31 de agosto de 2008

As opiniões de Dellapergola, demógrafo do povo judeu

Por: Ariel Finguerman, de Jerusalém





"Questão demográfica": eis um assunto que tira o sono de muitos judeus em Israel e no mundo. Aliás é mais de uma questão, mas várias ao mesmo tempo. O que acontecerá em Israel daqui a dez anos quando houver mais árabes que judeus entre o Jordão e o Mediterrâneo? A assimilação está acabando com o judaísmo no mundo? Por que a comunidade no Brasil diminui? Relaxar as exigências nas conversões é solução para aumentar o povo judeu?

Sergio Dellapergola, 61 anos, professor de origem italiana da Universidade de Jerusalém conhecido como "o demógrafo do povo judeu" é o melhor para responder a estas perguntas. Dellapergola conhece este assunto muito bem: ele visitou todas as comunidades judaicas deste planeta com mais de 25 mil pessoas, "menos a Austrália", disse o simpático professor à Hebraica.

O interesse de Dellapergola por demografia judaica começou quando ainda era estudante e membro de movimento juvenil e fez uma pequena pesquisa sobre a comunidade de Milão. Apaixonou-se pelo tema e, de lá para cá, já publicou mais de cem trabalhos e ensinou em quarenta universidades e institutos ao redor do mundo. Hoje, ele é um dos diretores do Instituto de Planejamento de Políticas para o Povo Judeu, em Jerusalém, onde ele deu a seguinte entrevista

Hebraica – Hoje, em Israel, cada vez mais vozes alertam que por volta de 2013 haverá mais árabes que judeus entre o Jordão e o Mediterrâneo. Mas há dois dias, Ariel Sharon declarou que não está preocupado pois confia numa grande aliá nos próximos anos. Como o senhor vê esta situação?

Dellapergola – O premiê Sharon espera um milhão de novos imigrantes. Mas de onde eles virão? Hoje a maioria dos judeus vive nos países ocidentais, nos EUA, na Austrália e na Europa. Nesses lugares o nível de desenvolvimento é alto e pouca a discriminação contra os judeus. Por que viriam para um país de nível de vida mais baixo e mais insegurança política? Outra condição para haver imigração seria a estabilização do Oriente Médio e acontecer um novo boom econômico, situação que não ocorre hoje.

Hebraica – O que acontecerá quando houver aqui uma maioria árabe?

Dellapergola – Chegaremos a uma situação inaceitável para aqueles que sonharam com um Estado judeu. Teremos então algumas alternativas. Poderemos manter 4,7 milhões de árabes sem direitos civis ou transferi-los para a Jordânia, que são duas idéias inaceitáveis. A terceira alternativa é dividir o território em dois Estados, um judeu e um árabe.

Hebraica – Hoje Israel já é um dos países mais povoados do mundo, descontado o deserto do Negev. Haverá lugar para acomodar mais habitantes?

Dellapergola – Na década de 20 viviam aqui um milhão de pessoas e já se perguntava qual seria a capacidade da região. Segundo alguns, o máximo seria 2,5 milhões, outros falavam em 10 milhões. Pois bem, hoje já somos 10 milhões, entre israelenses e palestinos. E a pergunta continua.

Hebraica – Qual é a capacidade máxima, em sua opinião?

Dellapergola – Se tudo continuar como está hoje, no ano 2050 seremos 36 milhões de pessoas entre o Jordão e o Mediterrâneo. Será possível viver? Será um pesadelo? Dependerá da tecnologia disponível, da habilidade de organizar o território e de prover recursos essenciais como água e ar puro. Veja o caso da cidade de Beer-Sheva, onde vivem hoje 300 mil pessoas. Compare esta região com Phoenix, no Arizona, uma cidade muito parecida e onde vivem 3 milhões de pessoas. Acho que poderíamos facilmente acomodar um número semelhante de habitantes em Beer-Sheva.

Hebraica – O atual governo constrói um muro entre Israel e os palestinos. No começo, a idéia era separar as duas populações, mas a barreira entrou pela Cisjordânia e incorporou milhares de árabes.

Dellapergola – O muro deveria servir apenas como medida de segurança e não para incorporar territórios. Muitas mudanças [no traçado da Linha Verde] trarão judeus para dentro de Israel, mas também muitos árabes sem resolver nada. Sou favorável a incorporar o máximo de judeus dentro de Israel, mesmo que para isto tenhamos que abrir mão de territórios. Sou a favor de trocar terras que hoje fazem parte de Israel mas com maioria árabe, como regiões da Galiléia, por territórios palestinos onde há presença judaica, como nas áreas ao redor de Jerusalém.

Hebraica – Há em Israel uma verdadeira angústia quanto aos cidadãos árabes do país e o temor de que sua população vai crescer a ponto de ameaçar o caráter judaico da nação. Este medo é justificado?

Dellapergola – Sabemos que os árabes israelenses de regiões da Galiléia não gostam da bandeira de Israel e é a bandeira palestina que tremula em suas escolas e mesquitas. É uma situação anormal, pois embora cidadãos de um Estado sua lealdade é para com outra nação. Este é um fator gerador de conflito que pode ser solucionado de forma positiva por meio da partilha da terra entre os dois povos.

Hebraica – Alguns especialistas dizem que Israel é incapaz de absorver os mais de 200 mil árabes de Jerusalém Oriental e só isto já seria uma razão para dividir a cidade. Qual sua opinião?

Dellapergola – Um acordo de paz levará à existência de duas cidades dentro de Jerusalém. Mas sou totalmente contra barreiras e muros. Veja o caso de Beverly Hills e Los Angeles: são duas cidades com diferentes prefeitos, policiais e bombeiros, mas ninguém sabe onde termina uma e começa a outra. Esta poderia ser também uma fórmula para Jerusalém. Israel incorporou toda a cidade, ofereceu cidadania aos árabes de Jerusalém, mas poucos aceitaram. Eu pessoalmente reconsideraria esta situação e estaria pronto a transferir a jurisdição sobre esta população a um futuro Estado palestino, incluindo a soberania sobre a parte oriental da cidade. Isto por razões demográficas, políticas e culturais.

Hebraica – Afinal, quantos judeus vivem no Brasil?

Dellapergola – O censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge) é muito bem feito e, segundo o qual, há pouco menos de 100 mil judeus no Brasil. Esta também é a minha avaliação. Também sabemos que metade dos judeus brasileiros vive em São Paulo.

Hebraica – Qual a tendência demográfica dos judeus brasileiros?

Dellapergola – Como quase todas as comunidades judaicas da Diáspora, o número de nascimentos entre os judeus brasileiros é bastante baixo. Mais pessoas morrem na comunidade do que nascem. Também, como o Brasil tem uma tradição multicultural, há muitos casamentos mistos e bastante assimilação. O número de judeus brasileiros tende a diminuir, mas não é algo dramático. Podemos até considerar a população judaica do Brasil estável, se compararmos com outras comunidades do mundo.

Hebraica – Existe um dito bastante difundido entre os judeus que diz: "Os casamentos mistos e a assimilação estão fazendo o que Hitler não conseguiu".

Dellapergola – Não gosto do estilo desta afirmação. É preciso separar demografia de um lado e Holocausto do outro. Hitler não tem nada a ver com casamentos mistos. No entanto, é fato que na maior parte das comunidades da Diáspora, somente uma pequena parcela dos filhos de casamentos mistos acaba afiliada ao judaísmo. A maioria termina por aderir à religião da maioria do país.

Hebraica – Também há vozes, especialmente nos Estados Unidos, defendendo um maior relaxamento das leis de conversão para aumentar o número de judeus. Isto poderia ser uma solução?

Dellapergola – Segundo algumas pesquisas, os filhos de casamentos mistos tendem a se casar com não-judeus numa proporção ainda maior que a média da comunidade. Isto acontece também com crianças produtos desses casamentos e que foram criadas como judias. Isto mostra que elas não são suficientemente motivadas, não recebem o conhecimento necessário sobre o que significa pertencer a uma comunidade judaica. Uma conclusão disto tudo é que um rito de admissão ao judaísmo que seja brando e não tenha um mínimo de requisitos, só terá um forte impacto a curto prazo. As comunidades judaicas receberão novas pessoas, mas elas também tenderão a sair bastante rápido. Abaixar as exigências não garantirá a expansão da comunidade a longo prazo.

Hebraica – A Bíblia diz que somos, numericamente, o menor de todos os povos. Continuaremos sendo assim no futuro?

Dellapergola – A Bíblia também ordena que nos multipliquemos e diz que um dia seremos tantos quanto o pó da terra. Assim, nosso nível populacional está condicionado ao nosso comportamento. Segundo a Torá, se nos comportarmos devidamente, seremos numerosos. Do contrário, perderemos tudo. Isto é o que está escrito.

A demografia política:

O que acontecerá quando a população árabe ultrapassar o número de judeus entre o Jordão e o Mediterrâneo, daqui a dez anos? Leia algumas opiniões:

"Nós não temos tempo ilimitado. Mais e mais palestinos estão ficando desinteressados numa solução negociada para se chegar a dois Estados. Porque eles querem transformar a essência do conflito num modelo sul-africano [apartheid]. De uma luta contra a ‘ocupação’ querem mudar para uma luta por ‘um homem um voto’. Esta será uma luta muito mais limpa e, no final das contas, também mais poderosa. Para nós, significará o fim do Estado judeu."Ehud Olmert, ministro da Indústria, do Trabalho e das Comunicações do governo do Likud

"O que realmente me dá medo é o dia, não muito distante, em que nascerá o bebê palestino que transformará os judeus deste lugar numa minoria. Então o que faremos? Como serão as coisas quando não tivermos mais a desculpa e a força de sermos a maioria? Acho que toda geração tem uma verdade, e a verdade da nossa geração é que entre o Jordão e o Mediterrâneo os judeus se tornarão minoria."Avraham Burg, um dos líderes do Partido Trabalhista

"Quanto mais rápido chegarmos a uma situação em que houver dois Estados com fronteiras razoáveis, com acordos de segurança razoáveis e com um relacionamento razoável, melhor será para resolver a questão demográfica. Isto ajudará pelo menos a reduzir a ameaça do conflito se tornar existencial para os dois povos."Dan Kurtzer, embaixador (judeu) dos EUA em Israel

OS JUDEUS E NÚMEROS: 

Hoje somos quase 13 milhões.

De cada 480 seres humanos na Terra, 1 é judeu.

Os EUA têm a maior comunidade judaica (5,3 milhões),

seguidos de Israel (5 milhões) e da França (500 mil).

No Brasil vivem pouco menos de 100 mil judeus.

Hoje, os judeus representam 81% da população de Israel dentro da Linha Verde, mas em 2050 esta porcentagem cairá para 74%.

Atualmente cerca de 760 mil israelenses vivem fora do país.

A comunidade judaica da Rússia tem a maior porcentagem de casamentos mistos (78%), comparada com os judeus dos EUA (51%) e da França (40%).

Fonte: Sergio Dellapergola; jornal Haaretz



* Matéria Extraída da Revista "A HEBRAICA"

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