25 de setembro de 2019

A CHINA ENCONTROU, ISRAEL ENCONTROU... E O BRASIL, AINDA NÃO


A região que contempla Shenzhen (detalhe), Hong Kong e Guangzhou é conhecida como a Área da Baía Maior (Greater Bay Area), comparada ao Vale do Silício, berço de grandes inovações tecnológicas

Chineses e israelenses inovaram porque encontraram suas necessidades mais fundamentais e precisavam resolvê-las. Fazemos bem em observar esses casos, em vez de ficarmos só sonhando com o Vale do Silício.



A cidade de Hong Kong; um dos polos de desenvolvimento tecnológico na China

Uma viagem recente à China deixou mais claro para mim quanto o país mudou nos últimos anos. Os ecossistemas de inovação chineses têm um componente forte de curiosidade, abertura ao novo e ao mundo. Compartilha essas características com outros dos mais famosos polos globais, como Austin (onde ocorre o SXSW, maior festival de inovação do mundo), Berlim ou o Vale do Silício. Mas um fator diferencia a China desses lugares em países ricos, e a aproxima de Israel.

Cada região tem características únicas. Em Israel, a inovação aconteceu por necessidade – mais precisamente, pela escassez de recursos e pela situação de conflito prolongado. Por causa da tensão e das guerras abertas com países vizinhos, israelenses precisaram se unir e colaborar na construção desse novo ecossistema. Um intenso fluxo de capital e de recursos humanos de alta qualidade completaram a receita. Devido ao tamanho restrito do seu território, os israelenses passaram a exportar, e, posteriormente pensar em como seus serviços poderiam atingir escala global.

No caso da China, a inovação também ocorreu por necessidade. Como dotar de dinamismo econômico uma nação com população gigante, muita pobreza e escassez de recursos naturais? A resposta foi copiar (primeiro) e melhorar (depois) o que já havia dado certo no mundo, num receituário já testado por Japão e Coreia do Sul. A abertura na China foi um pouco diferente. Podemos compará-la com o Brasil, pois aconteceu mais ou menos na mesma época, durante a década de 1970. A China resolveu se abrir para o mundo e, Shenzhen, uma das cidades que visitei por lá em abril de 2019, transformou-se na primeira zona econômica especial do país, como se fosse o piloto da abertura de livre mercado dentro do regime comunista.

Países com grande mercado interno sofrem a tentação de se fechar, como aconteceu com o Brasil. As políticas desenvolvimentistas implementadas por aqui a partir da década de 1970 ainda mostram efeitos na cultura empreendedora nacional – por exemplo, quando analisamos o posicionamento de algumas startups que miram apenas nos clientes locais. As políticas desenvolvimentistas brasileiras nasceram de uma certa visão de país, na cabeça de governantes, empresários e economistas. Mas não decorreram de necessidades fundamentais e urgentes do país.


No caso da China, a inovação também ocorreu por necessidade. Como dotar de dinamismo econômico uma nação com população gigante, muita pobreza e escassez de recursos naturais?

Na China, apesar do mercado interno grande, aconteceu um movimento diferente. Em vez de priorizar o mercado interno, o país começou a se abrir, transformando-se no berço da manufatura, como se fosse o chão de fábrica do mundo. A China precisava criar muitos empregos muito rapidamente. O país passou a desenvolver cópias de produtos reconhecidos e transformou o Made in China em uma marca – numa primeira fase, sinônimo de produto barato. O ocidente pensava e a China fabricava. Nesse processo, o desenvolvimento da cidade de Shenzhen foi considerado um sucesso e serviu de modelo para construção de outras supercidades, como Guangzhou (Cantão).

A região que contempla Shenzhen, Hong Kong e Guangzhou é conhecida como a Área da Baía Maior (Greater Bay Area), comparada ao Vale do Silício, berço de grandes inovações tecnológicas, e que abriga as maiores empresas de inteligência artificial da China. O governo começou a multiplicar essas zonas econômicas especiais e atrair talentos para esses lugares. Formou-se nessas áreas uma forte base de capital intelectual.

Hoje, a China passa pela transição do Made in China para Created in China. O WeChat é um exemplo. O produto é uma versão mais elaborada do WhatsApp. Além dele, diversas outras ferramentas que os chineses desenvolveram mostram-se muito melhores que as inspirações originais. Essa mudança incentivou o surgimento de um outro movimento, o Copy in China, em que outros países passam a copiar invenções de origem chinesa.

O experimento chinês continua em andamento. Regiões, cidades e empresas têm metas estabelecidas de fatias de mercado e outros resultados. Os governos (do país e das províncias) delimitam quais áreas serão polos para determinados setores. Dirigentes no governo também têm metas a cumprir, o que cria um sistema meritocrático, ao menos na aparência.


Tel Aviv (detalhe): Em Israel, a inovação aconteceu por necessidade – mais precisamente, pela escassez de recursos e pela situação de conflito prolongado

Shenzhen continua a oferecer uma visão privilegiada dessa imensa experiência em andamento, com uma relação muito peculiar entre governo e empresas. Chama a atenção na cidade a presença dos parques industriais (“industrial parks”), miniecossistemas que ocupam espaços de dimensão variada, de partes de um prédio comercial até várias quadras. Um dos parques que visitei, no distrito de Nanshan, é bem focado em empresas do setor financeiro e de tecnologia da informação. A gigante Tencent e mais de 50 aceleradoras estão em um só prédio. Nesse parque estão presentes mais de 200 empresas de venture capital – e só em Shenzhen há mais de 3 mil parques.

No showroom do espaço que visitei, há uma estátua com a seguinte inscrição: “Siga o nosso Partido. Abra o seu negócio”. A frase sintetiza a importância que o governo chinês dá ao empreendedorismo e como isso é associado a um projeto político. Se a inovação define os tempos atuais e o futuro, a China é, de longe, o país que leva essa lógica mais a sério, e onde as próximas grandes revoluções deverão acontecer.

. Autor:

Bruno Tataren é sócio e head de Conhecimento da Organica Evolução Exponencial, head da BU de Conhecimento e cofundador da aceleradora de marketing digital Brifô. Foi cofundador e COO do negócio social Atados, maior marketplace de voluntariado e consultoria de voluntariado empresarial da América Latina.

. Fonte:

https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2019/09/china-encontrou-israel-encontrou-e-o-brasil-ainda-nao.html

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