vilk, de 26 anos, pediu ajuda ao Brasil, mas só ouviu respostas evasivasFoto: Julio Cavalheiro / Agencia RBS

O futuro advogado Ron Yehezkel, de 26 anos, nasceu no Rio Grande do Sul e agora vive em Israel, onde desfila com camisa da Seleção BrasileiraFoto: Julio Cavalheiro / Agencia RBS

diario.com.br lança nesta quinta-feira uma ferramenta para auxiliar no reencontro de mães e filhos separados pelo tráfico de bebês, que ocorreu no na década de 1980, no Brasil. A seção Procura- se já tem o perfil de oito pessoas que, vendidas para famílias israelenses, esperam conhecer suas mães biológicas brasileiras.

A seção foi criada depois que a primeira de uma série de reportagens intitulada Órfãos do Brasil foi publicada no Diário Catarinense, no último domingo. A repórter Mônica Foltran começou a receber várias ligações de mães que disseram ter vendido seus filhos para a operação criminosa que operava na época e que expressaram o desejo de recuperar o contato. A ideia da página é divulgar a procura das mães e de seus filhos.

Como a reportagem apurou a realidade dos catarinenses vendidos para famílias de Israel, a página também está disponível nos idiomas hebraico e inglês. O editor- chefe Digital do DC, Marcelo Fleury, afirma que o Procura- se deverá ser divulgado também em Israel, começando pelo grupo de filhos que buscam pelas suas famílias biológicas em outros países.

Para conhecer ou participar da iniciativa, basta acessar o diario.com.br. Na editoria de Geral, entrar no site Órfãos do Brasil. O Procura- se vai estar visível logo no topo da página. A seção também dará os contatos, no DC, para quem quiser expor a sua procura.

No último domingo, o Diário Catarinense deu início a uma série de reportagens que, 25 anos depois do tráfico de bebês no Brasil, mostra como estão os filhos brasileiros vendidos para famílias israelenses. A repórter Mônica Foltran e o fotógrafo Julio Cavalheiro foram até Israel e perceberam, nos agora adultos, com idades entre 25 e 28 anos, uma profunda crise de identidade e vontade de conhecer suas famílias biológicas.

Quadrilhas formadas por advogados, juízes, médicos, entre outros profissionais, conseguiam de US$ 10 mil a US$ 40 mil pela venda de um bebê no exterior. De 1985 a 1988, a operação comercializou um volume estimado de 12 mil crianças, a maioria delas catarinenses e paranaenses.