23 de fevereiro de 2019

A FACE DE D'US


“D'us fala a Moshê face a face, assim como uma pessoa conversa com um amigo íntimo” (Shemot 33:12)

Há algumas coisa sobre a parashá dessa semana da Torá que sempre me tocou de maneira muito poderosa. Ela contém talvez a descrição mais íntima que você jamais vai encontrar sobre a interação de um ser humano com D'us. “D'us fala a Moshê face a face, assim como uma pessoa conversa com um amigo íntimo” (Shemot 33:12). Essa pode ser a forma mais próxima que jamais veremos da intimidade de um ser humano com D'us.



Essa pode ser a forma mais próxima que jamais veremos da intimidade de um ser humano com D'us

Moshê tinha subido ao Monte Sinai para receber o mandado Divino chamado Torá. Enquanto isso os judeus lá embaixo, temendo que Moshê não retornasse, construíram o bezerro de ouro. Moshê desce com as Duas Tábuas contendo os Dez Mandamentos. Ao ver o que o povo fizera, ele despedaça as tábuas no sopé da montanha.
Moshê então retorna à montanha implorando perdão a D'us. E aqui é onde surge a mais fascinante discussão. Com reservas para não soar irreverentes demais, a conversa entre D'us e Moshê não é simplesmente uma de criatura e Criador, de servo e Amo, de sujeito e Chefe; é uma conversa de amor, íntima, até romântica.
Todo aspecto deste diálogo contem muitas lições sobre como enfrentar situações difíceis e como confrontar a D'us, lições que podem ser aplicadas para melhorar todos os tipos de relacionamentos. Na verdade, a conversa dessa semana entre Moshê e D'us nos ensina a verdadeira natureza de um relacionamento saudável, seja entre você e D'us ou entre você e seu ente querido.
Moshê começa imediatamente com total reconhecimento do crime: “as pessoas cometeram um pecado terrível fazendo um ídolo de ouro.”


D'us então explica: “Você não pode ver Minha Presença, porque um homem não pode ver-Me e existir

Lição #1

Revelação total.

A confiança é construída não sobre perfeição, mas sobre responsabilidade. Quando ocorre um erro ou um crime contra o seu ente querido, você não entra em negação ou disfarça o crime. Você não começa com desculpas e explicações. Declara total e claramente que um erro foi cometido.
Em seguida Moshê diz: “Agora, eu peço, por favor, perdoa o pecado deles. Depois que eu reconheci plenamente o pecado deles sem desculpas, você pode acreditar neles como confiáveis, e assim serem merecedores de seu perdão.”

Lição #2

Coragem para Consertar.

Moshê não se encolheu com culpa ou temor depois que um pecado tão grave foi transgredido. Depois que uma ofensa séria ocorreu muitas pessoas simplesmente desistem e se sentem sem esperança. O extremo oposto da negação é resignação: o crime é tão intenso que domina você com culpa e vergonha até o ponto de desistir. Após o reconhecimento deve vir a força e a convicção para curar. Então Moshê acrescenta: “Caso contrário [e o Senhor não os perdoar], pode apagar meu nome do livro...”

Lição #3

Total dedicação e sacrifício.

Como um líder totalmente altruísta Moshê não se desassociou do povo pecador – algo que ele poderia ter feito facilmente, visto que ele não tinha culpa pelo pecado deles. D'us até deu a ele a oportunidade de construir uma nova nação. No entanto, em seu grande amor pelo povo e total convicção de que D'us os amava, Moshê não toma o caminho mais fácil de se afastar. Ele enfrenta D'us e corajosamente declara: “Se destruíres a eles, destrói-me também!”

Uau, como um líder desses poderia ser útil atualmente…

Você poderia pensar que a comunicação termina a essa altura. Se alguém tentou convencer você a perdoar seu cônjuge traidor da maneira que Moshê tentou convencer D'us a perdoar a traição dos judeus, você continuaria a conversa?

Mas não. Não apenas a conversa continua, como se intensifica na – se não as – conversas mais íntimas que você jamais ouviu em sua vida. D'us a princípio Se recusa a perdoar o povo. Moshê então declara:

“Vós me dissestes para levar este povo [à Terra Prometida]… Também dissestes que me conheces pelo nome e que encontrei favor aos Vossos olhos. Agora se eu de fato encontrei favor aos Vossos olhos, permita-me conhecer Vossos caminhos, para que eu saiba como [continuar] encontrando favor aos Vossos olhos, e assegurar que esta nação é Vosso povo… Vossa presença [deveria]… nos acompanhar.”

Isso provoca a resposta de D'us: “Como você encontrou favor aos Meus olhos e conheço você pelo nome, também atenderei seu pedido.”

Mas Moshê não se sente ainda em paz; ele deseja e implora mais: “Por favor, mostra-me Vossa Glória.” D'us responde: “Farei todo Meu bem passar perante você, e revelarei o Nome Divino em sua presença…”

D'us então explica: “Você não pode ver Minha Presença, porque um homem não pode ver-Me e existir. [Mas] Eu tenho um lugar especial onde você pode ficar sobre a montanha rochosa. Quando Minha Glória passar, colocarei você numa fenda da montanha colocando Minha mão sobre você até que Eu passe. Então removerei Minha mão e você verá Minhas ‘costas’ e Minha face você não verá.”

D'us então diz a Moshê para preparar outro conjunto de tábuas sobre as quais D'us escreveria as mesmas palavras que estavam nas primeiras tábuas. “Fique pronto pela manhã para subir ao Monte Sinai e espere por Mim sobre o pico da montanha. Nenhum homem pode subir com você, e ninguém mais pode aparecer sobre a montanha inteira. Nem o rebanho e as ovelhas podem pastar perto da montanha.”

D'us então Se revelou quando Ele “desceu numa nuvem e ficou ali com ele. Ele clamou o nome de D'us. D'us passou perante [Moshê] e proclamou [os treze atributos Divinos da compaixão]: D'us, D'us Onipotente, misericordioso e bom, lento para a cólera, com tremendo amor e verdade…”

Ao ouvir os treze atributos Divinos Moshê inclina a cabeça e se prostra, e diz: Se o Senhor está contente comigo, ó D'us, por favor fique entre nós… Perdoaí nossos pecados e erros e nos tornais Vossos.”

D'us então faz um pacto “perante todo seu povo farei milagres que jamais foram trazidos à existência em todo o universo, entre qualquer nação… Seja muito cuidadoso… não se incline perante nenhum outro deus, pois D'us é conhecido por exigir adoração exclusiva.”

O final da história é que após 80 dias de prece Moshê prevalece e D'us concede perdão completo ao povo em Yom Kipur, que em seguida se torna o dia mais sagrado do ano.

Por mais críptica que essa conversa entre Moshê e D'us possa ser, várias coisas estão claras: O tom e a linguagem ressoam com profunda intimidade. Se você não soubesse que esta foi uma conversa entre homem e D'us poderia muito bem ser um romântico diálogo de amor. Moshê de fato teve um romance com D'us. Outro fato óbvio é que Moshê não está satisfeito em apenas ganhar o perdão Divino; usa este desafio como uma chance de “mergulhar” na personalidade única de D'us e nos caminhos misteriosos de D'us. Moshê quer ir o mais longe que puder para sentir a Essência de D'us.

Você poderia pensar que sob as circunstâncias, com o povo claramente culpado de um crime terrível, Moshê desejaria assegurar o perdão de D'us e “sair dali” o mais rápido possível. Mas não. Moshê está absolutamente confiante no amor de D'us pelo povo e não está satisfeito com mero “controle da crise.” Ele percebe que o pecado do povo trouxe uma oportunidade sem precedentes de acessar as mais profundas dimensões do “ser” de D'us de forma que nós pessoas comuns pudessemos para sempre ter um relacionamento infinitamente mais profundo com D'us, um que jamais se rompa, que possa transcender toda dificuldade e assim nos dê eterna esperança e confiança. Isso nos fornece muitas mais lições vitais em nosso relacionamento com D’us.

Lição #4

Cresça e cresça.

Uma traição da confiança não deve ser suficiente para recuperar a confiança; deve se tornar um catalisador para aprofundar o relacionamento. Voltar ao ponto inicial simplesmente não basta; isso não redimiria o sofrimento e a perda. Todo desafio deve nos levar a um amor mais profundo que aquele com o qual começamos. Devemos usar a oportunidade para descobrir vínculos mais profundos – vínculos que poderiam suportar a quebra de confiança, porque refletem um amor mais profundo que a traição.

Lição #5

Jamais desista. 

O amor verdadeiro é incondicional e eterno. Quando você está certo de que ama seu ente querido e seu ente querido o ama, você jamais para de tentar consertar qualquer atrito entre os dois. [Obviamente, isso não deveria ser confundido com obsessão ou paixão, que nem sempre podem refletir um amor saudável, incondicional. Alguém pode precisar de uma voz objetiva para ajudar a determinar se o amor é do tipo saudável ou doentio]. Moshê sabia que D'us não era vinculado a quaisquer regras que limitassem Seu amor pelo povo. Ele sabia que o que precisava era ser absolutamente sincero em seu pedido de perdão, e ele iria prevalecer.

Lição #6

Reciprocidade. 

Quando você vê que seu ente querido intimamente sabe seu nome [conhecimento, “daat” em hebraico, está relacionado à intimidade], então você pode pedir em retorno: “permita-me conhecer seus caminhos, para que eu saiba como [continuar] encontrando favor aos seus olhos.” Um relacionamento tem igualdade e reciprocidade.

Lição #7

Desencadear reconhecimento. 

Quando um relacionamento é desafiado, é importante acessar a profunda conexão que existe entre você e o ser amado. Moshê portanto diz a D'us “Vós me conheceis pelo nome e que encontrei favor aos Vossos olhos.” “Sabeis e me reconheceis como ninguém mais faz. Portanto sabeis que estou aqui com minha total sinceridade e vulnerabilidade, pela Vossa misericórdia. Vós, que me conheceis por nome, por favor não me abandoneis.”

Lição #8

Presença. 

Um relacionamento significa estar presente. Sua presença está comigo, e minha presença está com você. Estar presente não significa apenas aparecer. Significa que você está ali com o seu ser completo – totalmente investido, mais do que qualquer outra coisa em que esteja envolvido. No trabalho, por exemplo, uma parte de você deveria estar presente, mas não é saudável se você todo estiver imerso; você deve sempre reservar parte da sua essência para um propósito mais elevado. Num relacionamento amoroso sua presença inteira é necessária.

Lição #9

Veja a face de seu ente querido. 

A expressão plena do amor é quando você vê a “face” do seu querido. Face em hebraico é “panim”, que também significa “dentro”. Moshê, portanto, em seu grande anseio por D'us, pede para ver Sua face. Porém, ninguém pode ver a face de D'us e existir. Comentaristas explicam que a resposta de D'us a Moshê, “Você verá Minhas ‘costas’ e Minha face não verá” deveria ser lida da seguinte maneira: “Você verá Minhas ‘costas’ e Minha face, [mas Minha face] verá ao não ver.” 

A essência íntima de D'us somente pode ser sentida (vista) ao não olhar, mas não permitindo que seu “ser” apareça. Assim que você olhar, o você definido não se permitirá ver a D'us e existir. Somente suspendendo a si mesmo em completo “bittul”, anulação, e se tornando um canal transparente você pode então “ver” a D'us.

Lição #10

Momentos Particulares. 

A presença também inclui a necessidade, às vezes, de privacidade total, eliminando quaisquer distrações. Como D'us diz a Moshê: “Fique esperando por Mim no alto da montanha. Nenhum homem pode subir com você, e ninguém mais pode aparecer na montanha inteira. Até o rebanho e as ovelhas não podem pastar perto da montanha.” Neste momento você precisa se isolar Comigo num oásis que liberta você de todas as forças sociais e ambientais, sem outras pessoas ou natureza ao redor.

Lição #11

Exclusividade. 

Finalmente, um relacionamento verdadeiro é sobre exclusividade. “Não se curve a nenhum outro deus, pois D'us exige adoração exclusiva.” Não por caussa de ciúmes ou controle, mas porque o amor é todo abrangente, indivisível, não pode ser compartimentado. Um relacionamento com D'us deve abraçar D'us em Seus termos, não nos nossos. O Bezerro de Ouro é sobre adorar um deus em termos subjetivos, humanos. Um deus criado pelo homem à imagem humana, em vez do D'us que criou o homem à Sua Divina imagem.

Fomos abençoados a ouvir a conversa íntima entre Moshê e D'us. Não podemos entender plenamente todas as suas dimensões, mas podemos vislumbrar muitas lições deste intercâmbio. Algumas das lições são mencionadas acima. Muitas mais podem ser exploradas. Lições também podem ser aprendidas com os treze atributos Divinos revelados a Moshê no processo. O principal é entender que o relacionamento entre Moshê e D'us pode nos ajudar a lidar com todas as questões de relacionamento, entre você e você mesmo, entre você e seus entes queridos, entre você e D'us.

Muitos de nós crescemos com a imagem de um D'us que se senta poderoso no céu, afastado, furioso, repleto de ira, esperando para nos punir pelos nossos pecados. Pelo menos, o diálogo desta semana entre Moshê e D'us afasta aquele mito, e nos ensina que nosso relacionamento com D'us é muito mais complexo, mais sutil. É um relacionamento altamente pessoal, íntimo por natureza, e que toca o próprio âmago do nosso ser.

Para citar Rabi Levi Yitzchak Berditchev: O deus em que você não acredita eu também não acredito.

Talvez nosso grande desafio seja destruir nossos falsos deuses e falsas imagens de D'us, e permitir que sejamos apresentados ao D'us Real: Aquele que fala à sua alma de forma mais íntima.

. Fontes:

Por Simon Jacobson - Rabino Simon Jacobson é autor do campeão de vendas Rumo a Uma Vida Significativa: A Sabedoria do Rebe (William Morrow, 1995), e fundador e diretor do Meaningful Life Center.

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https://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/3960568/jewish/A-Face-de-Dus.htm

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