O grande êxodo:
Com a queda de Recife e subseqüente capitulação dos holandeses, entrou em plena desagregação a comunidade israelita no nordeste do Brasil.
Viram-se então os judeus dessa região, após vários anos de privações e sofrimentos, em face de uma dolorosa encruzilhada: permanecer no Brasil, onde presenciaram a calamitosa destruição da sua vida coletiva e dos seus bens pessoais, e onde os ameaçavam os horrores de uma implacável perseguição - não obstante o arranjo feito pelos holandeses com os portugueses no sentido de ficarem impunes os judeus remanescentes - ou emigrar em busca de refúgio, onde pudessem reconstruir as suas vidas.
Uma pequena parcela resignou-se à permanência no Brasil, dispersando-se pelo seu território, enquanto o grosso optou pela emigração. Destes, um grupo - constituído provavelmente dos mais ricos e mais relacionados na Holanda, entre eles o próprio chefe da comunidade rabino Isaac Aboab da Fonseca - decidiu retornar a esse país - ilha de liberdade no vasto oceano de intolerância que então era o continente europeu - ao passo que a maioria, a parte mais pobre, preferiu enfrentar o desconhecido, aventurando-se em direção das mais longínquas paragens das três Américas.
Os que regressaram à Holanda, ali se reintegraram na comunidade israelita, sem deixarem maiores vestígios. Os outros, pulverizados entre diversas colônias francesas, inglesas e holandesas das Américas, lançaram nas novas pátrias a afirmação pujante da sua vitalidade, contribuindo eficazmente para o desenvolvimento econômico das mesmas e implantando aglomerações judaicas, uma das quais viria a ser nos tempos modernos a extraordinária comunidade israelita dos Estados Unidos da América do Norte.
O destino dos fugitivos nas colônias americanas:
O êxodo dos judeus brasileiros para as colônias européias nas Américas tomou três rumos: Guianas, Antilhas e Nova Holanda (América do Norte), dos quais o segundo foi que atraiu a maioria.
Guianas. - De começo, um grupo de judeus fugitivos, sob a direção de David Nassib, fixou-se em Caiena (1657), donde, por ter sido hostilizado pelos habitantes locais, passou mais tarde para Surinam, que naquele tempo era uma colônia inglesa, somente vindo a ser conquistada em 1667 pelos holandeses.
Em Surinam, os judeus contribuíram substancialmente para o desenvolvimento da colônia, à base da cultura da cana de açúcar, e, graças à absoluta liberdade de que gozavam, foram crescendo em número e se organizando em uma comunidade duradoura que, em fins do século XVIII, chegou a contar mais de 1.300 almas. O núcleo mais importante - com 1.045 judeus numa população de 2.000 - ficava nos arredores de Paramaribo e era conhecido como "Savana Judea".
Antilhas. - A primeira leva de judeus procurou atingir a Martinica, que gozava da fama de ser bem administrada pelo governador Parquet. Este, entretanto, embora a princípio disposto a aceitá-los, resolveu, por influência dos jesuítas, não permitir o desembarque, o que fez com que os forasteiros, em número de 900, seguissem para Guadalupe, onde foram acolhidos e, bem depressa, prosperaram.
Mais tarde, Parquet, arrependido, permitiu que outras levas de judeus se estabelecessem na ilha, a qual passou então a experimentar enorme progresso na agricultura e no comércio.
Outro grupo atingiu Barbados, onde já havia alguns cristãos-novos trazidos pelos ingleses e que, acrescidos agora dos judeus brasileiros, deram um forte incremento à indústria do açúcar.
Finalmente, vários outros grupos estabeleceram-se em Jamaica e São Domingos, dedicando-se, como sempre, à sua tradicional ocupação - indústria açucareira.
Graças a esse concurso dos judeus foragidos do Brasil, conseguiu a América Central estabelecer o seu monopólio no mercado mundial de açúcar, monopólio esse que antes estava nas mãos do Brasil.
Forneceram, assim, aqueles judeus às colônias centro-americanas os elementos de riqueza que, por influência da desastrada política dos monarcas portugueses, o Brasil desprezara!
América do Norte. - Um grupo de judeus, numericamente pequeno, porém de importância significativa para a história dos judeus no Novo Mundo, deixou Recife, logo depois da sua queda, em direção à longínqua Nova Amsterdã (atual Nova York), então capital da Nova Holanda norte-americana.
Quando esse grupo de 23 judeus, levado pelo navio de guerra francês "St. Charles", acampou em 12 de setembro de 1654, à margem do Hudson, era sua esperança encontrar ali boa acolhida, por se tratar de uma colônia holandesa. Entretanto, o governador da colônia, Pierre Stuyvesant, autócrata e anti-semita, fanático e inflexível em matéria de religião, exigiu a retirada desses "inimigos e blasfemadores do nome de Cristo". E foi somente graças à intervenção da Companhia das Índias Ocidentais - em cujo seio acionistas judeus exerciam influência - que afinal se permitiu a permanência dos 23 judeus brasileiros na aldeia de Nova Amsterdã, com a condição de que "os pobres entre eles fossem mantidos por sua própria nação", que não exercessem cargos públicos, que não se dedicassem ao comércio a varejo, e que não fundassem congregação. Evidentemente, tais restrições passaram em breve a ser letra morta, pois, decorridos apenas dois anos, já haviam os judeus, sob a liderança de Asser Levy, conseguido adquirir um terreno para um cemitério próprio.
Pouco mais tarde, tendo os ingleses se apoderado em 1664 das colônias holandesas da América do Norte, os judeus passaram a gozar de absoluta liberdade de consciência, podendo assim consolidar a sua comunidade e disseminar-se pelo país, onde, com o correr dos séculos, viria desenvolver-se a maior das coletividades israelitas do mundo, tendo como principal centro a cidade de Nova York, justamente a antiga aldeia de Nova Amsterdã onde, em meados do século XVII, um punhado de judeus brasileiros fugitivos estabelecera a primeira aglomeração judaica da América do Norte.
A acomodação no Brasil
Como já foi mencionado, o êxodo que se verificou após a expulsão dos holandeses não abrangeu a totalidade da população judaica do nordeste do Brasil. Certo número de marranos resolveu permanecer na terra que havia aprendido a amar, confiando não só no compromisso estipulado no tratado de capitulação dos holandeses no sentido de que os judeus remanescentes não seriam molestados, como ainda no ambiente de relativa tolerância religiosa que então reinava em Portugal.
Contribuiu para tal ambiente a influência do padre jesuíta Antônio Vieira, enérgico, persistente e abnegado defensor dos judeus. O ardor com que lutou pela sua causa provinha-lhe da convicção de que os judeus não podiam ser jamais um perigo para Portugal: e de que, ao contrário, eles eram a energia vital da nação, tornando-se assim urgente chamar de volta os judeus expulsos ou foragidos com o fim de revigorar as forças empobrecidas. O mais importante dos trabalhos que escreveu em defesa dos judeus intitulava-se: "Proposta feita a el-rei D. João IV, em que se lhe representa o miserável estado do reino e a necessidade, que havia, de admitir os judeus mercadores, que andavam por diversas partes da Europa".
Graças à visão esclarecida e aos esforços do padre Antônio Vieira, fundou-se, em 8 de março de 1649, a Companhia Geral do Brasil, semelhante à Companhia anteriormente criada pelos holandeses, tendo os cristãos-novos ricos do país subscrito grande número de ações da nova sociedade. Como contrapartida, obtiveram os cristãos-novos várias concessões tais como a isenção do confisco dos seus bens e facilidades para comerciarem e se transportarem ao Brasil.
Em tais condições, compreende-se que, com a retirada dos holandeses do Brasil, e apagados os primeiros ressentimentos, pudessem os judeus remanescentes difundir-se pacificamente pelo território brasileiro, inclusive em áreas do próprio Nordeste, reduzindo ao mínimo as aparências da sua origem judaica.
É certo que, decorridos alguns anos, tendo falecido D. João IV em 1656, a Inquisição conseguiu pôr termo à tolerância anteriormente instituída para com os judeus e - sem se esquecer de vingar-se do padre Vieira - fez recrudescer as perseguições. Estas culminaram com a promulgação da lei de 9 de setembro de 1683, que determinava a expulsão dos cristãos-novos e a aplicação da pena de morte aos que voltassem ao país.
Os efeitos dessa nova onda de perseguições não alcançaram todavia de forma sensível o Brasil, tendo até contribuído para que se intensificasse a vinda dos cristãos-novos acossados em Portugal.
E, assim, pôde a população do Brasil, não somente recompor-se do tremendo abalo sofrido com a desagregação pós-holandesa, mas ainda experimentar um razoável crescimento numérico.
Do exposto, cabe concluir, portanto, que a segunda metade do século XVII foi um período de lenta e discreta acomodação dos judeus no Brasil: um período certamente sem brilho e sem quaisquer manifestações de vida coletiva judaica, mas também sem grandes abalos, sofrimentos e disabores.
2 comentários:
Life for Jewish people during and after the Inquisition was always very hard. America has been a little easier. Best wishes.
LIfe for Jewish people during and after the Inquisition was always very hard, except maybe here in America. Best wishes.
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