5 de agosto de 2021

COMENTÁRIO SOBRE A ORAÇÃO SHEMÁ ISRAEL (שְׁמַע יִשְׂרָאֵל)


Apesar de ser relativamente curto, o Shemá Israel sintetiza a base do Judaísmo

O Shemá Israel consiste de três passagens da Torá – Deuteronômio 6:4-9 e 11:13-21, e Números 15:37-41. Há uma obrigação que recai sobre todos os homens judeus, ordenando-lhes dizer o Shemá Israel duas vezes ao dia – uma após o anoitecer e outra pela manhã. Segundo a maioria das opiniões (Talmud Bavli, Berachot 21a), essa obrigação é um mandamento da Torá e não uma lei rabínica. Essa é, pois, uma das razões para o Shemá Israel ser parte integral de nossas orações matutinas e vespertinas.


Há uma obrigação que recai sobre todos os homens judeus, ordenando-lhes dizer o Shemá Israel duas vezes ao dia – uma após o anoitecer e outra pela manhã

A importância da recitação do Shemá Israel é destacada pelo fato de que as leis de como cumprir adequadamente esse mandamento constituem o primeiro assunto discutido pela Torá Oral, isto é, a Mishná e a Guemará (Talmud). As primeiras palavras do primeiro tratado do Talmud são “Acerca de quando podemos recitar o Shemá ao entardecer?” (Mishná, Tratado Berachot, capítulo 1).

Apesar de ser relativamente curto, o Shemá Israel sintetiza a base do Judaísmo. Nosso propósito com este trabalho é dar aos leitores uma tradução1 e uma breve, mas relevante, elucidação do Shemá Israel, para que possam recitá-lo com mais compreensão.

Primeira porção do Shemá Israel (Deuteronômio 6:4-9)

Ouça, ó Israel, o Eterno é nosso D’us, o Eterno é Um.

O primeiro versículo do Shemá Israel é uma proclamação do princípio fundamental do Judaísmo – o monoteísmo absoluto. O conceito da Unicidade de D’us, de Sua Unidade e Singularidade, é a essência da Torá.

A afirmação de que “o Eterno é Um” é a rejeição do politeísmo, dualismo e trindade, e de qualquer outra concepção de D’us contrária à da Torá. A Unicidade de D’us também significa que apenas a Sua Existência é absoluta e incondicional, atemporal e eterna. Comparada à verdade da Existência Divina, nenhuma outra realidade é absoluta: a existência de tudo além de D’us é condicional e tênue. 

O conceito de que somente a existência Divina é absoluta é encontrado em um versículo da Torá que faz parte do Aleinu LeShabeach, que recitamos ao término de todas as nossas orações: “...o Eterno é D’us, acima nos Céus e embaixo, na Terra; não há nada (além d’Ele)” (Deuteronômio 4:39). Isso significa que nos Céus e mesmo na Terra, somente D’us existe verdadeiramente: a existência de tudo o mais é condicional, pois é absolutamente dependente d’Ele. Em outras palavras, enquanto D’us é atemporal e eterno, a criação – que teve um início – existe apenas pelo fato de que D’us a sustém, continuamente.

A Unidade e Unicidade de D’us é a base do Judaísmo, um assunto de tal profundidade e grandiosidade que seu escopo em muito extrapola este trabalho. Escrevemos um artigo sobre o tema, “A Unicidade de D’us”, publicado em Morashá (Edição 60, abril de 2008), mas recomendamos a nossos leitores o estudo do trabalho Derech Hashem (O Caminho de D’us), do Rabi Moshe Chaim Luzzatto2, e Shaar HaYichud ve’HaEmuná (O Portal da Unidade e da Fé), do Rabi Shneur Zalman de Liadi3.

Bendito seja o nome de Seu glorioso Reino por toda a eternidade.

Após pronunciar o primeiro versículo do Shemá Israel, há o costume de dizer, em voz baixa, Baruch shem kevod malchuto le’olam va’ed (Bendito seja o nome de Seu glorioso Reino por toda a eternidade).

Como essa frase não faz parte da Torá, ela é sussurrada – exceto em Yom Kipur, quando é recitada em voz alta.

A frase Baruch shem kevod malchuto le’olam va’ed era recitada no Templo Sagrado de Jerusalém como resposta – semelhante ao nosso “Amén” - sempre que o Tetragrama Divino era pronunciado em uma prece. Era também recitada em Yom Kipur quando o Sumo Sacerdote, o Cohen Gadol, mencionava o Nome de D’us no Templo Sagrado.

Os Sábios dão duas razões para o fato de recitarmos esse versículo em voz baixa. Segundo a tradição, no leito de morte de nosso terceiro Patriarca, Yaacov, seus filhos afirmaram sua lealdade a D’us com a proclamação do primeiro versículo do Shemá Israel. O Patriarca respondeu com as palavras Baruch shem kevod malchuto le’olam va’ed. Nossos Sábios ensinam: “Devemos dizer essas palavras em nossas orações porque nosso Patriarca Yaacov o fez? Sim, devemos. Mas, por outro lado, essa frase não está na Torá. Portanto, devemos pronunciá-la em voz baixa” (Talmud Bavli, Pessachim 56a). A outra razão por que não recitamos essa frase em voz alta é porque Moshé a ouviu da boca dos anjos – e ele a ensinou aos Filhos de Israel. E nós não ousamos repeti-la em voz alta pois não somos dignos de usar uma frase angelical. Em Yom Kipur, no entanto, quando o Povo Judeu se eleva ao nível espiritual dos anjos, podemos proclamá-la em voz alta (Midrash, Devarim Rabbah 2:36).

A frase “Bendito é o nome de Seu glorioso reino por toda a eternidade” complementa a proclamação “Ouça, ó Israel, o Eterno é nosso D’us, o Eterno é Um”. O primeiro versículo do Shemá Israel declara a Unicidade de D’us de forma que nega a existência do mundo, pois, como explicamos acima, a Torá nos ensina que “o Eterno é D’us, acima nos Céus e embaixo, na Terra; não há nada” além d’Ele. No entanto, essa afirmação levanta uma premente questão teológica: se a Unicidade Divina significa que nada realmente existe além de D’us, é possível que nosso mundo seja uma mera ilusão? Será todo o universo - que é finito - nulo e inexistente perante a Infinitude de D’us? Vários místicos orientais assim o creem. Mas a Torá nos ensina o contrário. E, portanto, imediatamente após proclamar que D’us é Um, recitamos – ainda que em sussurros – “Bendito o Nome de Seu glorioso reino por toda a eternidade”, declarando assim que o mundo – o reino de D’us – realmente existe: não é uma ilusão e tudo o que fazemos em nossa vida tem profundas consequências.

E amarás ao Eterno, teu D’us, com todo o teu coração e com toda a tua alma e com todas as tuas forças.

Rashi, autor do comentário clássico sobre a Torá, elucida esse versículo da seguinte maneira: “Cumpra Seus mandamentos por amor, não por temor, pois aquele que serve levado pelo amor é incomparavelmente superior àquele que serve por temor. Isto porque no caso de quem serve seu mestre levado pelo medo, se o mestre exigir muito dele, ele o deixará e partirá”.

Mas surge a pergunta óbvia: Como o amor é uma questão de emoção humana, como é possível ditar leis sobre o amor se o indivíduo não pode suscitar esses sentimentos?

Maimônides, o Rambam, explica de que maneira a Torá pode compelir o homem a amar a D’us: “Ao contemplar a grandeza Divina, a complexidade de Sua criação e Sua simultânea preocupação com o bem-estar de todas as criaturas, por mais insignificantes que sejam, é possível condicionar-se a amar a seu Criador” (Yesodei HaTorah 2:1-2).

Há ainda outra maneira pela qual o ser humano pode chegar a amar a D’us: contemplando sua própria vida e existência. Como está escrito na Torá: “Pois Ele é a tua vida” (Deuteronômio 30:20). A percepção de que D’us é a essência da vida; de que Ele é a fonte da vida – e não apenas do universo como um todo, mas também de nossa própria existência – leva muitos seres humanos a ansiar por D’us com toda a sua força e energia. No Livro de Isaías, há um versículo que diz:

“Minha alma Te tem buscado a cada noite” (Isaías 26:9). O Zohar, obra fundamental da Cabalá, explica o significado mais profundo desse versículo: “Tu, que és verdadeiramente minh’alma, origem verdadeira da minha vida – a Ti almejo, por Ti anseio em meio à noite, na escuridão e no ocultamento da existência” (Zohar III, 67a). A percepção de que D’us não é apenas quem dá a vida, mas que Ele é a nossa própria vida, faz despertar e revelar um amor infinito por Ele – o desejo de O alcançar, de estar próximo a Ele, de com Ele sempre estar.

Em seu Sefer HaMitzvot, o Rambam explica que o mandamento de amor a D’us também compreende a obrigação de conclamar toda a humanidade para servir a D’us e n’Ele crer, assim como o fez nosso Patriarca Avraham.

Que estas palavras que hoje te ordeno, fiquem gravadas em teu coração. Ensina-as repetidamente a teus filhos, falando sobre elas em tua casa, ao andares, ao te deitares e ao te levantares.

Rashi explica que o mandamento que diz “ensina-as (referindo-se aos ensinamentos da Torá) repetidamente a teus filhos” também se refere aos alunos de um mestre, pois, segundo a Torá, um mestre é como um pai, e seu aluno, como seu filho.

A frase “que estas palavras ... fiquem gravadas em teu coração” significa que a Torá é algo que devemos incorporar em nossa alma. Rashi o explica: nosso tópico principal de conversa devem ser palavras de Torá – não as devemos relegar a um lugar de menor importância. Suas palavras devem ser tópico de vivo interesse, de manhã e à noite, em casa e fora dela.

As palavras “ao te deitares e ao te levantares” são a base para o preceito haláchico4 sobre os momentos em que devemos recitar o Shemá Israel: à noite e pela primeira parte da manhã.

E amarra-as como um sinal em teu braço e servirão de Totafot5 entre teus olhos.

Esse versículo nos ordena o cumprimento de um dos principais mandamentos do Judaísmo, obrigatório a todos os homens judeus6 - a colocação diária dos Tefilin.
Interessante notar que esse versículo é uma clara indicação da existência e necessidade da Torá Oral, pois sem ela, o versículo é incompreensível. O que significa “amarra-as como um sinal em teu braço”? O que significa a palavra Totafot? Na Torá Oral temos a explicação de que esse versículo se refere ao mandamento de colocar Tefilin – no braço e na cabeça.

E escreva-as nas Mezuzot (umbrais das portas) de tua casa e nos teus portões.
A Torá Oral explica que essa frase se refere a outro mandamento central do Judaísmo: a colocação de uma Mezuzá em cada um dos umbrais de nossos lares e ambientes de trabalho. A Mezuzá é um pergaminho sagrado que contém os dois primeiros parágrafos do Shemá Israel.

Ao tocar na Mezuzá a cada vez em que entram em seu lar ou local de trabalho, os judeus expressam seu amor a D’us e sua fé e aderência às palavras do Shemá Israel inscritas na Mezuzá.

Segunda Porção do Shemá Israel (Deuteronômio 11:13-21)

De modo diferente da primeira porção do Shemá Israel, que é dirigida individualmente a cada um dos judeus, grande parte da segunda porção é dirigida ao Povo Judeu, coletivamente.

E acontecerá - se ouvires diligentemente os Meus mandamentos que Eu vos ordeno neste dia, para amar o Eterno, vosso D’us, e O servir com todo o vosso coração e com toda a vossa alma…

Esse versículo ordena ao Povo Judeu servir a D’us “com todo o vosso coração e com toda a vossa alma”. Como fazê-lo?O Talmud Babilônico (Talmud Bavli, Taanit 2a) ensina que “o serviço do coração” se refere à oração. O Rambam interpreta essa passagem como sendo uma obrigação de servir a D’us diariamente por meio da oração. Como “oração” é definida pelo Talmud como o ato de servir a D’us com todo o nosso coração e com toda a nossa alma, fica evidente que rezar significa se dirigir a D’us com plena consciência, concentração e devoção. Pronunciar palavras sem intenção ou sinceridade não constitui a verdadeira oração.

...então darei a chuva para a vossa terra a seu tempo, a chuva precoce e a chuva tardia; colherás teu grão, teu mosto e teu azeite.

Para quem trabalha a terra, além da quantidade anual de chuva, é muito importante a sua distribuição precisa ao longo do ano produtivo. Isto porque se as chuvas não vierem no tempo certo, ficará reduzida a fertilidade da terra e ainda que cresçam as plantas e as árvores, o curso de seu desenvolvimento será muito prejudicado.

Darei erva em teu campo para teu gado, e comerás e te saciarás.

Rashi explica o significado desse versículo: “Dispensarei uma bênção sobre o pão em teu estômago”. Isso significa que as pessoas se saciarão com o que ingerirem. Uma ideia semelhante se encontra na oração da Amidá, na bênção que pede prosperidade, quando pedimos a D’us: “Sacia-nos com Tua bondade”.

A Torá nos ensina que o que traz a felicidade não é a riqueza, propriamente dita, mas sim, a capacidade de desfrutar do que ela nos proporciona. O ser humano pode ser coberto de bênçãos – pode alcançar todos os seus desejos materiais – e continuar a se sentir insatisfeito e infeliz. A verdadeira bênção é aquela que nos traz realização interior, felicidade, satisfação e gratidão.

Guardai-vos para que vosso coração não seja seduzido e vos desvieis e sirvais aos deuses dos outros e vos curvais perante eles. Pois então, a ira do Eterno se inflamará contra vós. Ele fechará os céus para que não haja chuva e a terra não dará seu fruto.

Quando este versículo fala da ira Divina, está utilizando uma linguagem antropomórfica. Como ensina o Talmud: a Torá fala na linguagem do ser humano.
Sendo assim, é errôneo e pueril pensar em D’us como sendo um Ser vingativo que “acerta as contas” com os seres humanos. O Talmud de Jerusalém ensina que D’us Infinito não é afetado, de forma alguma, por nossas ações. Mas sim, é o homem que colhe o que plantou – e, mais cedo ou mais tarde, – recebe de volta sua retidão ou sua iniquidade. Nas palavras do Talmud Yerushalmi (Nedarim 30b): “O ser humano compreende que (ao seguir os mandamentos do Altíssimo) ele está apenas se beneficiando. Pois está escrito: ‘Se fostes justo, o que destes a Ele? Se pecaste, como O afetaste?’ (Jó 35:6-7).”

O que esses versículos do Shemá Israel ensinam é que quando os seres humanos se distanciam da Origem de toda a vida e de toda a bênção, o resultado inevitável é nefasto, inclusive no âmbito físico. Assim como há leis naturais neste nosso mundo, também há leis espirituais, que o homem pode ignorar por sua própria conta e risco. A Torá nos alerta que a idolatria, que é a negação da Realidade Suprema, é extremamente nociva, especialmente porque trai o vínculo supremo existente entre o D’us de Israel e Seu Povo, o Povo de Israel.

Contudo, é importante observar que na época do Rei Achav, de Israel, reinava a idolatria e, ainda assim, seu reino gozou de prosperidade e saiu vitorioso em suas campanhas militares7. Nossos Sábios explicam a razão pela qual D’us não suspendeu as chuvas do Reino de Israel apesar de tão desenfreada idolatria: foi porque as pessoas daquela geração se amavam e se respeitavam, mutuamente, não havendo caluniadores em seu meio8. O amor e a união genuínos entre o Povo Judeu podem afastar as consequências extremamente prejudiciais de um pecado tão grave quanto a idolatria.

Então, perecereis e sereis rapidamente banidos da boa terra que o Eterno vos dá.

A Terra de Israel é diferente de todas as demais. Ainda que D’us seja o Criador e Mestre do universo inteiro e preencha e transcenda toda a existência, Ele escolheu a Terra de Israel como Sua Morada terrestre. Essa terra é imbuída de Divindade e o privilégio de nela viver está condicionado a um comportamento condizente com o que seu Dono e Senhor espera de nós.

É importante observar que em diferentes períodos da História, a Terra de Israel esteve devastada – não apenas pelo fato de os judeus dela terem sido banidos, mas também porque seus conquistadores a julgaram não habitável9. Após a destruição do segundo Templo Sagrado de Jerusalém – ocorrida há quase dois mil anos – nação alguma conseguiu nela fincar suas raízes. As que tentaram se instalar na Terra de Israel, após a expulsão dos judeus, não foram capazes de fazê-la florescer. Segundo nossos Sábios, a razão para tal foi que a Terra de Israel se recusou a ser colonizada e a dar frutos a qualquer nação que não o seu povo, Am Israel, o Povo de Israel. De fato, a Terra de Israel, que esteve devastada por quase dois mil anos, somente começou a florir quando o Povo Judeu reestabeleceu sua soberania sobre ela, com a fundação do Estado de Israel.

Colocai estas Minhas palavras sobre vosso coração e sobre vossa alma; amarrai-as como um sinal em vosso braço e elas servirão de Totafot entre vossos olhos.

O mandamento dos Tefilin, mencionado na primeira parte do Shemá Israel, também consta nesta segunda parte, destacando a centralidade dessa mitzvá. Ainda que o Pirkei Avot (2:1) nos ensine a não fazer distinção entre os mandamentos da Torá – já que todos têm origem Divina – não há dúvida de que a colocação dos Tefilin é um dos mais importantes no Judaísmo. A importância fundamental desse mandamento é evidenciada pelo fato de que o Shemá Israel o descreve como um “sinal” entre o Povo de Israel e D’us. 

Os Tefilin são objetos sagrados. A mitzvá de sua colocação diária (excetuando-se o Shabat e as Festas Judaicas) constitui uma fonte de extraordinárias bênçãos físicas e espirituais. Basta que um único judeu, apenas, coloque os Tefilin, para que ele atraia as bênçãos e a proteção Divinas não apenas sobre ele próprio, mas sobre todos os judeus, em todos os cantos, dentro e fora da Terra de Israel.
Ensina-as a teus filhos, e fala a respeito delas, estando em tua casa e andando por teu caminho, e ao te deitares e ao te levantares.

O mandamento de estudar e ensinar a Torá aparece também nesta segunda parte do Shemá Israel, da mesma maneira como consta na primeira parte.

A razão para o Shemá Israel enfatizar o estudo da Torá reside no fato de ser o mandamento central do Judaísmo. Isto porque, para poder cumprir os mandamentos Divinos, é necessário estudá-los. Mas estudamos a Torá não apenas por razões práticas. Na verdade, muitos dos assuntos que constam em nossos livros sagrados, particularmente no Talmud, não têm nenhuma aplicação prática, especialmente na ausência do Templo Sagrado de Jerusalém. Estudamos a Torá principalmente por razões místicas. Ensina a Cabalá que o estudo da Torá constitui uma ponte metafísica entre o homem e D’us. Mediante o estudo da Torá – e por meio de sua constante presença em nossas conversas e pensamentos - podemos nos vincular a D’us continuamente. Como nos ensina o Pirkei Avot (3:6), ainda que um único judeu, sozinho, estude a Torá, a Shechiná – a Presença Divina – paira sobre ele. Ademais, quando um único judeu estuda a Torá, ele fortalece não apenas a sua alma, mas a de todos os judeus - tanto os que estão neste mundo como os que já passaram por ele e agora se encontram no Mundo das Almas.

O estudo da Torá é tão interligado com o Povo Judeu que somos conhecidos como o “Povo do Livro”. Somos uma nação que produziu muitos profetas, sábios, eruditos e filósofos, pois, ao longo de milhares de anos, o Povo Judeu se dedicou ao estudo da Torá. Como ensina o Talmud, “Se as crianças não estudarem a Torá, não haverá eruditos. Sem eruditos, não haverá profetas. Sem profetas, a Presença Divina não habitará entre o Povo de Israel” (Talmud Bavli, Sanhedrin 103b).

Hecateus, geógrafo grego durante o reino de Alexandre, o Grande, escreveu sobre países remotos que começaram a se tornar conhecidos à época. Comentou em seus trabalhos que ouvira falar de um povo interessante que vivia ao sul da Síria, todos filósofos – ou seja, pessoas que faziam todo tipo de questionamentos e eram interessadas na sabedoria por amor à própria sabedoria. Esse foi um grande elogio ao nosso povo. E, de fato, o estudo da Torá, particularmente do Talmud, deveria inspirar todos os judeus a almejarem atingir o nível de sábios – pensadores, eruditos e filósofos de grande profundidade.

E as escreverás nas Mezuzot (umbrais das portas) de tua casa e de teus portões.
Ao longo da literatura talmúdica, cabalista e rabínica, encontramos várias referências ao fato de que as palavras sagradas da Mezuzá têm um místico poder protetor de afastar o mal do lar onde está afixada e, consequentemente, de seus ocupantes.

O Talmud Yerushalmi (Peah 7b) relata a seguinte história. O último Rei dos Partos, Artabanus IV (também conhecido como Ardavan), enviou uma pérola preciosa para o Rabi Yehudá HaNassi (também conhecido como Rabi), pedindo: “Envie-me algo que seja de valor comparável”. Rabi Yehudá HaNassi, que, como o Rei Ardavan, era possuidor de incrível fortuna, enviou-lhe uma Mezuzá, ao que o Rei lhe respondeu: “Enviei-lhe algo de valor inestimável, e você me manda algo de ínfimo valor?” E Rabi lhe respondeu: “Você me enviou algo que eu tenho que guardar e proteger. Mas eu lhe mandei algo que mesmo que você esteja dormindo, irá guardá-lo e protegê-lo”.

A fim de prolongar vossos dias e os dias de vossos filhos sobre a terra que o Eterno jurou a vossos antepassados que lhes daria, como os dias dos Céus sobre a Terra.

Esse versículo nos faz lembrar, a cada vez que recitamos o Shemá Israel, que D’us prometeu a Terra de Israel a nossos antepassados - os três Patriarcas, Avraham, Itzhak e Yaacov – e a seus descendentes, a nós, o Povo de Israel. A frase “como os dias dos Céus sobre a Terra” é uma forma poética de dizer “para todo o sempre”, pois os Céus sempre permanecerão em seu lugar, sobre a Terra, enquanto existir o universo. Isso significa que a Terra de Israel é a herança eterna, dada por D’us, ao Povo de Israel.

Essa verdade foi eloquentemente expressa pelo Arcebispo de Viena, Cardeal Christoph Schönborn: “Uma única vez na história humana D’us escolheu uma terra como legado e a ofertou a Seu povo escolhido”. O Cardeal declarou também que a obrigação que recai sobre os judeus de viverem na Terra de Israel continua válida até os dias de hoje.

Vimos acima que a Terra de Israel se recusou a ser habitável, permanecendo inóspita para todas as demais nações que não os Filhos de Israel. É curioso que, ao longo da História, essa Terra tenha sido conquistada por impérios grandiosos, mas somente se tenha tornado um país independente quando esteve sob soberania judaica – em tempos bíblicos e em nossos dias, com a criação do Estado de Israel. De modo semelhante, Jerusalém foi conquistada dezenas de vezes, mas apesar de ser considerada a Cidade Sagrada, foi e é capital apenas da Nação Judaica.

Nos quase 2000 anos em que os Filhos de Israel estiveram exilados de sua pátria ancestral, eles oravam, dia após dia, no mínimo três vezes ao dia, pedindo por seu retorno à Terra de Israel e pela reconstrução de Jerusalém. Sempre houve uma comunidade judaica na Terra de Israel e os judeus que viviam na Diáspora sempre sonharam com seu retorno à sua terra. O vínculo eterno do Povo de Israel e a Terra de Israel sempre foi intocável. E o continua sendo.

Terceira Parte do Shemá Israel (Números 15: 37-41)

O motivo pelo qual este trecho da Torá foi designado como parte do Shemá Israel é o fato de mencionar o Êxodo do Egito – um evento que a Torá nos obriga a recordar todos os dias de nossa vida (Deuteronômio 16:3) – ao nos deitarmos, bem como ao nos levantarmos, que é exatamente quando somos obrigados a recitar o Shemá Israel. Apesar de outros trechos da Torá também mencionarem o Êxodo, apenas este foi selecionado para ser incluído no Shemá Israel pelo fato de conter, no total, cinco mandamentos – e não apenas a menção ao Êxodo (Talmud Bavli, Berachot 12b).

E o Eterno disse a Moshé: “Fala aos Filhos de Israel e dize-lhes que façam para si Tzitzit (franjas) nos cantos de suas vestimentas, por todas as gerações”.

A palavra Tzitzit significa “franjas” e se refere aos cordões presos nos cantos do Talit – o xale de orações judaico – e do Talit Katán – uma vestimenta de quatro pontas usada sob a camisa, ao longo do dia.

O Midrash observa que todos os momentos e todas as atividades na vida dos Filhos de Israel são potencializados e regulados por algum tipo de mandamento Divino. Por meio dos Tzitzit, o próprio ato de se vestir constitui o cumprimento de uma mitzvá - um mandamento Divino que liga o homem a D’us.

E eles devem colocar nos Tzitzit de cada canto um fio de Techelet. Serão para vós Tzitzit - para que o vejais e recordeis de todos os mandamentos do Eterno e os cumprais; Techelet se refere à lã tingida com a cor azul celeste proveniente de uma espécie rara de criatura aquática, conhecida como Chilazon. Sua identidade exata é atualmente desconhecida. Presume-se que seja um invertebrado da família das lesmas, tão raro que só aparecia uma vez a cada 70 anos (Talmud Bavli, Menachot 44a).

Mesmo na época talmúdica era raro encontrar-se o Techelet. Há muitos séculos, a identidade do Chilazon permanece incerta. Portanto, atualmente, nossos Tzitzit não contêm o fio de Techelet. Contudo, a mitzvá do Tzitzit – mesmo sem os fios azuis celestes – continua obrigatória.

... e não seguireis atrás de vosso coração e atrás de vossos olhos, por meio dos quais vos desviareis.

Esse versículo menciona o coração antes dos olhos pois nem sempre nossas percepções sensoriais causam o despertar dos desejos do coração. Quase sempre ocorre o contrário – o desejo vem antes e quando vemos o objeto do nosso desejo, a luxúria que existe em nosso coração aumenta e nos leva a agir. Assim sendo, aquele que logo consegue domar os desejos de seu coração, terá menos probabilidade de ser levado – por seus olhos – a praticar atos proibidos.
Para que vos lembreis e cumprais todos os Meus mandamentos; e então sejais sagrados para o Eterno, vosso D’us.

Além de constituir uma importante mitzvá, os Tzitzit servem como lembrete para que os judeus cumpram os mandamentos da Torá.

Eu sou o Eterno, vosso D’us, que vos tirou da terra do Egito para ser vosso D’us. Eu sou o Eterno, vosso D’us.

Um dos maiores comentaristas da Torá, o Rabi Ovadia ben Yaacov Sforno, escreveu que por meio da redenção dos judeus da escravidão no Egito, D’us os colocou sob a guarda de Sua especial Providência. A continuidade de nossa existência, a eternidade do Povo de Israel, está sob a própria garantia Divina.
1Éimportante observar que qualquer tradução é, em si, uma interpretação. Traduzimos aqui o texto do Shemá Israel da forma como o interpretaram nossos Sábios.

2Conhecido como o Ramchal.

3O Baal HaTanya, o autor do Tanya, Rebe fundador da Dinastia Chassídica Chabad-Lubavitch.

4Haláchico: relacionado à Halachá – a lei religiosa judaica.

5A etimologia da palavra Totafot éobscura. Onkelos e Rashi a traduzem como o Tefilin da cabeça. A palavra Totafot está no plural porque o Tefilin que é colocado na cabeça, diferentemente do Tefilin que é amarrado no braço, contém quatro compartimentos.

6No Judaísmo, um menino de 13 anos é considerado homem e, portanto, obrigado a cumprir os mandamentos da Torá. Com essa idade ele celebra o seu Bar-Mitzvá, e se torna, como diz o significado literal da expressão, “filho de uma mitzvá”.

7Talmud Yerushalmi, Peah 8b.

8Éimportante observar que a abundância cedeu espaço à fome quando o Rei Achav menosprezou a Torá ao dizer que, apesar de sua geração praticar a idolatria, ela foi abençoada com chuva. Esta sua fala herética foi o que levou o Profeta Elias (Eliahu HaNavi) a decretar uma seca que duraria três anos (v. Livro dos Reis, capítulo 17).

9 Levítico 26:32 - Parashat Bechukotai

. BIBLIOGRAFIA:

Shema Yisrael – Three Portions of the Shema – Rabbi Meir Zlotowitz - Artscroll Mesorah Series

The Portion of Shema (Deuteronomy 6:4-8) – Rabbi Adin Even-Israel Steinsaltz -
https://steinsaltz.org/essay/shema/

. Fonte:

Revista Morashá - Edição 111 - Junho de 2021

http://www.morasha.com.br/leis-costumes-e-tradicoes/um-comentario-sobre-o-shema-israel.html

What Is Tzitzit (and Tallit)?
https://www.chabad.org/library/article_cdo/aid/537949/jewish/What-Is-Tzitzit-and-Tallit.htm

Curious Jews – Rabbi Adin Even-Israel Steinsaltz – The Times of Israel - https://blogs.timesofisrael.com/curious-jews/

The Steinsaltz Humash – Commentary by Rabbi Adin Even-Israel Steinsaltz – Koren Publishers Jerusalem

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