Em poucas horas, milhares de terroristas invadiram comunidades do sul do país, assassinaram civis, estupraram mulheres e meninas, incendiaram casas, sequestraram famílias inteiras, deixando um rastro de destruição e trauma
O ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 marcou o episódio mais violento da história recente de Israel. Em poucas horas, milhares de terroristas invadiram comunidades do sul do país, assassinaram civis, estupraram mulheres e meninas, incendiaram casas, sequestraram famílias inteiras, deixando um rastro de destruição e trauma.
Em meio ao caos, sem reforço imediato do Exército e com sistemas de emergência entrando em colapso, milhares de israelenses comuns reagiram de forma extraordinária. São histórias de coragem e solidariedade. Alguns salvaram vizinhos e estranhos, enfrentando os invasores armados. Outros correram para as zonas de perigo, realizando resgates improvisados. Rapidamente, foram montadas redes de apoio com centros de acolhimento e de apoio psicológico, doações em massa, montagem de centros para providenciar refeições para soldados e deslocados e prover cuidados a idosos e órfãos.
São histórias que precisam ser contadas e recontadas inúmeras vezes. Histórias que retratam a essência da sociedade israelense – uma sociedade comprometida, acima de tudo, com a vida, e que desenvolveu uma grande capacidade de mobilização em situações emergenciais. Histórias de heróis anônimos que, muitas vezes, arriscaram a própria vida lutando em prol de seu povo.
Nasreen Yousef, resistência e coragem
No dia 7 de outubro de 2023, enquanto o sul de Israel era atacado, Nasreen Yousef (46 anos) transformou o que poderia ser o fim de sua comunidade em um ato de resistência.
Moradora do Moshav Yated, a poucos quilômetros das fronteiras com Gaza e o Egito, Nasreen vive ali há 15 anos com o marido, Eyad, um veterano das Forças de Defesa de Israel (FDI), e seus quatro filhos. Ambos são drusos israelenses. Ao ouvir os primeiros disparos e alarmes, Eyad, sargento-mor das FDI, correu para se juntar à equipe de defesa do moshav. O que eles não esperavam era que o confronto com os terroristas começasse literalmente no seu quintal.
Enquanto Eyad e seus amigos capturavam um terrorista do Hamas em frente à casa do casal, Nasreen, fluente em árabe, assumiu o comando da situação e começou a interrogá-lo, ainda que sem saber a dimensão do ataque. Descobriu por onde, na cerca que os separava de Gaza, os terroristas tinham conseguido se infiltrar, e que outros invasores estavam escondidos na estufa do moshav e em outros locais próximos. Imediatamente informou as forças israelenses. Seu marido e a equipe de defesa do moshav conseguiram capturar mais quatro dos terroristas.
Graças ao alerta dessa mulher valente, o Exército chegou a tempo e capturou os terroristas, todos com o objetivo de destruir completamente a sua comunidade.
Quando o celular de um dos terroristas tocou, ela atendeu sem hesitar. Do outro lado da linha, o comandante da célula do Hamas. Com sangue frio, ela fingiu colaborar: disse que podia ajudar a esconder os homens em sua casa, fornecer comida, água, até mesmo uniformes das FDI. Foi tão convincente que passou 40 minutos com o comandante terrorista no telefone obtendo informações sobre os planos e deslocamentos do grupo. As informações que conseguiu possibilitaram a neutralização de mais uma célula do Hamas, composta por 15 combatentes da elite Nukhba.
Após os combates, Nasreen e sua família foram evacuados com os outros moradores de Yated para um hotel em Eilat, até o dia em que pudessem voltar para suas casas. Sem a ação dessa mulher corajosa, provavelmente a maioria dos habitantes do moshav teriam sido brutalmente assassinados ou sequestrados pelos terroristas do Hamas.
Oz Davidian, 120 vidas fora do inferno
Na manhã do dia 7 de outubro, enquanto foguetes cortavam o céu do sul de Israel, Oz Davidian acordou em Maslul, moshav próximo a Ofakim onde vive, com o som das sirenes e estrondos dos mísseis.
Deixou sua esposa e filhos protegidos no cômodo seguro da casa e partiu. Tinha recebido uma mensagem da irmã, que estava numa propriedade próxima ao Kibutz Re’im, onde acontecia o Festival Supernova. A mensagem dizia: “Há muitos jovens feridos aqui. Quem pode ajudar?”.
Oz, advogado de 57 anos, subiu em sua caminhonete e saiu rapidamente em direção ao local do festival. Quando chegou deparou-se com corpos, gritos, poeira, sobreviventes escondidos nos arbustos e total ausência de soldados. O massacre estava em curso – e ele estava no meio dele.
Não havia tempo para planos. Oz começou a resgatar quem encontrava pela frente – jovens atônitos, feridos, descalços, ensanguentados. Em sua caminhonete, fez pelo menos 15 viagens de ida e volta, transportando mais de 120 pessoas para a segurança, uma por uma, grupo por grupo, a cada viagem arriscando sua própria vida. “O cenário era o inferno”, contou Oz. “Enchia o carro como dava – no capô, no porta-malas, pendurados no estribo. Qualquer lugar servia, desde que saíssem dali.”
Esteve várias vezes na mira dos terroristas, mas continuou a dirigir o dia inteiro, indo e vindo do local da festa. Sua câmera do painel registrou tudo. As imagens mostram o caos, os olhares perdidos, as pessoas amontoadas na traseira do carro. Mesmo com o celular quase sem bateria, deixava cada sobrevivente fazer uma ligação de dez segundos para casa. “Eu só pensava nos pais desses jovens. Precisavam saber que eles estavam vivos”, disse nas entrevistas que concedeu depois.
Criaram um grupo de WhatsApp com todos aqueles a quem Oz salvou e se comunicam praticamente todos os dias. Chamam-no de “Abush”, palavra carinhosa para “papai”, e se encontram sempre que possível.
Veterano do Exército, Oz já havia visto violência antes. Mas nada, disse ele, se comparava àquele dia: “Nunca vi algo assim. Eu falo sobre isso para que o mundo compreenda o choque. Isso também faz parte da nossa luta”.
Rachel Edry: chá, biscoitos e canções contra o terror
A cidade de Ofakim ainda despertava quando o terror bateu à porta da casa de Rachel Edry e seu marido, David. O casal, na casa dos 70 anos, ouviu os primeiros sons dos foguetes vindos da Faixa de Gaza e, pouco depois, abriu a porta para homens armados que diziam ser policiais. Eram terroristas do Hamas.
Durante quase 20 horas, Rachel e David foram mantidos como reféns dentro da própria casa, vigiados por cinco homens armados e imprevisíveis. Era uma situação em que qualquer palavra errada, qualquer movimento em falso poderia custar-lhes a vida.
Mas Rachel, conhecida na cidade como uma mulher doce, firme e generosa – a “mãe dos soldados” do campo de treinamento de Tze’elim onde cozinhava para jovens militares – revelou uma força extraordinária. Em vez de reagir com pânico, reagiu com calma e coragem.
Ofereceu chá. Coca-Cola. Biscoitos. Conversou com os sequestradores em árabe. Cantou. Manteve o ambiente calmo, quase maternal, enquanto discretamente passava sinais e informações para as forças israelenses que cercavam o local.
“Ela salvou vidas com açúcar, chá e paciência”, diria mais tarde um dos policiais que participou do resgate. A operação terminou com a casa invadida e os terroristas mortos. Rachel e David saíram ilesos.
Nos dias que se seguiram, sua história se espalhou rapidamente. Camisetas com sua imagem começaram a circular, memes carinhosos viralizaram nas redes sociais, murais urbanos a celebraram como a mulher que venceu o ódio com gentilezas.
Compararam-na à heroína bíblica Yael, que derrotou um general inimigo com inteligência e coragem. Rachel, com sua presença firme e olhar calmo, tornou-se símbolo nacional de dignidade diante da barbárie.
Em 2025, foi escolhida para acender uma das tochas do Dia da Independência de Israel.
Embora o evento ao vivo tenha sido cancelado por conta de incêndios, Rachel participou do ensaio gravado – uma honra reservada a quem representa os valores mais profundos da sociedade israelense.
Shai Graucher, o jovem rabino chassídico
Desde o início da guerra, Shai Graucher, um jovem rabino chassídico, tem liderado dezenas de projetos voltados a soldados, suas famílias, aos deslocados, órfãos, viúvas e outros atingidos pela tragédia. Shai desenvolve projetos sociais desde 2017, prestando assistência às vítimas do terrorismo, aos soldados e a suas famílias.
Contando com grandes doadores americanos, arrecadou milhões de dólares destinados a ajudar o maior número possível de famílias afetadas pelo massacre do 7 de outubro ou pela guerra.
Entre as iniciativas de seu projeto atual, chamado “Standing Together”, destacam-se a abertura de um centro logístico e de distribuição para itens solicitados por policiais e soldados, a criação de uma cozinha em tempo integral que prepara refeições para soldados e famílias deslocadas, a distribuição de milhares de kits para famílias de soldados e desalojados, a distribuição de 45 mil peças de roupa a famílias deslocadas, a doação de presentes para crianças feridas nos ataques do Hamas e para aquelas libertadas do cativeiro em Gaza, e ainda o envio de kits de Shabat para viúvas de guerra e a criação de um centro de apoio em Ofakim voltado a combatentes.
O rabino Shai organiza, também, cerimônias em memória dos caídos, visita feridos e enlutados, promove casamentos de soldados, realiza eventos para crianças que perderam familiares na guerra, leva cantores populares para se apresentar em bases militares e também organizou a doação de um Sefer Torá em homenagem a um soldado morto.
Sem abandonar os projetos atuais, ele disse que, após a guerra, seu foco central serão as crianças órfãs dos ataques de 7 de outubro. “Precisamos apoiá-las, dar amor, celebrar seu bar-mitsvá, garantir acesso a psicólogos, cuidar de sua educação. Esse é o meu maior objetivo”, afirmou.
O rabino Shai não faz nenhum barulho. Mas seu trabalho faz toda a diferença.
Eran Smilansky, de agricultor a combatente
No Kibutz Nir Oz, ele era apenas Eran, 27 anos, cultivador de batatas e membro da equipe local de segurança. Mas, no amanhecer de 7 de outubro de 2023, esse mesmo agricultor se viu forçado a se tornar soldado.
Às 6h30 da manhã, em meio ao barulho de foguetes, sons de tiros, granadas, vozes em árabe, passos pesados, Eran se escondeu dentro de um armário, com uma arma nas mãos e apenas 35 balas no carregador. “É quase nada. Só serve para salvar você mesmo”, ele contaria depois.
Do lado de fora, terroristas do Hamas, vestidos de soldados israelenses, invadiam sua casa, saqueavam, quebravam, gargalhavam. Levaram o que puderam antes de ir à sua procura. Quando pararam de gritar e começaram a sussurrar, ele soube o que aconteceria.
Quando um terrorista abriu o armário no qual se escondia, ele foi rápido e atirou nele e em outro que estava próximo. Os dois terroristas feridos gritaram por ajuda. Logo, seis homens do Hamas estavam vindo em direção à sua casa. De sua janela, Eran atirou – um a um – neles. Enquanto lutava, seu telefone tocava sem parar. Eram vizinhos do kibutz pedindo ajuda, pois suas casas estavam pegando fogo.
Assim que conseguiu sair de casa, juntou-se ao esquadrão de segurança do kibutz, conseguindo salvar seu pai e suas duas filhas.
Junto com o esquadrão, resgatou dezenas de pessoas de casas em chamas – idosos, crianças. No caminho depararam-se com famílias inteiras dizimadas... por toda parte um rastro de morte e destruição. “Vimos de tudo. Mortos e vivos. E ainda procurávamos terroristas – sem saber se tinham ido embora ou se estavam no próximo quarto.”
O tempo passava e a ajuda não vinha. Os milhares de terroristas que atravessaram a cerca da fronteira naquele dia haviam destruído o sistema de defesa da região fronteiriça do sul de Israel. “Foi como uma facada nas costas. Do governo, do Exército. E também dos palestinos que trabalhavam com a gente aqui no kibutz. Sabemos que foi deles que saiu a inteligência.”
Eran sobreviveu, mas de uma comunidade de aproximadamente 420 pessoas, 47 foram assassinadas no kibutz – 41 moradores e seis pessoas que haviam fugido do Festival Supernova – e 76 foram sequestradas e levadas para Gaza.
Da militância política à ação solidária
O que antes era um protesto tornou-se um movimento solidário. Criado por reservistas das Forças de Defesa de Israel (FDI) para lutar contra a reforma judicial proposta pelo governo israelense, o movimento “Brothers and Sisters in Arms” jamais imaginou que se tornaria, em poucos dias, um exército civil de emergência nacional. Mas foi exatamente o que aconteceu após os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023.
No mesmo dia, ainda sob o choque dos acontecimentos, os fundadores suspenderam imediatamente os protestos. As faixas pela democracia deram lugar a mochilas, caixas de suprimentos e listas de desaparecidos.
Em Tel Aviv e Beit Kama, galpões foram transformados em centros de distribuição. Sem uniforme nem comando oficial, voluntários passaram a preparar kits médicos, mapear famílias desaparecidas e coordenar a evacuação de mais de 2.500 civis das áreas de combate.
Criaram rotas de fuga, instalaram cozinhas móveis, cuidaram de idosos presos em kibutzim e resgataram animais de estimação deixados para trás. No Kibutz Be’eri, onde a destruição foi quase total, voluntários montaram uma tenda comunitária com cozinha.
No dia 7 de outubro, o ator da renomada série Fauda, Lior Raz, juntou-se ao grupo “Brothers and Sisters in Arms” para resgatar duas famílias presas em meio aos ataques terroristas na cidade de Sderot, no sul de Israel. Antes de se tornar ator, Raz integrou uma unidade de elite das forças especiais israelenses.
Até janeiro de 2024, os números impressionavam: 600 mil refeições servidas, 150 toneladas de equipamento militar arrecadadas, 300 mil dias de trabalho voluntário somados, centros de apoio psicológico, lavanderias móveis, distribuição de roupas, brinquedos e kits de higiene, em todo o sul do país.
A atuação chamou a atenção internacional. Logo após o atentado de 7 de outubro de 2023, o então secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, visitou o centro de Tel Aviv e declarou: “Nunca vi uma população se mobilizar tão rápido, com tanta compaixão e organização espontâneas”.
Para este ano de 2025, o grupo já anunciou seu projeto mais ambicioso: criar um espaço permanente para acolher as crianças que perderam seus pais nos ataques. Um lar que ofereça apoio psicológico, educação, celebrações e continuidade.
“Antes eu protestava porque queria um país mais justo”, escreveu Shira, uma das voluntárias. “Agora lavo pratos em abrigos. Continuo querendo um país mais justo. Mas agora eu sei os nomes das pessoas por quem luto.”
. Fonte:
Revista Morashá - Edição 128