13 de janeiro de 2013

TRÁFICO DE BEBÊS 25 ANOS DEPOIS: AS PROFUNDAS FERIDAS DE BRASILEIROS QUE FORAM VENDIDOS NA INFÂNCIA PARA FAMÍLIAS EM ISRAEL

Fonte: Diário Catarinense

Órfãos do Brasil: 04/08/2012 | 11h21

Repórter: Mônica Foltran, enviada especial/Israel
monica.foltran@horasc.com.br


Série especial conta o drama de bebês brasileiros vendidos como uma mercadoria qualquer para casais estrangeiros




Nascido na região sul do Brasil, Lior Vilk aprendeu a língua portuguesa assistindo novelas brasileiras em Israel e tem dedicado os últimos oito anos da sua juventude em busca de sua identidade brasileira

No dia 9 de maio deste ano, a dona de casa Marilene Espindola recebeu um telefonema do Diário Catarinense.

– A senhora tem uma filha chamada Maya?
– Tive
– Pois nós a localizamos. E gostaríamos de conversar com a senhora – diz a repórter.
– Vocês estão brincando comigo! É um trote? – pergunta a mulher, em cuja cabeça começa a rodar um filme.

As imagens que passaram na cabeça de Marilene têm um roteiro de terror. É uma história que assombra milhares de mulheres brasileiras há duas décadas e meia, quando o Brasil proporcionou um escândalo conhecido na época como Tráfico de Bebês – um comércio que exportou especialmente crianças catarinenses e paranaenses, um volume estimado de 3 mil por ano, entre 1985 e 1988.
Quadrilhas formadas por advogados, juízes, promotores, donos de cartórios, despachantes, enfermeiras e médicos, com a conivência de policiais, pagavam um salário mínimo para grávidas, em situação vulnerável, entregarem os filhos para adoção compulsória. Algumas mulheres venderam os fetos ainda no ventre – e muitas vezes por menos de um salário.

Outras mães nunca viram um tostão; apenas foram convencidas de que viveriam melhor com uma boca a menos dentro de casa e ainda proporcionariam um futuro brilhante ao rebento. Bebês acabaram trocados por móveis, o que na polícia as gangues organizadas justificavam como "doações espontâneas".
Em Camboriú, um dos principais focos de atuação das quadrilhas no país, as gangues chegaram a usar uma chácara para montar o que a Polícia Federal classificou como "chocadeira", uma improvisada maternidade e berçário, local onde ficavam os nenês retirados das mães. Em apenas uma operação, a PF resgatou 20 bebês, devolvidos aos pais.

No Exterior, principalmente em Israel, os bebês valiam de US$ 10 mil a até US$ 40 mil. O comércio clandestino enriqueceu os "capos" do tráfico, que, beneficiados pela legislação da época, cumpriram penas irrisórias na cadeia e conseguiram manter parte dos bens adquiridos com a venda de crianças.
O escândalo colocou pelo menos 40 pessoas na cadeia. Pressionado pela opinião pública, o Congresso Nacional endureceu as leis de adoção ainda no final dos anos 1980, estabelecendo normas para dificultar o trânsito de bebês de uma família para outra, a fim de sufocar o tráfico.

O que nunca cicatrizou, porém, foram as feridas abertas nas mães que entregaram os filhos por necessidade ou ingenuidade e os estragos na personalidade dos bebês. Vinte e cinco anos depois, o DC localizou algumas dessas crianças em Israel, país para onde foi levada a maioria daqueles bebês pobres. Com idades entre 25 e 28 anos, hoje a maioria deles enfrenta profundas crises de identidade. E querem conhecer suas famílias biológicas.

Um deles, Lior Vilk, tem dedicado os últimos oito anos à busca de sua identidade brasileira. Remeteu inúmeras correspondências a órgãos oficiais no Brasil na esperança de conseguir auxílio e informações, mas o que obteve, diz, foram respostas evasivas, num jogo de empurra. Com a documentação falsificada, ele não sabe sequer se o nome escrito no papel é mesmo o de sua mãe biológica.
Pais adotivos localizados pelo DC também sofrem crise existencial

Depois de reler milhares de páginas dos processos volumosos da época, localizar mães que entregaram seus filhos e viajar até Israel, o DC narra, de hoje até sábado, um roteiro repleto de dramaticidade:

Boa parte dos filhos exprime dor e tristeza em todas as frases e comportamentos.

As mães brasileiras – dançarinas de boate e prostitutas na época, desempregadas ou miseráveis agricultoras – até hoje choram a perda dos filhos. Nunca mais se recuperaram.

Os pais adotivos hoje se deparam, dentro de casa, com a crise existencial e dolorida dos adultos sem pátria.

Os líderes do tráfico, depois da cadeia, vivem em bonança, aproveitando a qualidade de vida de Santa Catarina.

3 comentários:

Anônimo disse...

Hj (13/05/2023) no youtube assisti Lior Vilk dar entrevista. A postagem é de apenas 6 dias. Que sofrimento deste rapaz...toda sua vida uma farsa. Nem a foto no passaporte para Israel quando recem nascido é verdadeira. Tudo uma farsa. Quanta tristeza para uma família que talvez tenha tido o filho dado como morto,ou roubado do hospital. Espero que ele encontre sua família biológica. Hipoteticamente, talvez sua família adotiva tenha pistas. Que ele seja abençoado com informações, que o Sr tbm abençoe as pessoas que lutam para ajudar não só esse caso, mas todos os outros. Parabéns pelo trabalho!!!🤝🏻

Anônimo disse...

Boa tarde, vi hoje o vídeo do Lior Vilk e me comovi com sua história. Fiquei com muita vontade de ajudar. Mas não sei como. Gostaria de que ele soubesse que o biotipo dele é muito semelhante a pessoas de Goiás, também de estados do nordeste, embora exista no Brasil inteiro e muitas crianças são sequestradas em Goiás. Neste estado, no interior a comunicação é muito precária. Será bom que ele faça uma tempestade de notícias sobre seu caso e sua busca. Desejo que Deus o abençoe e ele tenha sucesso nessa jornada.

Anônimo disse...

Poxa, que triste essa história de tráfico de bebês, vi que os pais adotivos não sabiam desse esquema e entendo que os pais adotivos realmente queriam um filho e deram um lar estruturado à essa criança, assim como uma pátria. Agora ele reencontrou a mãe biológica que o "doou", assim como ela já havia "doado" outros 2 filhos anteriores (um menino e uma menina). Vi que ele quer viver no Brasil e acompanhar a mãe biológica e tive uma curiosidade, ele deixou os pais adotivos em Israel? Sem julgamentos, mas eu jamais iria querer procurar os genitores caso eu fosse adotada, não entendo. Enfim, que ele tenha encontrado a paz que procurava nessa vida.