15 de março de 2018

SEPULTAMENTO JUDAICO: POR QUE É PROIBIDO VER O CORPO DURANTE O FUNERAL?


Depois de cobrir o corpo, ninguém mais pode vê-lo: nem mesmo os próprios filhos, parentes ou amigos

Da mesma forma que existe um modo de vida judaico, existem, também, rituais a serem seguidos por ocasião da morte. Quando morre um judeu, os familiares devem providenciar seu enterro rapidamente. De acordo com as leis mosaicas, o corpo deve ser sepultado logo que for possível, de preferência no mesmo dia da morte e, também, enquanto houver luz natural: 
Seu cadáver não poderá permanecer ali durante a noite, mas tu o sepultarás no mesmo dia (Deuteronômio 21:23)
Enquanto o morto permanecer insepulto, a sua alma não ficará em repouso. Ela só descansará quando o corpo for enterrado. Portanto, adiar o sepultamento, sem motivo justo, é um desrespeito ao morto e uma interferência nos planos do Criador. 




O cemitério, por sua vez, é denominado Beit Ha'olam, que significa, na língua hebraica, "Casa do Mundo" ou "Casa da Eternidade"

. O enterro é postergado nas seguintes ocasiões: 

1. quando alguém morre no Yom Kipur (o Dia do Perdão); e 

2. quando a morte ocorre em uma sexta-feira à noite, início do Shabat (o Dia do Descanso Semanal). 

No primeiro caso, o enterro é realizado no dia seguinte. E, no segundo caso, o sepultamento só ocorre no anoitecer do sábado, ou quando surge a primeira estrela no céu. Excetuando-se essas duas ocasiões, tolera-se adiar o enterro, ainda, quando se aguarda a chegada de parentes que estão distantes; ou quando os familiares transportam o corpo para ser enterrado em Israel.
Segundo a religião judaica, preparar o morto para o sepultamento é um cerimonial de grande relevância, porque o corpo aloja a alma e, por essa razão, deve ser mantido muito limpo. O cemitério, por sua vez, é denominado Beit Ha'olam, que significa, na língua hebraica, "Casa do Mundo" ou "Casa da Eternidade".
Com o advento da morte, a alma, que até então estava abrigada no corpo, inicia uma dolorosa separação do mesmo. Tal processo se dá conforme vai ocorrendo a decomposição. Quando o corpo é sepultado na terra, ele se desintegra lentamente, o que é confortante para a alma. Corpo e alma são entidades que permanecem interligadas após a morte, e o processo de desligamento não é imediato. A alma continua em contato com o corpo, mesmo depois do enterro, e ainda compartilha de todas as suas sensações. A decomposição, portanto, é um processo fundamental e benéfico para a alma. Por isso, os preceitos mosaicos proíbem a cremação já que esta implica na súbita separação artificial entre corpo e alma. Como diz o Talmud: 

O enterro não é para o bem dos vivos, mas sim para o dos mortos (Sanhedrin 47a).

Além disso, a religião judaica ressalta que um único osso, localizado na parte posterior do pescoço, jamais se decompõe. E é a partir desse osso - denominado osso luz - que o corpo será reconstruído na futura Era Messiânica, quando todos os mortos serão ressuscitados. Em razão disso, a cremação do corpo não é aceita; já que a ressurreição é uma crença fundamental do judaísmo, conforme expresso por Maimônides, em seus 13 Princípios da Fé.



A religião judaica ressalta que um único osso, localizado na parte posterior do pescoço, jamais se decompõe. E é a partir desse osso - denominado "osso luz" - que o corpo será reconstruído na futura Era Messiânica, quando todos os mortos serão ressuscitados


Quando morre um judeu, a família deve avisar à Chevra Kadisha - uma Sociedade Funerária ou Comitê Fúnebre encarregado de preparar o morto e conduzir o cerimonial do enterro. Esse Comitê também se encarrega de administrar o cemitério. Via de regra, as primeiras providências tomadas são as seguintes: 

1. estirar os braços do morto ao longo do corpo (os braços nunca podem ser cruzados); 

2. fechar os seus olhos; 

3. retirar todos os adornos que esteja usando (brinco, relógio, pulseira, anel, peruca, dentadura postiça, óculos, esmalte nas unhas, batom, próteses removíveis, e outros); e 

4. cobrir o corpo todo, dos pés à cabeça, com um lençol branco, de algodão ou de linho.

Depois de se cobrir o corpo, ninguém mais pode vê-lo: nem mesmo os próprios filhos, parentes ou amigos. Não é permitido observar a sua desintegração. Olhar o cadáver é uma violação ao princípio de kevod ha'met (o respeito aos mortos), representando um desrespeito à pessoa que viveu, e significa limitar a morte, apenas, aos aspectos físicos. Espera-se que todos conservem, na memória, a imagem da pessoa em vida, sendo isto um passo para que o falecido possa alcançar a dimensão espiritual.
Todos os enterros judeus são sempre idênticos. O caixão é feito com um tipo de madeira simples, o mínimo dispendioso possível (em geral, tábuas de pinho, que se deterioram facilmente), forrado com um tecido preto e, na parte superior, é colocada a Estrela de Davi com as iniciais do morto. Somente isso! Nenhum outro adereço, como coroa de flores, velas ou caixões suntuosos, é permitido. Segundo o judaísmo, as pessoas vêm do pó e voltam ao pó. Toda e qualquer ostentação nos funerais é interditada. Como ninguém nasce com adornos, também não pode ser sepultado com eles: precisa partir com a maior simplicidade possível: Portanto, se, em vida, aquela pessoa era rica, na morte, receberá o mesmo tratamento que a pobre. Dessa maneira, pelo menos na morte, ricos e pobres se igualam.




O caixão é feito com um tipo de madeira simples, o mínimo dispendioso possível (em geral, tábuas de pinho, que se deterioram facilmente), forrado com um tecido preto e, na parte superior, é colocada a Estrela de Davi com as iniciais do morto


Quando o carro da funerária chega ao Cemitério Israelita, o caixão é levado a um quarto reservado que tem um lavatório e uma bancada, e cujas paredes são forradas com azulejos brancos. Ali, o Comitê Fúnebre irá preparar o morto para o sepultamento. As mulheres preparam um corpo feminino e, os homens, um masculino. Em primeiro lugar, retiram o corpo do caixão e o colocam sobre a bancada, onde é lavado com álcool. Este ritual representa um tributo valioso prestado ao falecido, por parte da comunidade judaica, sendo denominado tahará (purificação). Segundo a tradição, o ritual da purificação se repete há milênios: assim como veio, assim irá, isto é, da mesma forma que um recém-nascido é lavado, após o nascimento, e ingressa no mundo fisicamente limpo e espiritualmente puro, ao partir, também precisa ser purificado, ainda que de maneira simbólica.
A seguir, o corpo é vestido com uma mortalha, feita com morim branco e composta pelos seguintes elementos: uma calça comprida fechada até os pés, uma camisa, um camisão, uma espécie de cinto, um capuz (para cobrir a cabeça e o pescoço), e dois sacos, abertos em uma dos lados (para cobrir as duas mãos). A mortalha já pode vir confeccionada, ou é costurada à mão durante o velório. Se, por algum motivo, não houver uma disponível, o morto pode ser enrolado somente com um lençol branco de linho ou algodão. 
O passo seguinte é colocar uma pedra sobre cada olho e, outra, na boca. Isto impedirá, de acordo com o judaísmo, que o falecido venha a questionar a própria morte, ou que, antes do Dia do Juízo Final, encontre com Deus. Caso a pessoa que morreu seja do sexo masculino, por cima da mortalha coloca-se o seu talit (uma espécie de xale, com franjas nas extremidades, que os judeus usam durante as orações). Feito isso, fecha-se a tampa do caixão e, só então, ele é colocado sobre a bancada do velório. Vale ressaltar que, todas as ações relativas à preparação do corpo para o enterro, são sagradas e consideradas mitzvot (bons atos).




O próximo ritual é denominado keriá: um sinal tradicional de luto que remete aos tempos bíblicos e, no qual, um pedaço da roupa dos enlutados é rasgada

As orações fúnebres são recitadas em hebraico, seja por um rabino, seja por um membro do Chevra Kadisha, mas, na ausência deles, qualquer integrante da comunidade israelita pode conduzir a cerimônia. O próximo ritual é denominado keriá: um sinal tradicional de luto que remete aos tempos bíblicos e, no qual, um pedaço da roupa dos enlutados é rasgada. Este é um sinal de que, diante da perda do ente querido, o coração dos parentes próximos está dilacerado.
Segundo a Torá (os cinco livros que contêm, entre outros, a compilação do judaísmo: os relatos sobre a criação do mundo e a origem da humanidade; o pacto de D’us com Abraão e seus filhos; a libertação dos filhos de Israel do Egito; a peregrinação de quarenta anos pelo deserto, até a Terra Prometida; os mandamentos e as leis que D’us entregou a Moisés), quando Jacob recebeu a falsa notícia de que seu filho, José, havia sido devorado por uma fera, reagiu rasgando as vestes (Gênesis 37:34). Davi rasgou suas roupas, também, quando foi informado sobre a morte do Rei Saul e do seu filho, Jonathan.. Durante o desenrolar desse ritual, recita-se a benção Baruch Dayan Emet (Bendito seja o verdadeiro Juiz) em uma demonstração de que, apesar da tragédia, a crença em D’us continua inabalável.



De acordo com a tradição judaica, ao se lavar as mãos ao sair do cemitério, significa que a água é a fonte da vida, portanto, mais poderosa que a morte

Na saída do cemitério há um lavatório, onde os judeus, segundo a tradição, têm que lavar as mãos depois dos sepultamentos (al netilat iadaim). De acordo com a tradição judaica, ao se lavar as mãos ao sair do cemitério, significa que a água é a fonte da vida, portanto, mais forte que a morte. 
Ao voltar do cemitério, a família senta-se em shivá: todos devem permanecer em casa, de luto, durante sete dias. Umamitzvá muito importante, e uma das maneiras judaicas de se fazer o bem, é aparecer na casa dos enlutados, logo após o sepultamento, ou durante o período de shivá, e fazer-lhe companhia, sentando-se ao seu lado e oferecendo um ombro amigo. Durante aquele período, um grupo de dez homens (mínian) reza as orações fúnebres (kaddish).
Geralmente, 1 ano após o sepultamento, realiza-se a cerimônia da matzevá, “descobrimento do túmulo” e inauguração da lápide, ou pedra tumular da sepultura judaica. Nessa cerimônia, o túmulo é coberto com um pano preto, em sinal de luto; reza-se o kaddish, no final, retira-se o pano. Com esse ritual, encerra-se o período de luto. As pessoas colocam pedrinhas sobre a sepultura do ente querido, em sinal de resignação com a sua morte. Cabe salientar que o ritual de colocação das pequenas pedras sobre o túmulo é efetuado sempre que se visita as sepulturas, indicando que o morto é lembrado e reverenciado.
A religião judaica não apóia o luto excessivo porque este não é saudável para os vivos. Se o preto não se constituir na cor que sempre usou, o enlutado não deve usar roupa e gravata pretas, ou colocar uma tarja negra na lapela: precisa seguir vivendo a sua vida e se conformar com a morte.




Geralmente, 1 ano após o sepultamento, realiza-se a cerimônia da matzevá, “descobrimento do túmulo” e inauguração da lápide, ou pedra tumular da sepultura judaica

Em duas ocasiões, apenas, a lei mosaica permite a abertura do túmulo e a retirada dos ossos. Primeiro: quando a comunidade judaica não possuía, ainda, seu próprio cemitério. Neste caso, assim que seja inaugurado um cemitério judeu, é permitido desenterrar os ossos e sepultá-los ali, para que o morto permaneça junto dos demais hebreus. E, segundo, quando a família deseja enterrar seus restos mortais no solo de Israel. Excetuando-se esses dois casos, qualquer ação que venha a perturbar o repouso do falecido recebe a denominação nivúl ha'met (representa uma ofensa ao mesmo).
A religião judaica não aceita que se cometa suicídio, caso as pessoas estejam de posse das suas faculdades físicas e mentais (em hebraico, bedáat). Os suicidas são sempre enterrados à parte, afastados de todos os túmulos, geralmente próximo a um dos muros do cemitério. De acordo com a religião mosaica, somente D’us possui o direito de tirar a vida de alguém. No entanto, caso a pessoa se encontre em um estado grave de alienação mental, ou esteja sentindo uma dor física intensa, o suicídio é considerado anús: a pessoa estava fora de si e não pode ser responsabilizada por seus atos. Sendo assim, no sepultamento, merece receber os mesmos privilégios e tributos que uma pessoa falecida de morte natural. Em outras palavras: não é enterrada afastada dos demais.



O corpo é vestido com uma mortalha; feita com morim branco e composta pelos seguintes elementos: uma calça comprida fechada até os pés, uma camisa, um camisão, uma espécie de cinto, um capuz (para cobrir a cabeça e o pescoço), e dois sacos, abertos em uma dos lados (para cobrir as duas mãos)


. Influência Judaica no Nordeste Brasileiro:

.Influência Todos esses rituais judaicos foram trazidos para o Nordeste do Brasil, por ocasião do Descobrimento. No período da colonização, os judeus da Península Ibérica foram atraídos ao Brasil-Colônia especialmente em busca de liberdade religiosa. Muitos deles eram cristãos-novos (ou marranos), aqueles hebreus convertidos à força pelos católicos, para escapar das fogueiras da Inquisição. Devido à sua formação acadêmica e conhecimentos técnicos, eles chegaram como importantes auxiliares dos portugueses. Outros vieram como degredados, em virtude de práticas judaizantes de menor importância.
Vale ressaltar que, a despeito da conversão forçada ao catolicismo, as famílias judias continuavam seguindo suas tradições dentro de casa. Com o passar dos séculos, vários rituais continuaram sendo repetidos, sem que se soubesse mais o motivo de suas práticas. Trata-se, hoje, de indivíduos que se dizem católicos, em termos de religião, mas que reproduzem tradições hebréias. Isto pode ser observado em certos atos praticados no agreste e no sertão de Pernambuco, e em outros Estadosnordestinos que, sem sombra de dúvida, foram absorvidos do judaísmo. Um deles, por exemplo, diz respeito à exigência de ser sepultado com mortalha e sem caixão. E, um outro, refere-se à prática de colocar pedrinhas sobre os túmulos. Mesmo sem saber, as pessoas que repetem esses costumes poderão ter uma ascendência judaica.

. FONTES CONSULTADAS:

Semira Adler Vainsencher - Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco
pesquisaescolar@fundaj.gov.br
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KOLATCH, Alfred J. 2º. livro judaico dos porquês. São Paulo: Ed. e Livraria Sêfer, 1998.
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O QUE significa? Conhecendo mais sobre o judaísmo – II. Disponível em: . Acesso em: 16 fev. 2008.
PERGUNTE ao rabino. Disponível em: . Acesso em: 16 fev. 2008.
REGRAS do luto judaico. Disponível em: . Acesso em: 15 fev. 2008.
RIBEMBOIM, José Alexandre. Senhores de engenho: judeus em Pernambuco colonial (1542-1654). Recife: 20-20 Comunicação e Editora, 1998.
MENEZES, José Luís Mota. O primeiro cemitério judeu das Américas: período da dominação holandesa em Pernambuco (1630 - 1654). Recife: Bagaço, 2005.
SCHNEERSON, Menachen Mendel. Trazendo o céu para a terra: 365 meditações dos ensinamentos do Rebe Menachen Mendel Schneerson. São Paulo: Ed. Colel Tora Temimá do Brasil, 2000.
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VAINSENCHER, Semira Adler. Cemitério Judeu, Recife/PE. Disponível em: .  Acesso em: 10 abr. 2008.
Cemitério Judeu nas Américas, Recife. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2008.

. COMO CITAR ESTE TEXTO:

Fonte:VAINSENCHER, Semira Adler. Enterro judeu. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: . Acesso em: dia  mês ano. Ex: 6 ago. 2009.

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