18 de março de 2020

MPF DENUNCIA 6 AGENTES DA DITADURA POR ASSASSINATO DE VLADIMIR HERZOG EM SÃO PAULO (SP) NA DÉCADA DE 70


Na época, foi decidido que Vlado seria enterrado no centro do Cemitério Israelita do Butantã, o que significava desmentir publicamente a versão oficial de suicídio

O Ministério Público Federal denunciou nesta terça-feira seis agentes da ditadura militar pela morte do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975. Herzog foi morto em uma cela do Destacamento de Operações e Informações (DOI-Codi), órgão de repressão do regime.



Fotos mostravam os pés do prisioneiro (Herzog) tocando o chão, com os joelhos dobrados; posição em que o enforcamento era impossível

. A morte:

O Serviço Nacional de Informações recebeu uma mensagem em Brasília de que naquele dia 25 de outubro: "cerca de 15h, o jornalista Vladimir Herzog suicidou-se no DOI/CODI/II Exército". Na época, era comum que o governo militar divulgasse que as vítimas de suas torturas e assassinatos haviam perecido por "suicídio", fuga ou atropelamento, o que gerou comentários irônicos de que Herzog e outras vítimas haviam sido "suicidados" pela ditadura. O jornalista Elio Gaspari comenta que "suicídios desse tipo são possíveis, porém raros. No porão da ditadura, tornaram-se comuns, maioria até."

Conforme o Laudo de Encontro de Cadáver expedido pela Polícia Técnica de São Paulo, Herzog se enforcara com uma tira de pano - a "cinta do macacão que o preso usava" - amarrada a uma grade a 1,63 metro de altura. Ocorre que o macacão dos prisioneiros do DOI-CODI não tinha cinto, o qual era retirado, juntamente com os cordões dos sapatos, segundo a praxe naquele órgão. No laudo, foram anexadas fotos que mostravam os pés do prisioneiro tocando o chão, com os joelhos dobrados; posição em que o enforcamento era impossível. Foi também constatada a existência de duas marcas no pescoço, típicas de estrangulamento.

. Sepultamento judaico:

Vladimir era judeu, e a tradição judaica manda que suicidas sejam sepultados em local separado. Mas quando os membros da Chevra kadisha – responsáveis pela preparação dos corpos dos mortos segundo os preceitos do judaísmo – preparavam o corpo para o funeral, o rabino Henry Sobel, líder da comunidade, viu as marcas da tortura. 

"Vi o corpo de Herzog. Não havia dúvidas de que ele tinha sido torturado e assassinado", declarou.[18] Assim, foi decidido que Vlado seria enterrado no centro do Cemitério Israelita do Butantã, o que significava desmentir publicamente a versão oficial de suicídio. As notícias sobre a morte de Vlado se espalharam, atropelando a censura à imprensa então vigente. Sobel diria mais tarde: "O assassinato de Herzog foi o catalisador da volta da democracia".

Anos depois, em outubro de 1978, o juiz federal Márcio Moraes, em sentença histórica, responsabilizou o governo federal pela morte de Herzog e pediu a apuração da sua autoria e das condições em que ocorrera. Entretanto nada foi feito.[20]Em 24 de setembro de 2012, o registro de óbito de Vladimir Herzog foi retificado, passando a constar que a "morte decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do II Exército – SP (Doi-Codi)", conforme havia sido solicitado pela Comissão Nacional da Verdade.[21] Em 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por negligência na investigação do assassinato do jornalista.

. Simulação da cena do crime:

Segundo a Comissão Nacional da Verdade, oficiais simularam a cena de um suicídio para justificar a morte de Herzog, que era diretor de jornalismo da TV Cultura, mas a justificativa não foi aceita por lideranças sociais e religiosas. A reação à morte de Herzog foi um marco no combate à ditadura: milhares de pessoas se reuniram na Catedral da Sé em uma celebração ecumênica. O rabino Henry Sobel, representante da comunidade judaica no Brasil, se negou a enterrar Herzog na área do cemitério judeu destinada a suicidas.
A denúncia aponta como responsáveis o então chefe de comando da 2ª Seção do Estado-Maior do II Exército, José Barros Paes, o comandante do DOI-Codi à época, Audir Santos Maciel, e o ex-agente da unidade, Altair Casadei. Além deles, o MPF também apontou como responsáveis os médicos legisltas Harry Shibata e Arildo de Toledo e o promotor aposentado Durval Moura Araújo.

"O crime teve a participação de outros agentes da repressão que, por já terem falecido ou não terem sido identificados ao longo das investigações, foram excluídos da acusação", diz o Ministério Público Federal.

José Barros Paes e Audir Maciel foram denunciados por homicídio qualificado por terem sido, segundo o MPF, responsáveis diretos pela morte de Herzog. Ambos foram denunciados também por fraude processual, assim como Altair Casadei, visto que atuaram para a alteração da cena do crime, posicionando o corpo de Vladimir Herzog de forma que simulasse um suicídio.

Harry Shibata e Arildo de Toledo teriam cometido falsidade ideológica ao emitirem laudos necroscópicos que teriam confirmado a ocorrência do suicídio. Por fim, Durval Araújo colaborou com a versão oficial de suicídio e foi denunciado por prevaricação.

"O então promotor atuou para que testemunhas fossem desconsideradas ou intimidadas ao longo do inquérito policial militar referente ao caso, que acabou arquivado em março de 1976 sem apontar as verdadeiras circunstâncias do crime", afirmou o MPF.

Em 2018, o Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos por não ter investigado e apurado o caso Herzog, além de não ter julgado as autoridades que participaram do assassinato.

Embora Herzog tenha sido assassinado em 1975, o Ministério Público Federal não considera que tenha ocorrido prescrição no caso, visto que se trata de crime contra a humanidade (que não prescrevem). A Lei da Anistia, portanto, não poderia ser aplicada neste caso.

A ação faz parte de uma iniciativa nacional do Ministério Público Federal chamada Justiça de Transição. Apesar da tese de que as mortes na ditadura estão inseridas em um contexto de abuso sistemático do poder do Estado, caracterizando crimes contra a humanidade, poucos juízes concordam com a argumentação do MPF e deixam de receber as ações com base na Lei da Anistia.

. Fonte:

Jornal Extra - 17/03/20

https://extra.globo.com/noticias/brasil/mpf-denuncia-seis-agentes-da-ditadura-por-assassinato-de-vladimir-herzog-rv1-1-24310590.html

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