8 de abril de 2018

BAIXADA FLUMINENSE: OS JUDEUS DE NILÓPOLIS - RJ


A maioria dos judeus que viveram em Nilópolis já morreu, alguns foram para Israel, e outros se mudaram para Tijuca ou Zona Sul do Rio de Janeiro

A partir de 1920, um grupo de cerca de 300 famílias judias se instalou na cidade de Nilópolis, na Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro. Ali reconstruíram suas vidas em uma colônia, de uma forma muito assemelhada aos Shtetl, aldeias judaicas da Europa oriental, que podem ser muito bem visualizadas na obra do Nobel de literatura Isaac Bashevis Singer.




A Sinagoga Tiferet Israel foi fundada pelo rabino Isaias Rafaelovistsh, um dos que recebeu o cientista Albert Einstein por ocasião de sua visita ao Brasil em 1925

“Desde os primeiros escritos ficou claro que a literatura de Singer era, antes de mais nada, um reflexo de sua infância e adolescência na Polônia. O shtetl é o cenário preferencial, mas os personagens estão longe de ser caricaturais ou ingênuos; o que temos aqui são pessoas à mercê de paixões e fantasias poderosas, inspiradas pelo misticismo e pelo folclore judaicos.” Moacyr Scliar, in prefácio de 47 contos de Isaac Bashevis Singer (Companhia das Letras,2004).
Nilópolis não foi muito diferente, apesar de clima e idiossincrasias distintos.
Em Nilópolis, onde essas famílias permaneceram por quase seis décadas, não poderia deixar de ter os conflitos entre tradição e modernidade, homens e mulheres, riqueza e pobreza, depressão e entusiasmo, razão e misticismo. Diferenças políticas e de interpretação das leis divinas também marcaram encontros e desencontros, amizades e rixas que seriam sempre mediadas por um rabino da capital, o Rio de Janeiro.
A chegada dessas famílias à cidade de Nilópolis coincidiu com o crescimento urbano da cidade, para o qual as famílias judias contribuíram em sua efetiva consolidação. Com uma participação ativa na economia da localidade, médicos, alfaiates, pequenos comerciantes,  vendedores de porta-em-porta, chamados pelos seus conterrâneos de “clienteltchiks”, cruzavam a rua Mena Barreto, a então principal da cidade, falando Iídiche e oferecendo seus serviços e produtos a outra gente que também chegava àquela época, os imigrantes internos, vindos principalmente do interior dos Estados de Minas Gerias, Espírito Santo e do Nordeste do Brasil.

Vamos mostrar também que, na mesma época, floresceu em Nilópolis uma comunidade sírio-libanesa, com basicamente duas grandes famílias, os Sessim David e ao Abraão David, que por características culturais de seus povos mais liberalizantes, se miscigenaram com mais facilidade e, inclusive, entraram para a política (foram e são vereadores, prefeitos, deputados e líderes de agremiações sócio culturais, como a G.R.E.S. Beija Flor de Nilópolis). Os judeus e os árabes em Nilópolis conviveram em um espírito de paz e harmonia, não permitindo que conflitos religiosos e de vizinhança de suas origens afetassem o bem estar comum.


Praça Paulo de Frontin no centro de Nilópolis (RJ)

A maioria dos judeus que viveram em Nilópolis já morreu, alguns foram para Israel, e outros se mudaram para Tijuca ou Zona Sul do Rio de Janeiro. Existem poucos remanescentes; (geralmente filhos dos que ali chegaram e acabaram por nascer na cidade) que ainda vivem e têm lembranças desse período.
A comunidade judaica de Nilópolis foi berço de alguns ilustres, como é o caso da atriz Tereza Rachel e de um dos maiores oncologistas do Brasil e atual secretário municipal de saúde do Rio de Janeiro, o médico Jacob Kilgerman. Outra famosa moradora foi a artista plástica Fayga Ostrower, que faleceu em 2001.


Diferenças políticas e de interpretação das leis divinas também marcaram encontros e desencontros, amizades e rixas que seriam sempre mediadas por um rabino da capital, o Rio de Janeiro

. TRADIÇÕES E CULTO:

Para manter as tradições magnificamente cantadas pelo personagem central Tevye, (no musical concebido a partir de um conto do escritor ídiche Sholem Aleichem), “Um Violinista no Telhado” (premiado com o Oscar), foi fundada em Nilópolis a sinagoga Tiferet Israel (Beleza de Israel), no início dos anos 30. Era fundamental para a prática religiosa e aulas da Torá. Nela funcionavam também as escolas de hebraico, Iídiche além de cultura judaica, que dava um suporte educacional aos filhos dos imigrantes que estudavam em escolas convencionais junto com os não judeus.
A Sinagoga Tiferet Israel foi fundada pelo rabino Isaias Rafaelovistsh, um dos que recebeu o cientista Albert Einstein por ocasião de sua visita ao Brasil em 1925. Ele era o representante da JCA ou ICA (Jewish Colonization Association) no Rio de Janeiro, entidade criada em fins do século XIX em Londres, pelo Barão Maurício Hisrsh e que apoiava as populações judaicas pobres perseguidas, principalmente em suas migrações.
A passagem desse rabino pelo Brasil também deixou outra marca indelével entre os judeus; a união dos ashkenazim (vindos do centro e leste europeu) com os sefaradim (da península ibérica e que já se encontravam por aqui há mais tempo). Ele foi o responsável pela criação da Comunidade Judaica oficial do Rio de Janeiro, no ano de 1924. Até então havia pouco contato entre eles.
Isaias Rafaelovistsh foi por isso o pioneiro na organização da comunidade judaica como um todo no Brasil. Para entendermos melhor essa dispersão, lembrou a pesquisadora Suzane Worcman em seu livro “Heranças e Lembranças”, (da coleção Quase Catálogo, ARI, CIEC e MIS,1991) o seguinte:
“A imigração judaica deste período (até a década de 30), não se deu de uma forma organizada, tendo um caráter aleatório e familiar; vinha primeiro um irmão, um pai de família, seguido ou não por outros membros da família. Era uma emigração sem retorno, pois nem as primeiras gerações nem as segundas pensavam em voltar.”


O cemitério comunal Israelita de Nilópolis teve seu primeiro sepultamento em 1935

. MORRER PARA VIVER:

Como bem relata em seu livro Os Judeus no Brasil (ed. Civilização Brasileira 2005), a doutora em história Keila Grinberg fala particularmente de uma grande dificuldade na instalação das comunidades judaicas até o início do século XX. “Um dos aspectos mais difíceis da vida cotidiana dos judeus no Brasil do século XIX era a morte. A morte e as questões práticas a ela relacionadas... A dificuldade maior estava no fato de os cemitérios públicos, constituídos a partir da década de 1850, serem de uso exclusivo dos católicos.... Resultado: Os judeus não tinham onde ser enterrados.”
Para resolver essa questão, foi criado em um terreno separado por um muro contíguo ao cemitério municipal já existente, o cemitério comunal Israelita de Nilópolis, que teve seu primeiro sepultamento em 1935 e até hoje é onde descansam eternamente os judeus que por aqui morrem, junto com o Cemitério Israelita do Caju e o Cemitério Israelita de Vila Rosali. Depois da criação do Estado de Israel em 1948, alguns, por desejo manifestado ainda em vida ou de parentes foram trasladados para Jerusalém.


Estação de trem de Nilopólis (RJ)


. UM GUETO LIVRE NOS TRÓPICOS:

O bairro da Praça Onze, no Rio de Janeiro, teve uma vida judaica dinâmica e ativa no início dos anos de 1920 até fins dos anos de 1940. Samuel Malamud, primeiro Cônsul honorário do Estado de Israel no Brasil, descreve em seu livro Memórias da Praça Onze, (Kosmos editora, 1988):
“Dava a impressão de um enorme gueto, sem muralhas ou restrições... Naquele período, a população judaica do Rio de Janeiro, crescia diariamente, devido ao enorme afluxo imigratório procedente dos países da Europa Oriental. Aos poucos os imigrantes foram se fixando em todos os bairros da cidade, principalmente da Zona Norte... Chegou, inclusive, a surgir uma comunidade bastante numerosa, formando um vilarejo judaico, no município de Nilópolis, a uma hora de trem do Rio, pela Central do Brasil.”
A relação dos judeus de Nilópolis com os da Praça Onze era muito forte, inclusive em inúmeros casos de parentesco. A praça onze funcionava como uma espécie de matriz para os judeus de outros bairros e cidades próximas ao Rio de Janeiro. Era lá que se instalavam em primeiro lugar os que chegavam da Europa.
Cerimônias religiosas, conflitos, consultas ao rabino, sede de instituições culturais e beneficentes e até mesmo relações comerciais eram ali estabelecidas. Essa comunidade teve fim com a demolição no local para a abertura da Avenida Presidente Vargas em fins dos anos de 1940.


Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis: A história dos judeus e os residentes atuais na cidade da Baixada Fluminense está intrisicamente ligada


. O LIVRO DE ADOLFO KISCHINEVISKY: 

Em seu livro ainda inédito, “Judeus no Brasil”, o professor titular de História Medieval da USP, Nachman Falbel, revela que o primeiro livro escrito em iídiche no Brasil “Neie Heimein” – Novos Lares-, do escritor Adolfo Kischinevisky, foi editado em Nilópolis no ano de 1932. Adolfo, que na verdade se chamava Yudel, nasceu em Tiraspol, na Rússia, e veio para o Brasil em 1918, tendo tido uma passagem de nove anos pela Argentina onde exerceu o trabalho de relojoeiro.
Morreu aos 46 anos, em 1936 de infecção generalizada, mas chegou a morar e desenvolver várias atividades sociais, políticas e culturais no Brasil. Além de ter participado ativamente da imprensa judaica do Rio de Janeiro como colaborador. Foi presidente do Centro Israelita de Nilópolis e tomou parte em diversas iniciativas comunitárias. Em seu livro de contos, que pretendemos mostrar no documentário, o autor reflete vários aspectos da vida de imigrantes judeus no Brasil que transmite em sua obra literária.

. O LIVRO DE ESTHER LONDON:

Vivência Judaica em Nilópolis é o título do livro de Esther London, (editora Imago, 1999); uma judia nascida em Ostrowiec, na Polônia e que com apenas 19 anos, em 1935, chegou ao Brasil e em 1939 casou-se com Mojza London, de Nilópolis, onde foi morar e constituiu sua família. Morou lá até 1952, onde teve dois filhos, Pedro e Jack London, e participou ativamente da vida comunitária.
A partir do relato desse livro é que vai se desenrolar o documentário e posteriormente um filme de ficção, com argumento do acadêmico Moacyr Scliar ainda inédito e escrito especialmente para cinema. A direção será do cineasta Roberto Farias com roteiro de Geraldinho Carneiro.
Neste livro constatamos depoimentos pungentes de pessoas que lá viveram. De uma forma simples e direta, a autora reproduz diversos momentos de uma vida que hoje só resta na memória de poucos.
Sem explicações acadêmicas ou a pretensão de um estudo de comportamento, a senhora Esther London, uma nonagenária impressionantemente lúcida e com um incrível poder de articulação de pensamentos e lembranças, desenhou no livro uma tela literária tal qual Carlos Scliar, outro imigrante judeu no Brasil, fazia com seus pinceis em suas telas.

. JUSTIFICATIVA: 

A ausência total de documentos públicos e o desconhecimento por parte da maioria das pessoas, dos atuais habitantes de Nilópolis e da terceira geração de descendência dos judeus que moraram na cidade justificam a elaboração do vídeo-documentário.
O caráter hospitaleiro e pacífico do povo brasileiro ao receber os imigrantes Judeus e a herança cultural que imprimiram no inconsciente da população local deve ser registrado.
Um documento definitivo deste episódio na história não só de Nilópolis, mas do Brasil e também das diásporas do povo judeu, deve ficar para sempre em um documentário áudio-visual com depoimentos vivos para o estudo do comportamento humano e seu legado para a posteridade.
(*) Radamés Vieira é jornalista e atualmente trabalha na TV Educativa do Rio de Janeiro.

. Fonte:

http://www.bneianussimbrasil.com/2013/04/judeus-em-nilopolis.html

Retirado do site: http://www.novoslares.com.br/release/detalhes.htm
PROJETO JUDEUS EM NILÓPOLIS de Radamés Vieira

Um comentário:

Thania Bittencourt disse...

Sou estudante de teologia e gostaria de alguns dados sobre o Judaísmo.